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É de uma incômoda lucidez o
olhar intelectual que Mario Vargas Llosa lança à cultura contemporânea
em seu livro La Civilización del Espetáculo (2012), com tradução para o português
brasileiro (A Civilização do
Espetáculo), lançada recentemente no Brasil (2013) e que utilizo
aqui para citações. Em Portugal, o lançamento se deu em 2012.
Sua erudição, conduzida pela
pena da escrita elegante e habilidosa que lhe valeu o Nobel de
Literatura em 2010, não sobrecarrega os ensaios com definições
academicistas. Antes, Llosa se vale de seu talento para nos conduzir por
espaços multitemáticos de reflexão sobre até que ponto a cultura
contemporânea se vê tragada pelo consumismo e pela efemeridade de
valores. De saída, aponta o conceito de cultura como totalmente
modificado e esvaziado do sentido que tinha em sua geração.
Aponta também a cultura, dentre
várias definições que não se mostram nem um pouco fechadas, como algo
anterior ao conhecimento e que lhe dá sentido e orientação, deixando-se
conduzir até a afirmações bastante contundentes como aquelas que utiliza
ao citar En el castillo de Barba
Azul. Aproximación a um nuevo concepto de cultura, de George
Steiner:
“A
pós-modernidade destruiu o mito de que as humanidades humanizam. Não é
indubitável aquilo em que acreditaram tantos educadores e filósofos
otimistas, ou seja, que uma educação liberal, ao alcance de todos,
garantiria um futuro de progresso, paz, liberdade e igualdade de
oportunidades, nas democracias modernas: ‘...bibliotecas, museus,
teatros, universidades, centros de investigação por meio dos quais se
transmitem as humanidades e as ciências podem prosperar nas proximidades
dos campos de concentração’ (STEINER, p. 104). Em um indivíduo, assim
como na sociedade, chegam às vezes a coexistir alta cultura,
sensibilidade, inteligência e fanatismo de torturador e assassino.
Heidegger foi nazista, ‘e seu gênio não se deteve enquanto o regime
nazista exterminava milhões de judeus nos campos de concentração’
(STEINER, p. 105)” (LLOSA, pp. 17-8).
Sua opinião sobre os inúmeros
ensaios e notícias que abordam o conceito de cultura nos meios
intelectuais, em períodos mais recentes, é a de que a grande maioria dos
intelectuais concorda com o fato de que a cultura entrou em decadência e
está passando por uma crise profunda. Não se sabe mais, de fato, o que é
cultura. A única certeza que parece pairar é sua definição fugidia,
multifacetada, imprecisa, deslizante, “líquida” conforme a define
Zygmunt Bauman, outro importante pensador contemporâneo.
Nesse contexto permeado por imprecisões, a arte e a literatura
surgem, para Llosa, como universos contemporâneos engolidos pela
efemeridade dos valores. O
que antes era considerado alta cultura atualmente se mistura ao
entretenimento, sem fronteiras muito precisas e que flertam com a
banalidade. Em tal contexto, o tempo-memória também surge como elemento
definidor:
“A
diferença essencial entre a cultura do passado e o entretenimento de
hoje é que os produtos daquela pretendiam transcender o tempo presente,
durar, continuar vivos nas gerações futuras, ao passo que os produtos
deste são fabricados para serem consumidos no momento e desaparecer, tal
como biscoitos ou pipoca. Tolstoi, Thomas Mann e ainda Joyce e Faulkner
escreviam livros que pretendiam derrotar a morte, sobreviver a seus
autores, continuar atraindo e fascinando leitores nos tempos futuros. As
telenovelas brasileiras e os filmes de Hollywood, assim como os shows de
Shakira, não pretendem durar mais que o tempo da apresentação,
desaparecendo para dar espaço a outros produtos igualmente bem-sucedidos
e efêmeros. Cultura é diversão, o que não é divertido não é cultura” (p.
27).
Para Llosa, a literatura, o cinema e a arte “light” propagados
mercadologicamente na atualidade enganam lamentavelmente o
leitor/espectador, dando-lhe a impressão de que ele é culto e está
atualizado com o que há de mais novo e moderno na cultura, e, “melhor”,
com um mínimo de esforço intelectual. Assim, essa cultura contemporânea
que se considera “avançada e transgressora”, no fundo apenas realça a
lamentável propagação do conformismo por meio da complacência e da
autossatisfação. Conforme nos lembra Deleuze, e nisso em total
consonância com Llosa, grande arte é aquela que força o pensar. Grande
arte não é entretenimento. É proposta de renovação (diferença) no ser,
pela condução ao pensar a partir de um meio esteticamente provocador. Um
meio (plano de composição) produtor de
afectos e
perceptos.
Cada um dos ensaios apresentados por Llosa, vários deles
publicados pelo jornal El País,
de Madri, nos provocam incômodas reflexões sobre até que ponto a
massificação de informações trazida pela contemporaneidade é produtora,
de fato, de uma cultura promotora de saberes menos valorizadores do
refinamento do espírito. Na companhia dessa excelente leitura de Llosa,
fica a proposta de reflexão.
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