REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 45 | abril-maio | 2014

 
 

 

 

 

 

MARIA ESTELA GUEDES 

Signos e signas de Luís Maffei

 

 

Foto: Ed. Guimarães    

Maria Estela Guedes. Poeta, ficcionista, cronista, dramaturga, historiadora da História Natural e da Maçonaria Florestal Carbonária. Tem umas dezenas de títulos publicados.                   

 

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  Luís Maffei, um dos críticos de Herberto Helder da geração mais nova, publicou recentemente um livro de poemas algo inesperado, atendendo às duas anteriores informações. Mas, tal como Herberto tem costela camoniana, também em Signos de Camões encontramos o que é próprio da juventude deste poeta brasileiro: a modernidade do pensamento, a desenvoltura com que maneja o verso livre e reposiciona na atualidade um léxico erudito, por vezes técnico, típico do discurso sobre as navegações n' Os Lusíadas. Esta modernidade contrabalança o relativo hieratismo das formas fixas, em que predominam a redondilha maior e o soneto.

A diversidade de formas e motivos reina, algo no entanto se mantém como unidade, correndo o livro de princípio a fim, incluído o posfácio de Roberta Ferraz - o hermetismo. Se bem que ele se religue tradicionalmente à poesia, sobretudo à que versa temas do sagrado, no caso de Luís Maffei esse hermetismo parece decorrer também de uma vocação pessoal para o silêncio. Talvez o pudor do coração vele o rosto com o segredo. 

Merece a pena um exemplo completo, para nos apercebermos da maestria com que este jovem maneja estruturas muito específicas na história recuada da nossa comum literatura:

O bravo mar nas beiras de uma escarpa
avança enquanto estala o pensamento;
o irado, imenso poço em tudo lento
dirá que de seu fim nem Deus escapa.


Ao longe, à lua, um breve barco zarpa,
e pouco nele indica movimento,
apenas seu noturno estar isento;
o sonho, então, se exibe como um mapa:

há linhas de hidrográfico destino,
há lenho e remo em mão de quem navega,
existe um delicado descortino

adiante, onde se mostra astuta pega
roteiro de algum gênio submarino
amante de brincar a cabra-cega.



Como soneto o exemplo é completo, mas já se mostra incompleto quanto à intenção astrológica, uma vez que é também a signos zodiacais que alude o título de Luís Maffei. O soneto tem um duplo, são dois rostos que se espelham um no outro, a ilustrar Gemini. Liga-os o dístico - Angústia de remar eu não contorno/ espelho de meu rosto enfim me torno. -, por isso continuemos a citar, reparando em que, tal como na inversa imagem do espelho, assim o segundo soneto se inicia pelo fim:

A noite expõe no escuro o claro cetro;
é como um pesadelo: onde há quem chame
um monstro de erosão que caiba em metro?

Silente o mapa-múndi de origami,
autômato retrô que mora retro
à nova que se diz como reclame.

A fuga é certa, espera-se um lugar
de anárquico estupor desobrigado;
se mar é rio, a água é incerto estado
e braços são quem põe remo a remar.

Brincava na falésia o antigo mar;
do gênio, só reflexo impensado;
o elo entre ele e mundo é feito a nado,
esgota-se a garganta de cantar
.

Signos de Camões teve primeira edição em Portugal, nos Açores (Companhia das Ilhas, Lajes do Pico, 2013), o que estabelece aliança ainda mais estreita entre as poesias brasileira e portuguesa, desejada no título «Transeatlântico» da coleção, onde é número quatro. E esta é uma opção de leitura das mais ricas, ver que pontes se estabelecem entre Luís e Luís, entre os hipotéticos signos astrológicos de Camões e os signos linguísticos, isto é, uma fala camoniana que se apresenta como grande amada. Ela vai orientando o barco da sedução capitaneado por Luis Maffei no labirinto da poesia de ambos, pois não é só em campo estranho que achamos o conhecimento de nós, sim sobretudo no nosso.

É um objeto muito belo este Signos de Camões, na edição consultada, a brasileira, que não sei se é exatamente a mesma que Carlos Alberto Machado fez publicar nos Açores. Às viagens pelo mar Luís Maffei acrescenta um poemário de viagens no céu, com toda a opulência das figuras zodiacais, para cuja leitura aponta o posfácio de Roberta Ferraz, uma astróloga que também é amante de poesia. Mas o livro é belo igualmente como objeto, graças aos desenhos de Mariana Vilhena e ao projeto gráfico de Júlio César Baptista.
   
 

  LUÍS MAFFEI
Signos de Camões
Desenhos de Mariana Vilhena . Posfácio de Roberta Ferraz
Projeto gráfico de Júlio César Baptista
Rio de Janeiro . Oficina Raquel . 2013
 

 

© Maria Estela Guedes
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