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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 46 |
junho-julho | 2014
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A.M. GALOPIM DE CARVALHO
Os sedimentos e a paisagem física
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A.M. Galopim de Carvalho (Portugal).
Geólogo e ficcionista. Professor jubilado da Faculdade de Ciências
da Universidade de Lisboa. |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Na enciclopédia escrita no século X pelos Irmãos
da Pureza pode ler-se: a erosão destrói perpetuamente as montanhas e
o escorrer das águas pluviais arrasta rochedos, pedras e areia para o
leito das torrentes e rios que, por seu turno, ao escoarem-se, acarretam
tais materiais para os pântanos, lagos e mares, onde os acumulam
sob a forma de camadas sobrepostas.
We could read the Earth’s history in geological record of its stratified
sedimentary rocks. (James Hutton, 1726-1797)
O “Livro dos Sedimentos”, reconstruído pelo esforço de diversas gerações
de geólogos, equivale a um extensíssimo documento histórico, ao lado do
qual todos os alentados volumes da História da Humanidade não passam de
insignificantes opúsculos.
(George Gamov, 1941).
Em geologia, o conceito de sedimento (1) abarca os fragmentos ou clastos de origem terrígena ou
orgânica transportados por agentes naturais e que acabam por se
depositar e acumular, via de regra, sob a forma de estratos ou camadas.
Num leque dimensional que vai dos grandes blocos de rocha (como os das
moreias glaciárias) às finíssimas partículas da dimensão das argilas,
passando por seixos, areias e bioclastos (como conchas de moluscos e
seus fragmentos), estes sedimentos, passiveis de serem transportados
pelas águas pluviais, de escorrência e fluviais, por correntes marinhas,
pelo gelo, pelo vento ou por simples acção da gravidade, constituem o
material que, ao longo do tempo geológico, se transforma na chamadas
rochas sedimentares
(2).
Mas o termo sedimento tanto
designa a partícula individual sujeita à dinâmica sedimentar, como a
população de partículas envolvidas nesse processo, mesmo que ainda em
trânsito, como também o corpo sedimentar depositado e imobilizado, isto
é, o próprio depósito, no seu conjunto. Por outras palavras, sedimento
tanto é o conjunto de partículas transportado como o depósito material
das mesmas. Dado o seu carácter não coeso, um sedimento, neste outro
sentido, é um corpo geológico instável, temporário, passível de ser
retomado. É, pois, um depósito dinâmico e, nesta perspectiva, alguns
autores têm-lhe dado o nome de
rocha móvel. Todavia, destituídos de coesão entre os seus
constituintes, este tipo de materiais escapa ao conceito vulgar de
rocha, tal como ele é normalmente usado (o de pedra coesa e rígida),
quer na linguagem corrente, quer na dos profissionais da construção
civil que usam, habitualmente a expressão
rocha firme (o
bedrock, dos ingleses).
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Ex librum Lapidum historia mundi
(A história
do mundo no livro das rochas). Pintura de Martins Barata
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Fala-se, com efeito, de sedimentos em suspensão, sedimentos
remobilizados, sedimentos transportados eolicamente, sedimentos
consolidados, sedimentos litificados, etc. O uso do termo foi proposto
pelo alemão Arnold Lasaulx (1875), na sua classificação geral das
rochas, ao estabelecer a classe
“sedimentos puros”, na qual incluiu os calhaus ou seixos fluviais e
de praia, as areias de rio, de praia e de duna, e ainda, os
Löss,
termo vulgar
germânico que adoptou para indicar os sedimentos mais finos, isto é, os
siltes e as argilas. Actualmente, o termo
refere um depósito silto-argilo-calcário, de origem eólica, não
coeso, depositado em regime periglaciário, com capacidade agrícola
reconhecida. Com a grafia internacionalizada loess, o
termo radica no alemão lose, que significa friável, não coeso.
Na sistemática petrográfica, as rochas sedimentares abarcam não só os
materiais coesos, como calcários, conglomerados, arenitos, sílex, entre
muitos outros, como também os sedimentos recentes, via de regra incoesos
ou móveis, nos termos em que assim os referimos (3).
O estudo comparativo destes com as rochas sedimentares, entendidas como
sedimentos antigos, constitui o pilar da interpretação destas rochas sob
os mais variados aspectos. Com efeito, partindo do princípio que,
tanto hoje como no passado,
as
mesmas causas produzem os mesmos
efeitos
(4), é viável reconhecer tipos de ambientes geográficos e geológicos,
mais ou menos remotos, comparando as características das respectivas
rochas com as dos materiais actualmente em formação nos diversos
ambientes do presente que temos a possibilidade de ver “funcionar”. É,
pois, com base neste pressuposto que pudemos tomar conhecimento da
existência de glaciações no Precâmbrico e no Carbónico, de desertos no
Devónico da Grã Bretanha e da América do Norte, de florestas húmidas e
quentes no Carbónico da Europa e da América do Norte, de lagunas
evaporíticas no Triásico europeu, etc..
Os sedimentos revelam quase sempre, de maneira mais ou menos evidente, a
natureza das rochas de onde provêm, isto é, a respectiva filiação. Para
uma dada região, podem reflectir as características do relevo e do clima
existentes à altura da sua formação, os agentes de erosão e transporte
que os actuaram, bem como o ambiente onde, finalmente, se depositaram.
Podem ainda, em determinados casos, indicar a respectiva idade. Nestes
termos, é muitas vezes possível correlacionar os sedimentos e as rochas
sedimentares com a geologia, a geomorfologia
e o clima seus contemporâneos e procurar decifrar, na sucessão dos
estratos ou camadas, a correspondente sequência dos acontecimentos
geológicos e, portanto, a evolução geomorfológica correlativa.
Ao introduzir o conceito de “formação correlativa”, Walter Penk
(1888-1923), geógrafo austríaco, filho de um outro geógrafo, Albrecht
Penk (1858-1945), que foi o pioneiro no estudo dos sedimentos como via
de investigação no âmbito da geografia física. Entendida como o conjunto
dos depósitos sedimentares resultantes da erosão de um dado relevo, a
dita formação correlativa testemunha, pelas suas características
sedimentológicas, a história da evolução desse relevo, além de que
permite investigar o tipo de erosão que o afectou e o clima sob o qual
se processou essa erosão. Este conceito deu um novo rumo a esta
disciplina, que passou a associar o estudo dos sedimentos à tradicional
observação dos elementos da paisagem, que caracterizou a obra dos
clássicos geógrafos, abrindo portas à moderna geomorfologia. Foi assim
que a sedimentologia e os seus diversos procedimentos analíticos
entraram nas preocupações dos geógrafos e geólogos do século XX.
O
livro “Morphological Analysis of Landforms”, da autoria deste
autor, falecido prematuramente aos 35 anos de idade, foi publicado, a
título póstumo, pelo seu pai, em 1924, sendo considerado um marco na
geomorfologia à escala internacional.
Entre outros geógrafos e geólogos, o francês
Pierre Birot e o português Orlando Ribeiro encorajaram o uso desta
via. O primeiro criou um laboratório de sedimentologia no Institut
de Géographie de Paris, que frequentei nos anos de 1962 a 1964, e o
segundo dotou o Centro de Estudos Geográficos da Universidade de
Lisboa, de um outro, no mesmo domínio que, a seu convite, montei e
no qual trabalhei de 1965 a 1981.
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(1) Do latim sedimentum,
que significa partícula sólida em suspensão num fluido e que
assenta, por gravidade, quando em repouso.
(2)
Só
mais tarde, em 1868, o geólogo alemão
Karl Wilhelm von Gümbel (1823-1898) deu o nome de
diagénese (do
grego dia, através de, e
genesis, origem) ao
conjunto de processos que transformam os sedimentos em pedra ou, por
outras palavras, os petrificam, lapidificam ou litificam.
Petrificar, do latim petra (pedra), deu
petrificação, lapidificar, do latim
lapis (pedra), deu
lapidificação, e
litificar, do grego lythós
(pedra), deu litificação.
Quatro palavras para designar o mesmo fenómeno geológico.
(3) Abarcam, ainda, por definição, os combustíveis fósseis. Se
não nos choca aceitar a hulha ou a antracite como rochas (a
expressão carvão de pedra,
de uso popular, assim o comprova), o mesmo não sucede com o
petróleo bruto (crude oil)
ou com o gás natural. Embora estes materiais não se transformem
em “pedra”, sabemos, todavia, que satisfazem as condições
definidas para a petrogénese sedimentar, inclusivamente as que
cabem no âmbito da diagénese.
(4) “Princípio das Causas Actuais”.
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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