«Digo-vos, pois: Pedi e ser-vos-á dado;
procurai e achareis; batei e abrir-se-vos-á; porque todo aquele que
pede, recebe; quem procura, encontra,
e ao que bate,
abrir-se-lhe-á.»
in «Evangelho Segundo São Lucas»
( convoco, para a faina, o Arcano e
Arcaico do Sumo Sacerdote )
Acurada, depurada seja a nossa colação:
no bosquejo e na busca de um lídimo Poeta, encontramo-nos, desta
feita, perante um Teólogo. Um homem que assinava como Padre, um
vidente visionário da Católica Eclésia. Pensemos, portanto, em
pundonor. Ponderemos e pesemos, o mais que nós pudermos, o viático e
via da nossa viagem…
E comecemos, então. As palavras indicam
que o Padre Alfredo Vieira de Freitas era movido, ou atraído, por
ideal universalista e sem partidos… ( 1 ) É que foi, na verdade, uma
força fabulosa e simbólica, que o fez, no fastígio, afastar o
diabólico. Mas uma pronta filologia, ou amizade dos vocábulos, nos
diz ainda mais, e nos fala mais ainda… E o caso é que Santo Isidoro
de Sevilha, nas suas «Etimologias», nos informa que «Teólogos» era o
signo dos Poetas pagãos, que pugnavam, com primor, pelo panteão do
seu povo…
Lauta notícia, portanto: ao
consultarmos a História, todos nós nos damos conta de que Poetas
como Homero, Hesíodo, e Isaías ou Ezequiel se moviam, comoviam, no
estado Teológico. Por termos eternos, que pondere o ledor: o Poeta é
profeta e o profeta é Professor. Se o estado teológico é, para
Comte, o estádio primitivo, o culto é sempre a primeira manifestação
duma cultura, é o processo paidêutico da parábola, da fábula, de uma
hominização. A linguagem, dessarte, como o versejar primeiro, e a
Musa, nas artes, seguida e concebida qual a música solene e «o Anjo
da poesia», ( 2 ) e já estamos a falar de um homem que tinha um
violino em seu coração, cordialmente aqui falamos, na pureza e na
beleza, do fulgor e do primor do nosso Padre, que era esteta, da
flama visionária emitida como seta.
E tudo isto, para quê? E redargue, em
crítica, o crisólogo e crisol: de comum com o Cristão, tem o Poeta o
carácter, ou característica, de ser, acima de tudo, sinal de Luz e
liberdade, no meio das trevas facciosas. Ele deve portar e
transportar o Sol para o nosso Inverno, e o Amor, a filarmónica, a
harmonia, para a fereza do inferno. Nos confessa, aliás, o sagrado
Sacerdote: peregrino duma perla, e romeiro de Ideal, vai «caminhando
para Deus em anseios de Verdade, de Bondade e de Beleza.» Como
assertámos, nós outros, em laudas libertas: o culto da Verdade o
secundou na Filosofia; o da Beleza, na Poesia; o da Bondade, alfim,
numa recta Religião.
E um livro admirável, uma lavra
liberal, intitulada «Céu de Estrelas», nos faz, desse modo, avalizar
e divisar: na templação da Natura, e no gigântico altar, em tudo o
nosso Padre via o espelho e especular do Deus altíssimo, ou, nas
palavras do Poeta, «de Deus o nome em tudo estava escrito!» É claro
que, numa tal Ontologia, o carácter multímodo e multifário do
princípio de individuação, ou seja, em Peripatético, o parcial da
matéria, é negado, ultrapassado, abandonado. Em nome de quê?,
pergunta o ledor. E retorque o Padre Alfredo: da Mónada que mana da
platónica Ideia. Um platonismo, então, temperado e matizado por
angélico Marianismo, eis o escopo e a escola do nosso progredir. É
que à luz, como vemos, do valor e do primor das bíblicas parábolas,
já não há mais divórcio, ou divisão, entre o eu, o tu e o ele; e
acima do indivíduo se afirma, na frauta e fraternal, o Cristiano e
pois humano humanizar duma pessoa.
Por isso mesmo, concluiremos que ser
Padre, ou Psicopompo, é proteger, mais do que tudo e que todos, os
cordeiros da Palavra contra os lobos da ignorância. Dessarte,
Jâmblico, em «Mistérios do Egipto», nos ensinou, nesta safra, que o
génio de Mercúrio é comum, ou comunitário, a todos os Sacerdotes,
veramente sábios. Daí nasce, assim o cremos, a comunicação. A
autêntica existência seguindo o Heidegger. Segundo Fílon, o Judeu, o
Logos é medianeiro, ou mediador, entre Deus e os homens; pela
Palavra é dada, pois, ao homem, a possibilidade redentora de
cooperar, com Deus, no projecto Criacionista.
Por limitações, na lida, de espaço,
terminaremos ora. O livre-pensador, que estas laudas assina, nanja e
nunca o teria feito, como o fez, se na Lira deste Poeta não se
encontrassem, bem vincadas, duas normas, portanto, emblemáticas e
áticas: a aceitação, quer da Liberdade, quer, assim o cremos, do
espírito de crítica. O seu diálogo e fecunda convivência com João
França, que era acrata e ateu, mas, acima de tudo, com Octávio de
Marialva, hermético e oculto à guisa dos Magos, assim o deixam, aos
olhos da posteridade, como um almo e um homem que nada odeia, nada
persegue, mas tudo nos doa, tudo perdoa, tudo compreende pois
entende alfim a Cristo. Por caminhos e por linhas complementares, e
subliminares, se cumpriu o Marialva no hermetismo e no segredo, e o
nosso Padre Alfredo, na hermenêutica e sagrado; a um coube, enfim, o
Ocultismo, o outro missionou, na messe, o Misticismo. Como a tese e
a antítese de um sinfónico labor, já deve inferir, o nosso leitor,
que aqui se trata, respectivamente, dos lados intelectual e cordial
do conhecimento, da via varonil como oposta à Mariana.
Oh abstrusa, densa, inexplicável
Metafísica!, redargue o legente. Mas é preciso, pra ser génio,
digerir a diegese; o Mago rouba, com uma letra, o que revela com a
outra – e o zelar é qual velar, e o revelar, a Verdade, é parente e
é presente no desvelamento. Mas ora sus, bonda. Ora de mais dissemos
nós, e siderais e liliais, que nós entremos, com Padre Alfredo, no
Santo dos Santos (3). No fim da noite, virá o Sol; que Ele
ilumine, alfim, o obscuro, a cerração, e que Ele dirima, com pão,
esta nossa escuridade. Professemos, no são, por o Paracleto e o
dilecto; no coração do arco-íris, aguardemos, na frol, pela
maia-madrugada. Que raramente, numa vela, se escrevem cousas boas.
«Mas ainda mais raramente», diria João Belo, «se escrevem coisas
novas.»
NOTAS
(1) Se a Festa do Pentecostes, ou Festa das
Semanas, é celebrada 50 dias depois da Páscoa, ou dos Ázimos a
Festa, assim comemora, a Igreja Católica, a ceifa do trigo e a
Aliança do Sinai entre Deus e o Seu povo. Dessarte e adrede, o
carácter universalista da Religião cristã é figurado, nos «Actos dos
Apóstolos», por a glossolalia ou espiritualismo da cerimónia
pentecostal: é que ligam, as línguas de Fogo, o parcial ao
ecuménico, indepedentemente das normas, usuais, do nosso conhecer,
como sejam o espaço, o tempo e o princípio, curial, da causalidade.
Mas que fique, aqui, inscrito e descrito: as Igrejas Protestantes, a
partir de Lutero, se explanam e explicam por diferentes traduções da
Bíblia Sagrada, ou como quem aduz, deveras e na verve: pra cultos
diferentes, diferentes culturas – mas o Cristo é unidade e
universalidade. E é preciso o afirmar, e o firmar outrossim: na
descida do Espírito Santo sobre os Discípulos, o Domingo de
Pentecostes, nos «Actos dos Apóstolos», marca o início, ou indício,
da Igreja Católica. E crucial e Cristiana, e Apostólica e Romana.
(2) E pensava num Arquétipo, e pensava num
protótipo, o nosso Padre-Mestre: se a Literatura, em sua forma
primitiva, é expressão da bacanal, em sua forma alteada, ou
sublimada, que é a de Avicena, Claudel, e Pascal ou Plotino, é uma
expressão, ao invés, do sagrado e do segredo, ou melhor, do
sobrenatural. Quer num caso, quer no outro, e alargando, lautamente,
as portas da percepção, se inspira, o rapsodo, em tópicos e tropos
do seu inconsciente: e tal Obra é o sonho, é o «rêve éveillé», será,
de acordo com Pessoa, a voz da nossa terra ansiando pelo mar. Mas,
como quer que seja, o sonho é, deveras, o discurso do Outro, e se
alimenta, na «alêtheia», ou no letreiro, da alegria fantástica das
alegorias.
(3) Referimo-nos, Templário, referimo-nos à
festa, referimo-nos, aqui, ao Santuário de Fátima, bem perto o
centenário das Aparições. Cantemos, rezemos, louvemos, com Maria, o
Verbo Encarnado. Numa caminha de palhas, ou melhor, no caminho, e
altar, da universalidade.