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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 46 |
junho-julho | 2014
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ADELTO GONÇALVES
Manoel Bomfim e o antilusitanismo |
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa
pela Universidade de São Paulo e autor de
Os Vira-latas da Madrugada
(Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981),
Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira
(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002),
Bocage – o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003) e
Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de
Letras, 2012), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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I |
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Por
que ler (ou reler) Manoel Bomfim (1868-1932) quase um século depois?
Porque, entre outras razões, esse médico, historiador, psicólogo e
professor, nascido em Aracaju, foi um dos primeiros a pensar o Brasil.
Por isso, ao reeditar pela primeira vez
O Brasil na História: deturpação
das tradições, degradação política, escrito em meados da década de
1920 e publicado em 1930, a Editora PUC-Minas, em parceria com a Editora
Topbooks, presta um relevante serviço à História e à Cultura do País.
Podemos
discordar de muitas ideias de Bomfim, que, naturalmente, como todos nós,
foi escravo do “espírito do tempo” (Zeitgest),
de que dizia Hegel (1770-1781), como bem observa a historiadora Mary Del
Priore na apresentação que escreveu para esta segunda edição do livro,
mas não deixaremos nunca de nos solidarizar com ele em suas observações
sobre o Brasil de sua época, como resultado de três séculos de
colonização e 67 anos (de 1822 a 1889) de um Império que pouco mudou os
costumes e práticas colonialistas e uma República que, nascida sob o
tacão de militares, em iniquidades não tem ficado atrás do regime
monárquico.
Tal
como hoje, éramos uma nação atrasada, com uma parcela majoritária da
população mergulhada no analfabetismo – hoje, diríamos analfabetismo
funcional –, bucha de canhão para os conflitos que as oligarquias
arrumavam e até para a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), além de mão
de obra praticamente escrava (ou neocrava) e desqualificada para o
trabalho no campo e nas grandes cidades que então se formavam.
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II |
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Anglófono, Bomfim via em Portugal toda a fonte do mal que assolava o
Brasil. Dizia que, antes da expansão colonial, “a burguesia de Londres
havia abatido o mais formal no poder da coroa”, entendendo que a
revolução liberal de 1689 havia acabado com os restos de privilégios da
aristocracia inglesa. Por isso, segundo ele, ao contrário de Portugal,
onde a aristocracia continuou a usufruir de todos os privilégios sobre a
uma massa ignara – reduzida a se resignar com as migalhas que os
chamados nobres mandavam atirar aos porcos ou a emigrar –, a Inglaterra
não se degenerara, construindo um regime de estado “o mais livre no
mundo moderno”.
O
antilusitanismo de Bomfim é tão acendrado que, para ele, os 60 anos do
Portugal espanhol constituem o período de formação essencial do Brasil.
“Mas, inacabada essa formação, quiseram os fados que houvesse um
Portugal restaurado, para
viver exclusivamente desta colônia. E esse Portugal, de mercantis
degradados, entregue à saudade má dessas Índias perdidas; esse Portugal,
a projetar sobre o Brasil a sombra sinistra do seu declínio, deu-nos
todos os males de uma vida estiolada, fora dos estímulos em que o
Ocidente se refazia”, escreveu.
Desta
sorte, segundo ele, era o Brasil distorcido da sua marcha natural –
“acorrentado ao cadáver de uma nação que, mesmo em glória, nunca fora
uma civilização completa”. Para Bomfim, “menos que Roma em face da
inteligência grega, Portugal não teve energias para outra coisa além das
suas conquistas de comércio”. Mais adiante, disse: “Negreiro,
escravocrata, absolutista, bragantista, liberal, cortista,
monarquista... o português encarnou, em todas as crises, o renitente
inimigo do Brasil, empenhado em mantê-lo na mesquinha situação que o
obrigue a servir de pasto ao mercantilismo de parasitas obsoletos”.
Só
que, mesmo depois do afastamento dos Braganças do poder, os brasileiros
– leia-se aqui: os donos do poder – continuaram roubando, extorquindo,
manipulando eleições e enriquecendo com o trabalho neoescravo, mantendo
a “lôbrega e mentirosa democracia” da Primeira República (1889-1930) em
que Bomfim viveu ao final de sua vida. E, depois, com o conturbado e
fascistizante período getulista (1930-1945), pouco mudaria, ainda que
tenham sido dados alguns direitos aos assalariados miseráveis, mais por
imposição dos tempos do que por vontade de reformar efetivamente o País.
Sem contar a tragédia que constituiu a ditadura militar (1964-1985).
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III |
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Bomfim não via mérito nenhum nos aventureiros lusos que, com Vasco da
Gama (ca. 1460-1469-1524), avançaram em direção às Índias e que, de
passagem, se viam alguma ilha desprotegida, desciam para fazer a
pilhagem. Dessa forma, Luís de Camões (ca. 1524-1525/1580) teria
exagerado ao lhes louvar os feitos mercantis, a ponto de
hiperbolizá-los, ao escrever que, “se mais mundo houvera, (o homem
lusitano) lá chegara”. Mas, ao mesmo tempo, vê patriotismo nos paulistas
dos séculos XVII e XVIII que se embrenhavam nos matos para matar ou
escravizar indígenas, tornando-se também o “terror dos espanhóis” e
avançando os limites do Tratado de Tordesilhas, a tal ponto que, se não
houvesse a Cordilheira dos Andes, o Brasil talvez hoje tivesse também
saída para o Pacífico.
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IV |
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Bomfim, em seu desabrido antibragantismo, deixa de ver a ação da miséria
humana nos grandes acontecimentos, como se todos os reinóis fossem maus
e todos os nascidos na América portuguesa bons. E não percebe que, no
movimento de 1789, eram as mãos dos arrematantes de contratos João
Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis que moviam os cordéis da
conjuração, aqueles que mais lucrariam com a separação de Minas e das
capitanias que pudessem aderir ao movimento, pois, como
grossos devedores, ficariam
livres das dívidas, que haviam acumulado ao deixar de repassar para os
cofres da Coroa os impostos que arrecadavam em nome dela. Depois de por
anos dividir com os governantes os
cabedais que seriam do Reino, como dizia Critilo,
alter ego do ouvidor Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), ao denunciar
(e trair) o ingênuo Tiradentes e outros, pulando para o outro lado da
cerca, Silvério acabou por conseguir o que mais queria: livrar-se das
dívidas...
Para
Bomfim, a independência de 1822 também não passou de um arranjo entre as
elites, ficando o País “sob o governo de
legitimíssimos (sic)
representantes da metrópole”, sem nenhuma alteração no pessoal do
Estado. Para ele, a independência não passou de escamoteação em favor
dos Braganças e dos portugueses em geral, não sendo, portanto, o natural
desenvolvimento da nossa evolução nacional, senão um atentado contra
essa mesma evolução. Em outras palavras: “o Estado do Brasil foi
organizado com a nata dos canalhas e ineptos, de que se compunha a
degradada classe dirigente do Portugal de 1808”.
Como
se vê, é preciso algum cuidado ao ler Bomfim hoje, pois só se pode
fazê-lo com os olhos de ontem. E relativizar tudo o que escreveu porque,
afinal, os ladravazes do Império nada mais foram do que precursores dos
ladravazes da República. Foram tantos os ladravazes e tamanha a fúria
com que avançaram (e avançam) sobre as burras públicas que não sobrou
espaço para se exercer nos séculos XX e XXI um capitalismo menos
selvagem, ao contrário do que se vê nas nações mais desenvolvidas. Hoje,
o antilusitanismo de Bomfim não procede porque, guardadas as devidas
distâncias, o que construímos foi um imenso Portugal.
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O
BRASIL NA HISTÓRIA: DETURPAÇÃO DAS TRADIÇÕES, DEGRADAÇÃO POLÍTICA
Manoel
Bomfim
Prefácio de Ronaldo Conde Aguiar
Belo Horizonte: Editora PUC-Minas; Rio de Janeiro: Editora Topbooks
486 págs., 2013, R$ 63,90. E-mail:
editora@pucminas.com.br
Foto: Luiz Nascimento
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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