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Mértola chorou a sua perda, apesar de tudo. Ele e o
seu burro ficaram na memória de quantos o conheceram de perto. Foi,
desde os bons tempos, um notável gravador – na minha opinião, mais do
que poeta ou escritor, com que quis embrulhar-se nos últimos tempos da
sua vida, quando a mão lhe começou a falhar, o que foi uma muito
lamentável situação.
Recordo-me do Mário Elias desde 1963-1964, morava
ele então ali para os lados do Hospital de Santa Maria, em Lisboa, numa
barraca onde habitavam também a mulher, um gato e um corvo, o inevitável
José Mendes, além de Hugo Beja e eu próprio quando ali embicávamos. Tudo
junto e apertado. Era nos tempos em que o Elias andava, sob a égide do
Cláudio Juarez (um grande gravador chileno que esteve entre nós) na
cooperativa “Gravura”.
Foi por então que começou a saga do
Desintegracionismo, cuja antologia ele ilustrou e foi um dos poucos que
lhe conheceram a tão abastarda história por aqueles que pouco ou nada
tiveram a ver com ela a não ser a oportunidade e a incompreensão. Eu
conto: o desintegracionismo nasceu de um poema meu (“Xblung”) e com o
arrojo do Hugo Beja. Fomos nós os primeiros “desintegracionistas” que se
juntaram depois a Armando Ventura Ferreira (le
renard argenté, assim o tratava), que acabara de publicar
“Astronave”. E foi em volta deste núcleo que se reuniram, à mesa da
leitaria Passo, no Rossio, os demais integracionistas, entre eles o
malogrado Júlio-António Salgueiro que, quanto a mim, foi o melhor poeta
de todos nós. O mais que sobre isto se conta é pura invencionice. Basta
dizer que o Movimento encontrou a séria oposição dos neo-realistas que
nos acusavam de “querer fugir do país real” – uma acusação estúpida de
quem de nós desdenhava e mal conhecia a nossa história individual.
Bem – tal significa afastar-nos do Mário Elias e eu
não quero. O que importa é que lhe perdi o rasto por largos anos, muitos
mais do que vivi nas masmorras do fascismo – para quem queria “fugir do
país real”, nada mau. E quantos neo-realistas podem disso se
“vangloriar”? O Mário vim a reencontrar em Mértola, onde ele tinha o
apoio e o “exílio” da Câmara Municipal. Estive então com ele por várias
vezes, para lhe dar um abraço, beber uns copos e expressar-lhe a
amizade, graças ao meu amigo Miguel Rego, hoje assessor da Câmara de
Castro Verde.
E também com o Elias estive durante uma noite em
Portalegre: encontrei-o por lá, em plena Rua Direita, quando fui visitar
um velho amigo, o grande poeta que é o Nicolau Saião.
Guardo do Mário uma saudosa memória. Foi enorme,
ainda que – por razões diversas – o queiram minimizar. O humor negro que
cultivava, o seu acrisolado amor pela obra de Edgar Poe são um fundo que
ficará na minha cultura enquanto essa puder existir. Os seus amigos, o
Hugo Beja e eu, não o esquecem jamais.
Nuno Rebocho
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