Foi com Raymond Moody Jr.,
através de seu livro Vida depois da vida (1975), que se
popularizou o interesse pelas Experiências de Quase-Morte (EQM) ou, em
inglês, Near-Death Experiences (NDE).
O termo faz referência a um
conjunto de sensações vivenciadas por algumas pessoas em situações de
morte iminente e associado à ideia de sobrevivência do espírito (alma,
consciência) após a morte.
Muito se tem estudado sobre
tais ocorrências e algumas hipóteses, na tentativa de explicá-las, têm
sido apresentadas.
Dentre as mais contempladas
destacam-se as de cunho farmacológico e as de caráter neurológico. As
primeiras apontam como possível causa a utilização de drogas
terapêuticas administradas ao paciente em momentos críticos e, as
segundas, de caráter neurológico, atribuem tais sensações a um mau
funcionamento do sistema nervoso de pacientes que se encontram próximos
à morte. Contudo, não há consenso.
Todavia, as tentativas de
respostas para esse estado, limítrofe entre a vida e a morte, não altera
o fato de o trabalho realizado por Moody continuar sendo apontado como
uma investigação que atesta, de maneira irrefutável, a existência
de “algo” que em nós, e independente de nós, sobrevive à morte física.
Os excessos dessa interpretação, em bases escusas, é o objetivo deste
breve artigo.
Tenho comigo a edição
portuguesa de 2006, publicada pela editora Pergaminho S/A. Cascais,
Portugal, da obra Vida Depois da Vida, de Raymond Moody Jr.
Já na contracapa, com o
objetivo de destacar o trabalho de Moody, podemos ler:
Os relatos
extraordinários que aqui são apresentados, acompanhados da análise
rigorosa e acessível de Raymond Moody Jr., constituem uma prova
irrefutável da vida após a morte física e permitem ao leitor comum
ter um relance da paz e do amor condicional que nos esperam do “Outro
Lado”. (g.n.)
Contudo, tal afirmação, não
passa de uma “profissão de fé”. Verifica-se, sem a necessidade de
grandes reflexões, a infidelidade ao texto que está sendo apresentado.
Assim esclarece o autor, logo nas primeiras páginas:
Deixem-me dizer logo
de início que, tal como explicarei mais tarde, não estou a tentar a
provar que existe vida depois da morte. Nem acredito que seja possível
dar uma “prova” disso.
(g.n.)
Ora, é esse procedimento que
quero denunciar. Essa desprezível tendência de colocar “palavras na
boca do autor” para defender crenças particulares.
Esse tipo de comportamento,
desnecessário e reprovável, em nada contribui para o avanço do
conhecimento. Não vai além, diga-se, de uma caricatura ou, dito de outra
maneira, uma abordagem desqualificadora do texto.
Mais um passo e lemos no
prefácio, escrito pelo médico americano Melvin Morse:
Quando morremos, as
nossas vidas são avaliadas e interpretadas tendo por base não o dinheiro
que ganhámos ou o estatuto e prestígio que conquistámos, mas tendo por
base o amor que partilhámos com os outros ao longo da vida.
Convenhamos, este tipo de
abordagem não passa de um “salto parado no ar”. Em nenhuma das
experiências relatadas por Moody podemos apreender que “do outro lado”
não seremos avaliados com base no dinheiro que ganhámos ou o estatuto
e prestígio que conquistamos. Isso está fora de questão.
Desnecessário,
injustificável e, mais que isso, um tributo à infidelidade na leitura
da obra.
Que não levamos dinheiro
para o caixão, ou para o “outro lado” todos sabemos. Inclusive
personalidades ditas desencarnadas já nos trouxeram, através dos
chamados médiuns, termo cunhado por Alan Kardec para definir aqueles que
servem de mediadores entre o mundo espiritual e o mundo material, a
mesma mensagem do seu peculiar “plano espiritual”. Ora, seria preciso
alguém nos lembrar disso? E o que tamanha advertência, nas
entrelinhas, significa? Que não precisamos nos preocupar com o dia de
amanhã, conforme nos ensinou Jesus e foi registrado pelo evangelista (Mt
6:25,26)?
Por quem nos tomam? Por
retardados mentais?
Que tal, apenas como
contraponto, lembrarmos que cerca de 1 bilhão de pessoas no mundo não
têm o que comer e a cada três segundos uma pessoa morre de fome?
Infiéis?
Convenhamos... Sem palavras.
Portanto, salvo um grosseiro
erro de leitura da minha parte, Moody trata sua pesquisa com outra
disposição. Diria infinitamente mais honesta.
Não posso falar com total
objectividade destas experiências, pelo facto de as minhas emoções terem
estado envolvidas no processo. (...) Em segundo lugar, devo dizer que
não estou muito familiarizado com a vasta literatura dos fenómenos
paranormais e ocultos. Não digo isso por menosprezar o assunto e, com
certeza, um maior conhecimento do assunto teria ampliado a minha
compreensão dos eventos que estudei.
Assim, é indiscutível que o
autor seguiu caminhos diferentes e opostos àqueles trilhados por seus
comentadores. Em nenhum momento - é textual - descartou a
possibilidade da reencarnação:
No entanto, é importante
ter em mente que nenhum
(dos casos estudados)
descarta a reencarnação também. Claríssimo.
Contudo, também diz o autor,
no início do mesmo parágrafo:
Nenhum dos casos que
observei é, de alguma forma, indicativo da reencarnação.
e
complementa:
De qualquer modo, a
técnica de entrevistar pessoas que voltaram de experiências de
quase-morte não seria o modo adequado de estudar a reencarnação.
Assim, causa-me profundo
desconforto o fato de, ainda nos dias atuais, passadas mais de quatro
décadas da primeira edição do livro, ver estudiosos, ou seriam
tendenciosos? – insistentemente - citarem o trabalho de Raymond Moody
Jr, como prova irrefutável da vida após a morte e, por osmose, da
reencarnação.
Não vejo problema algum crer
numa vida após a morte. Da mesma maneira não vejo problema algum
acreditar-se em gnomos, duendes, fadinha do dente etc. Contudo, há uma
distância considerável separando a crença do conhecimento.
Aqueles que creem numa
possível vida após a morte e também na reencarnação, como fato
inconteste, agarram-se a todas as cordas.
Movidos pelo desejo de
como gostariam que as coisas fossem, independentemente de como
são, atropelam e destroem - como um trator que passa por cima de uma
plantação de morangos - tudo aquilo que possa pôr em dúvida sua fé.
A constante alegação
shakespereana de que há mais mistério entre o céu e a terra do que
possa imaginar nossa vã filosofia, não é um passaporte seguro para
afirmações com bases na fé.
Devemos, antes de colher o
figo, plantar a figueira.
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