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A chegada das irmãs (ditas) flamengas a Portugal coincide
exactamente com
o período de governo pessoal (3)
de Filipe II (4) (o primeiro a reinar com este nome em Portugal (5)), o
que significa, entre 1581 e 1583. Vinham estas freiras fugidas da guerra
que então se travava nos Países Baixos (6) e seriam originárias de um
convento da sua Ordem em Alkmaar — terra que sofreu particularmente os
rigores dos confrontos, obrigando-as a fugir. A Ordem de
Santa Clara (7) foi fundada no Convento de São Damião, em 1212, sob a
orientação de Santa Clara e de S. Francisco — teve sempre o apoio dos
Frades Menores —, depressa se estendeu por toda a Europa e constitui
hoje, com cerca de 1500 mosteiros em todos os continentes, a ordem de
clausura mais numerosa em toda a Igreja.
As irmãs clarissas
chegaram a Portugal pouco depois da morte de Santa Clara, em 1254. O
primeiro mosteiro (8)
de Santa Maria e de Santa Clara surgiu em Lamego em 1258, cinco anos
após a morte de Santa Clara. «Começou o mosteiro por algumas mulheres
devotas e exemplares, as quais aspirando a mais perfeito estado se
uniram entre si e propuseram viver na Ordem de Santa Clara» (Fr. Manuel
da Esperança). No ano seguinte, a comunidade foi transferida para
Santarém, residência habitual da corte, onde o rei D. Afonso III
construiu um mosteiro de raiz. É que, além de a casa de Lamego não ter
condições para vida conventual, havia dificuldades na assistência
espiritual. Ali, não havia franciscanos. Com o tempo, o mosteiro de
Santarém veio a tornar-se um dos mais sumptuosos e magnificentes de
Portugal com capacidade para oitenta religiosas. Nele professaram
senhoras nobres e de sangue real a começar por D.ª Leonor Afonso, filha
do rei fundador. Seguia a Regra do cardeal Hugolino de 1219.
A primeira comunidade instalou-se, assim, em
Lamego, passando em 1259 para Santarém. Quando foi aprovado o decreto a
extinguir a vida religiosa em Portugal, em 1834, havia cerca de cem
mosteiros de irmãs clarissas no território português continental. Com a
morte da última religiosa todos os mosteiros passavam para a fazenda
pública. Assim nos fins do século XIX foram encerrando todos os
mosteiros.
Filipe
II, filho do Imperador Carlos V e de Isabel de Portugal, governou um
vasto território integrado por Aragão, Castela, Catalunha, Ilhas
Canárias, Maiorca, Navarra, Galiza e Valência, Rossilhão,
Franco-Condado, Países Baixos, Sardenha, Córsega, Sicília, Milão,
Nápoles, além de territórios ultramarinos em África (Orão, Túnis, e
outros), na América e na Ásia (Filipinas) — e encarnava o símbolo maior
do catolicismo em luta contra o protestantismo que então emergia. O
protestantismo era então uma realidade muito recente e cuja denominação
define o conjunto de igrejas cristãs e doutrinas que se identificam com
as teologias que visam a tentativa de reforma da Igreja Católica
Apostólica Romana, desenvolvidas no século XVI na Europa Ocidental.
Essas teologias partem de um importante grupo de teólogos e clérigos,
como o monge agostinho Martinho Lutero, de quem as igrejas luteranas
tomam o nome.
A maior
parte dos cristãos europeus, em especial os da Europa meridional, não
concordavam com as tentativas de reforma. O resultado vai ser a
separação entre as emergentes igrejas reformadas e uma reformulação na
Igreja Católica — a Contra-Reforma —, que reafirmou, no Concílio de
Trento, aquelas doutrinas recusadas pelo protestantismo.
A
História tornara Filpe um homem poderoso: é nomeado regente da Espanha,
numa conferência solene realizada em Bruxelas, em 22 de Outubro de 1555,
onde Carlos V, seu pai, lhe cede os Países Baixos, as coroas de Castela,
Aragão e Sicília (esta mais tarde, em 16 de Janeiro de 1556), e o
condado da Borgonha (em 10 de Junho do mesmo ano). Filipe era neto dos
reis católicos Isabel e Fernando, e dedicou-se a interromper o progresso
do protestantismo, nascido da Reforma e em sequência dos protestos de
1529, quando Lutero e os seus seguidores — um vasto conjunto de igrejas
nascidas dessa cisão — se opuseram às posições assumidas pelos católicos
alemães na II Dieta de Spira (realizada na cidade de Speyer, Alemanha).
A expressão
«protestantes» teve origem na
Declaração de Fé que alguns membros da Dieta de Spira, a segunda
(1529), fizeram e que começava pela frase: «Nós protestamos e declaramos
abertamente diante de Deus e de todos os homens […].»
Entretanto, por morte do Cardeal-Rei D. Henrique de Portugal, a coroa
portuguesa viu-se na encruzilhada de sete pretendentes, sendo que cinco
baseavam as suas pretensões em fundamentos aceitáveis: Filipe II, filho
de Margarida de Portugal, primogénita do rei Manuel I, com o seu marido
Carlos V; o Duque de Sabóia, filho da infanta D. Beatriz, filha do mesmo
rei D. Manuel I e de seu esposo o duque de Sabóia; Dom António, prior do
Crato, filho do infante D. Luís, sendo Luís filho do mesmo rei D. Manuel
(que irá ter o apoio do rei de França, Henrique IV, o rei que se
converteu duas vezes ao catolicismo); o Duque de Parma, neto por parte
da mãe do infante D. Duarte, filho do mesmo rei D. Manuel; D. Catarina,
Duquesa de Bragança, filha legítima do mesmo infante D. Duarte.
Os que
menos direito mostravam nesta pretensão eram Catarina de Médicis, rainha
de França, descendente de D. Afonso III e de sua primeira esposa, a
condessa Matilde de Bolonha; e o Papa — herdeiro natural dos cardeais,
que entendia, portanto, dever usufruir do reino que um cardeal
governava.
Filipe
II acabou por ser rei de Portugal, pela armas e pela política — e
ascendeu à coroa em 1580. De 1580 a 1640, foi Portugal governado pelos
reis de Espanha, dentro do princípio da Monarquia dualista, que
reconhecia a existência de duas coroas nas mãos do mesmo soberano (9).
As
freiras flamengas, em breve conhecidas também como as irmãs do Convento
de Nossa Senhora da Quietação, vieram da Flandres (Países Baixos), na
época sob domínio Espanhol, pouco depois de Filipe II ocupar o trono de
Portugal como Filipe I. Aliás, a escolha do local onde as freiras
viveram — perto do Vale de Alcântara, junto à praia de Alcântara e do
Palácio Real de Filipe — parece ter sido decisão do próprio monarca. A
designação popular do nome
Flamengas — em forma primitiva
Framengas — refere-se ao idioma comum a todas elas, a língua que
usavam na Flandres de onde eram originárias.
De notar
que, em 1447, por morte de Carlos
O Temerário, os Países Baixos, e com eles a Flandres, passaram para
os Habsburgo, dinastia germânica europeia, que parece originária da
Alsácia — sendo o seu membro mais antigo Gontrão
O Rico —, uma dinastia que
reinou na Áustria de 1279 a 1918. Estes Habsburgos levantaram-se, no
século XVI, contra a soberania espanhola. Alexandre Farnésio conquistou
para a coroa espanhola as regiões católicas e tradicionalistas do Sul da
Flandres, opondo-se aos protestantes agrupados na União de Utreque
(1579). Alexandre Farnésio, que se notabilizou no governo dos Países
Baixos, foi casado com Maria de Portugal, filha do rei português D.
Manuel I. Nestes acontecimentos estaria a origem das Províncias Unidas,
que viriam a tornar-se independentes — e das quais se separaria a
Bélgica em 1839 (actualmente a Flandres de Oeste é uma província belga).
Guilherme I de Orange-Nassau (24 de Abril
1533-10 de Julho 1584), também conhecido como Guilherme
O Taciturno foi o grande
impulsionador do movimento de independência dos Países Baixos. Após um
período como stadthouder
(regente) das províncias da Holanda, Zelândia, Utreque e Borgonha, ao
serviço da casa de Habsburgo, deu início à revolta que marcou o
princípio da Guerra dos Oitenta Anos, sendo declarado como fora-da-lei por Filipe
II de Espanha, em 1567. Guilherme não assistiu ao sucesso da sua causa,
que chegou apenas em 1648 com o fim do poderio espanhol na região, e
morreu assassinado por Balthazar Gerardts em Delft, em 1584.
(«Tudo mudou quando Filipe II assumiu a coroa de
Potugal. A Inglaterra considerou, nessa altura, que era urgente opor-se
a um soberano que reinava sobre um império imenso e que parecia disposto
a aumentá-lo ainda mais, a avaliar pelas suas ingerências crescentes nos
assuntos internos da França. A tomada de Antuérpia por Alessandro
Farnese (1585) foi considerada pela Inglaterra como um
causus belli
(10).»
A Guerra
dos 80 Anos ou Revolta Holandesa de 1568 a 1648, foi a guerra de
secessão na qual o território englobando aquilo que é hoje os Países
Baixos se tornou um país independente frente à Espanha.).
Estas
irmãs Flamengas são, pois, clarissas — ordem que já merecia a devoção de
Isabel de Aragão no século XIII; o
IV Concílio de Latrão, em 1215, determinou que, de futuro, quem
quisesse seguir a vida religiosa devia escolher uma das regras já
existentes, assim, Isabel fez-se
terciária franciscana, após ter deposto a coroa real no santuário de São
Tiago de Compostela e haver doado os seus bens.
Isto
significa que as Flamengas eram Franciscanas, ou, explicando melhor: a
Ordem dos Frades Menores (Ordo
Fratrum Minorum, O. F. M.), também conhecida por Ordem dos
Franciscanos ou Ordem Franciscana, é a ordem religiosa fundada por
Francisco de Assis — e a sua regra esteve na base da Segunda Ordem
Franciscana — a Ordem das Clarissas, fundada por Clara de Assis, pelo
que sendo clarissas tinham a Ordem Franciscana como sua origem.
Estas
Flamengas seriam pouco mais de três dezenas. Não há relatos precisos e
inequívocos deste primitivo grupo e do que sabemos ressalta um relato
«por ouvir dizer», firmado num livro de 1627, por vontade da Condessa de
Calheta, benfeitora do Convento de Nossa Senhora da Quietação, ou
Convento das Flamengas em Alcântara, a partir de 1583. Este relato é
dedicado à Infanta Margarida da Cruz e é de importância muitas vezes
relevada pelos historiadores holandeses e belgas. Nele conta-se a
história destas freiras pela voz de Soror Catarina do Espírito Santo,
que não pertencia ao grupo inicial das freiras Flamengas, mas que a elas
se juntou mais tarde. Seria Catarina do Espírito Santo
filha de D. Luís Carrilho, um castelhano governador de Hoogstraten,
cidade do antigo ducado germânico de Brabante, em cujo convento
franciscano vivia.
Da história inicial das Flamengas retém-se o
cenário da guerra, a fuga atribulada depois do cerco ao seu convento, a
saída de Alkmaar para o Haarlem, a protecção dos símbolos santos
transportados na fuga — as partículas do Santíssimo Sacramento, o «Corpo
de Deus» «escondido numa carroça» — a ajuda de alguns católicos, o
acolhimento pelas freiras carmelitas descalças de Haarlem, a revolta e
as manifestações da população que pretendia tomar de assalto o convento
onde se refugiaram, já que o povo temia represálias. De Haarlem terão
fugido para Amesterdão, para um período de vida mais calmo que acaba ao
fim de alguns anos. O grupo de freiras divide-se entre Antuérpia,
Malines e Hoogstraten, terras sempre ameaçadas pela guerra e que vão ser
cenário de violentas batalhas, cercos e de todo o tipo de excessos.
A 23 de Janeiro de 1580, foi dado um passo
importante para a independência dos Países Baixos com a assinatura da
União de Utreque, um tratado rectificado pelas províncias do Norte e
pela maioria das cidades de Brabant e Flandres, que consolidou a causa
comum.
De início, Alexandre Farnese, Duque de Parma, o
novo regente espanhol, conseguiu conquistar diversas cidades nas
províncias do Sul, mas foi então que acontecimentos na Península Ibérica
conspiraram a favor dos rebeldes. O Cardeal-Rei Henrique I de Portugal
(11) morreu sem descendentes directos, em Maio de 1580, abrindo o
caminho para a união pessoal dos reinos ibéricos na pessoa de Filipe II
de Espanha. Para argumentar melhor a sua posição, Filipe II chamou o
Duque de Parma e o seu exército para a Península Ibérica, o que culminou
com a sua coroação como Filipe I de Portugal. O preço a pagar por este
novo domínio foi o enfraquecimento da sua posição nos Países Baixos.
Guilherme aproveitou a ausência temporária de um exército espanhol na
região para consolidar a sua causa e procurar apoio no estrangeiro. O
mesmo Guilherme procurou auxílio em França e iniciou negociações com
Francisco, Duque de Anjou, irmão do rei Henrique III, que pretendia ver
como soberano dos Países Baixos.
Segundo conta
Catarina do Espírito Santo, no
dia 3 de Julho de 1581, deu-se a separação [das freiras] tendo vários
grupos seguido para a Europa Central que permanecia católica. Só um
pequeno grupo das freiras, as do Convento de Alkmaar, decidiram seguir
para a Península Ibérica, reclamando o seu estatuto de vassalas de
Filipe II. Passaram por Santander e Bilbao antes de chegar a Lisboa (5
de Fevereiro de 1582), com paragem anterior na Arrábida. Eram
acompanhadas desde Alkmaar por um inglês, seu padre confessor.
A 1 de Março de 1582, o padre confessor e as
freiras que o acompanhavam chegaram ao mosteiro de S. Francisco de
Xabregas, cabeça da província franciscana dos Algarves, o Provincial
mandou que as freiras seguissem para o convento feminino da Madre Deus e
proporcionou um encontro do padre confessor com Filipe II. Foi preparado
então o sítio de Nossa Senhora da Glória para recebê-las; foram
incorporadas na Província dos Algarves da Ordem de S. Francisco.
Elegeram a sua primeira abadessa e mantiveram-se sobre a regra original
de S. Francisco e Santa Clara. A 11 de Dezembro desse mesmo ano, as
freiras flamengas foram chamadas à presença da família real. O Rei
prometeu cuidar delas e tudo fazer para evitar que passassem as
necessidades do passado, mantendo a sua política de favorecimento das
ordens religiosas. Foram para o Convento da Anunciada de onde saíram
numa procissão para o novo local com a participação dos músicos da
Capela Real, acompanhadas por representantes da família Real e pelo
Arquiduque Alberto, tendo sido benzidas pelo Bispo de Lisboa, D. Jorge
de Ataíde [Espírito Santo, 1627, fl. 23 a 25.].
As Flamengas estiveram quatro anos no sítio de
Nossa Senhora da Glória, mas abandonaram-no «por ser doentio».
Decidiu-se a construção de um novo convento em Alcântara.
Alcântara era um local de grandes memórias para
Filipe II, já que ali se travara, a
4 de Agosto de 1580, a
batalha entre o general Duque de
Alba e o Prior do Crato, com a vitória dos espanhóis.
O
glorioso vale de Alcântara era frondoso e vistoso, com as ribeiras de
Alcântara e do Alvito, a densa vegetação, a proximidade da praia e do
rio. As terras que constituem actualmente Alcântara, eram atribuídas,
desde o século XII, como recompensa, pelos reis aos nobres ou então a
ordens religiosas ou militares. Ali ergueu casa um rico genovês — cuja
lenda ainda hoje perdura no local: havia construído grande habitação
pouco antes de perder a sua fortuna ao subsidiar D. Sebastião e a
campanha militar de Alcácer Quibir. Antes, no século XV, as pedreiras em
Alcântara, de onde se extraía pedra para cal e pedra de lioz,
contribuíram muito para o desenvolvimento económico do local; também os
pomares e vinhas junto à ribeira, e fornos de cal em Cata-que-farás
dinamizaram a zona. Em 1520 foi construído um hospital na horta de D.
Jerónimo de Eça (Horta Navia) para combater a peste que assolava a
cidade. A peste não impediu que se fossem instalando quintas nobres ao
longo do Tejo; Alcântara situava-se então junto aos limites da já
formada Freguesia da Ajuda. A Ermida de Santo Amaro foi iniciada em 1549
e ficou a servir de sacristia, tendo levado muitos peregrinos ao local.
Ali será erguido, além do Convento da Nossa Senhora da Quietação das
Flamengas (1586), o Convento do Monte Calvário, em frente ao
primeiro, fundado por D. Violante de Noronha — filha de D. Francisco de
Noronha com Maria de Azevedo e mulher de Pedro da Costa, armeiro-mor, em
1617 — e que hoje é a Escola Superior de Polícia;
e o Palácio Real de Alcântara, destruído pelo Terramoto de 1755.
D. Filipe II nomeara D. Teodósio de Frias como arquitecto real deste
Palácio, em 1603. O Palácio Real de Alcântara encontrava-se situado no
lado direito da rua que sai do Arco para St.º Amaro, que em 1765 se
denominava Rua de S. Joaquim, correspondendo à actual Rua 1.º de Maio,
seguindo-se à então Rua Direita do Ferrador, actual Rua Direita de
Alcântara. Tudo isto já sem falar da Tapada, que reparte a sua génese
entre Filipe II e vindouros pós-Restauração.
Enquanto as novas instalações do Convento de Nossa Senhora da Quietação
se preparavam, mudaram-se as freiras flamengas para o Convento das
Carmelitas Descalças de Santo Alberto, a Carnide, tendo ocupado
definitivamente o actual convento a 8 de Dezembro de 1586. A invocação
escolhida foi a de Nossa Senhora da Quietação, orago evocativo da calma
e da paz que procuravam para que nunca mais sofressem as inquietações do
passado [BNL, Cod. 7784, fls. 3 a 7].
Uma das primeiras obras que se deteve na
análise do imóvel foi o manuscrito de Luís Gonzaga Pereira (1840), autor
ainda muito ligado ao Antigo Regime que atacou a Lei de Extinção das
Ordens Religiosas, que assim se lhe refere: «a
planta, alçado e corte desta igreja é feita ao rigor da Ordem, tendo por
magestoso a ração, primeiro objecto em que deve pôr a mira o bom
católico», concluindo: «finalmente, podemos afirmar não ser dos piores templos da Corte.»
[Pereira, 1929, p. 335].
Ao falar da arquitectura,
não podemos esquecer o papel da família Frias — o decano Nicolau, que
foi o «patriarca de uma longa dinastia de arquitectos que chegaria à
Restauração» e em especial Teodósio, seu filho, que teve direito a
sepultura no Convento das Flamengas.
Segundo
João Miguel Simões (cf. Bibliografia), a «disposição das sepulturas era
a seguinte: a partir do arco triunfal a primeira era a de Simão Granaet,
falecido a 12 de Abril de 1682, e de sua mulher e herdeiros. A segunda
era a de Manuel da Silva Louzado, falecido a 17 de Fevereiro de 1683, de
sua mulher, Isabel da Silva, e de seus herdeiros.
A terceira era a de Teodósio de Frias, falecido a 11 de Novembro
de 1634 e de sua mulher Lianor Pereira, que morreu a 18 de Dezembro de
1627. A quarta sepultura pertencia a Pedro Fernandes, pai de três
religiosas “flamengas” e que morreu a 2 de Dezembro de 1627. A quinta
sepultura era a mais antiga e estavam nela enterrados Jerónimo Anriques,
falecido a 2 de Novembro de 1592 e sua esposa Grácia da Veiga que morreu
a 29 de Junho de 1588. A sexta é de João Antunes e Domingas Roiz. Duarte
Smith e Joana Galoa estavam na oitava. Por debaixo da pia baptismal
ficava a de Álvaro de Castro e Bárbara de Tápia que possuíam uma
sepultura brasonada, tendo esta benfeitora dourado o altar-mor em 1604.»
O
Convento das Flamengas guarda hoje valiosos contributos do chamado
«Barroco Nacional». A «Sala do Rosário», valiosa «obra de arte total»
intacta, e a capela do velho flamengo João Van Vessem (ou Van-vassem ou
Vanvassem), com pinturas de primeira água do pintor Bento Coelho da
Silveira. Os painéis de azulejos da igreja constituem um valioso
contributo do século XVIII. O claustro permanece intacto, mas já não
existe a imagem de Nossa Senhora das Mercês que as freiras consideravam
a responsável pela vitória dos portugueses nas Linhas de Elvas [Santa
Maria, t. III, 1707, p. 400].
A igreja
foi quase complemente remodelada no primeiro quartel do século XVII,
assumindo a traça actual, fortemente inspirada num modelo vernáculo de
grande simplicidade, não alheio ao contexto empobrecido do Portugal do
século XVII.
D. Pedro
II escolheu como sua residência o vizinho palácio de Alcântara e
tornou-se Juiz perpétuo da Irmandade de Nossa Senhora da
Quietação em 1694. Quando morreu deixou sepultado o seu coração na
capela-mor da igreja das Flamengas estando ainda hoje o local assinalado
por uma lápide.
Após a
extinção das ordens religiosas, no século XIX, o convento e a capela
passaram para a alçada da Real Irmandade de Nossa Senhora da Quietação,
vocacionada para apoio às famílias de oficiais falecidos no Ultramar.
Como já
se disse, quando saiu o decreto a extinguir a vida religiosa em
Portugal, em 1834, havia cerca de 100 mosteiros de irmãs clarissas em
Portugal. Com a morte da última religiosa todos os mosteiros passavam
para a fazenda pública. Assim nos fins do século XIX foram encerrando
todos os mosteiros.
A vida
claustral das clarissas começou a organizar-se a partir de 1928, com
algumas jovens que cresceram nos antigos mosteiros, conhecendo assim o
carisma de Santa Clara.
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FONTES/BIBLIOGRAFIA
FONTES
Arquivo
Histórico do Ministério das Finanças
Caixa 1963, Convento das Flamengas
Maço 2029, Doc. N.º 5 Convento de Nossa Senhora
da Quietação das Religiosas Flamengas de Alcântara, 1770.
Arquivo da
Câmara Municipal de Lisboa
Obra n.º 15401
Arquivo
Histórico da Irmandade de Nossa Senhora da Quietação
Compromisso da Real Irmandade de Nossa Senhora
da Quietação sito no Convento das Religiosas Flamengas em Alcântara,
Anno 1793.
BIBLIOGRAFIA
Dicionário
Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal, no prelo. A
primitiva redacção deste texto As
Flamengas (da Ordem das Clarissas), serviu em versão condensada uma
das entradas do mesmo.
FREIRE,
João,
Alcântara, apontamentos para uma monografia, Imprensa da
Universidade, Universidade de Coimbra, Coimbra, 1929.
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As Clarissas em Portugal —
Dimensões regionais de uma corrente de espiritualidade europeia (sécs.
XIII-XIV) in Discursos. Língua, Cultura e Sociedade, III
Série, n.º 1, Abril de 1999, pp. 109-127.
DIAS, João José
Alves, Ensaios de História Moderna, Editorial Presença, col. «Temas e
Documentos», Lisboa, 1988.
ESPERANÇA,
ofm, Manuel da,
História seráfica cronológica da Ordem de S. Francisco na Província de
Portugal, I e II, Lisboa, 1656 e 1666.
ESPÍRITO SANTO, Soror Catarina do, Relacion de
como se ha fundado en Alcântara de Portugal junto a Lisboa, el muy
devoto Monastério de Nossa Señora de la Quitacion, por la Catholica
Magestad del Rey Nosso Señor Don Phelipe II de gloriosa memoria para las
monjas peregrinas de Santa Clara de la primera Regla, venidas de la
Província de Alemania Baxa, despues de los hereges las aver perseguido,
y desterrado de tierrasen tierras por quatro vezes, Lisboa, Pedro
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Isabel de Aragão a Rainha dos Templários, Guerra&Paz, 2009 (no
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nos séculos XVII e XVIII e o seu autor, introdução à edição
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SIMÕES, João Miguel,
O Convento das Flamengas ao
Calvário, monografia histórico-artística, policopiado apresentado à
Cadeira de Seminário do Curso de História, variante em História de Arte,
da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Junho de 1998.
NOTAS
(1) Este
artigo é uma refundição da entrada que assinei no
Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins em Portugal.
. Lisboa, Gradiva, 2010.
As Flamengas, originárias da Flandres,
deram nome à Igreja e Convento das Flamengas (também conhecido
como Convento de Nossa Senhora da Quietação) que ainda hoje se
encontra na freguesia portuguesa de Alcântara, no concelho de
Lisboa, mais precisamente na Rua 1.º de Maio. Esta obra foi
inicialmente fundada por Filipe II de Espanha com o intuito de
receber monjas provenientes da Flandres, que nessa altura eram
alvo de perseguições dos calvinistas.
Ao
utilizarmos o termo Flandres não confundimos com Condado da
Flandres, integrado no Ducado de Borgonha, em 1405. A Flandres é
a parte Norte da Bélgica actual, onde se fala o neerlandês,
de Nederlandse taal,
ou popularmente, o holandês. Chama-se flamengos aos utentes
desta língua.
(2) Em 1212,
a jovem Clara de Assis seguiu o atraente exemplo de Francisco e
viveu, dentro da clausura e na contemplação, o ideal de pobreza
evangélica. Surgiu, assim, a Ordem das Clarissas, ou a Segunda
Ordem Franciscana. A Ordem de Santa Clara entrou cedo em
Portugal, onde já na segunda metade do século XIII existiam
quatro mosteiros.
Os
Franciscanos constituem uma ordem religiosa que, pela sua
vocação e prática pastoral, se enquadra na forma de vida
mendicante. Esta assenta na vivência da pobreza evangélica, não
apenas a nível individual, mas como expressão comunitária.
Assim, os irmãos (fratres)
não possuem nada próprio, vivendo apenas da remuneração do seu
trabalho quotidiano. O ideal cumpria-se na imitação de Cristo e
no discipulado (sequela
Christi) que os torna «pobres entre os pobres», pregando o
evangelho para a salvação de todos, fiéis e infiéis, ajudando o
clero e em estreita obediência à Igreja de Roma. Esta «forma de
vida» acolhe também um ramo feminino, as Clarissas, que,
seguindo um regra própria (inspirada pela sua fundadora: Clara
de Assis), vivem, em mosteiros, uma vida de clausura e de
serviço.
(3) Foram
governadores durante o interregno, depois da morte do Cardeal D.
Henrique, a 31 de Janeiro de 1580: o arcebispo de Lisboa, D.
João de Mascarenhas, Francisco de Sá, D. João Tello de Meneses,
Diogo Lopes de Sousa.
(4) Filipe II
de Espanha, o primeiro a reinar em Portugal com esse nome,
nasceu em 1527 e morreu em 1598. Foi um dos monarcas do mundo
sobre o qual se produziram mais textos e comentários e cuja
personalidade não deixa ninguém indiferente. À sua volta nasceu
uma Lenda Negra — para usar a expressão consagrada, a partir de
1913 e da produção do texto de Julián Juderías,
A Lenda Negra e a Verdade Histórica — gerada ainda em sua vida pelos
seus adversários franceses, ingleses e holandeses, mas também
portugueses e de muitas zonas da América onde as suas
orientações políticas, económicas e ideológicas operaram
mudanças significativas. Um dos exemplos sempre presentes é o do
massacre de S. Bartolomeu, episódio sangrento na repressão dos
protestantes franceses em França e que o papa da época, Gregório
XIII, festejou com uma missa
Te Deum e uma medalha
comemorativa; hoje parece provado que Filipe II nem sequer
estava informado sobre o facto.
(5) Para
elucidação deste período, Cf. ÁLVAREZ, Fernando Bouza,
Portugal no Tempo dos
Filipe, política, cultura, representações (1580-1668),
prefácio de António Manuel Hespanha, Edições Cosmos, Lisboa,
Julho 2000.
(6) Depois de
alguns anos de calma — que se seguiram à paz de Cateau-Cambrésis
—, emergem problemas graves a partir de 1567: descontentamento
crescente nos Países Baixos e a acção de movimentos minoritários
mas firmes na Península Ibérica, nomeadamente das minorias
mouras. Apesar da vitória diante dos berberiscos em Malta em
1565, a hostilidade com os turcos persistia. O irmão bastardo do
rei Filipe II, D. João de Áustria, comandando uma frota, obteve
uma grande vitória, embora não definitiva, na batalha naval de
Lepanto em 1571. No interior peninsular produziram-se
sublevações mouriscas nas montanhas Alpujarras do antigo reino
de Granada.
Enquanto isso, o herdeiro D. Carlos
mostra uma personalidade desequilibrada (o príncipe das
Astúrias, princípe herdeiro, Carlos Lourenço de Habsburgo, terá
enlouquecido, facto a que não será alheia
a consanguinidade que o gerara, e acabou por matar-se — ou por
ser morto —, em 1568, poucos dias depois de ter completado 23
anos, na cela onde fora preso pelo seu pai, depois de ter
tentado matar a madrasta, Isabel de Valois, por quem, dizem, o
infante estava apaixonado).
Para tentar
uma resolução política dos conflitos no centro da Europa, Filipe
II encarrrega o Duque de Alba de restabelecer a ordem na
Flandres, dando início a uma guerra que durará 80 anos.
Nota: Cateau-Cambrésis foi talvez o
Tratado de maior importância do século XVI, pela duração dos
seus acordos, que estariam vigentes por quase um século,
imprimindo uma nova dimensão à política internacional. Foi
assinado pela Espanha (Filipe II), pela França (Henrique II de
França) e pela Inglaterra (Isabel I) e deu início a uma
preponderância espanhola no Mundo. As conversações começaram na
abadia de Cercamp, passando para o castelo de Cateau-Cambrésis,
que deve o seu nome a uma comuna francesa situada a cerca de 20
quilómetros de Cambrai). Foi na sequência deste tratado que
Filipe II contraiu matrimónio com Isabel de Valois, filha de
Henrique II de França, o que contribuiu para a hegemonia
espanhola.
Nota 2: Designava-se por Países Baixos
um conjunto de territórios mais ou menos autónomos: Flandres,
Hainaut, Brabante, Holanda, Zelândia, Gueldre, Artois.
(7)
Cf.
www.virtual-net.pt/FranciscanosVaratojo/osc.html.
(8) Cf. Dicionário Histórico das
Ordens e Instituições Afins em Portugal.
Lisboa, Gradiva, 2010.
(9) Vd.
SERRÃO, Joaquim Veríssimo,
O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668),
Colibri HISTÓRIA, Lisboa, 2.ª edição, Março, 2004.
(10) PÉREZ,
Joseph, Filipe II e o Seu
Império, Editorial Verbo, Lisboa, 2007.
(11) Cf.
MACEDO, Jorge Borges de, A História de Portugal nos séculos
XVII e XVIII e o seu autor, introdução à edição fac-similada
da obra de Rebelo da Silva, Lisboa, Imprensa Nacional, 1971
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