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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 44 | fevereiro-março | 2014
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ADELTO GONÇALVES
O pícaro de Eça de
Queiroz
em edição ilustrada |
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Adelto Gonçalves
(Brasil). Doutor
em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de
Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira
(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002),
Bocage – o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003) e
Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de
Letras, 2012). E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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I |
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Depois de publicar a edição ilustrada de
Clepsydra, de Camilo Pessanha
(Lisboa: Livros Horizonte, 2006) e uma antologia ilustrada de
Os Maias, de Eça de Queiroz
(Lisboa: Parceria Antônia Maria Pereira, 2009), além de outras
ilustrações queirozianas em revistas e na
Fotobiografia de Eça de Queiroz:
vida e obra (São Paulo, Leya, 2010), o arquiteto Rui Campos Matos
(1956) acaba de lançar A Relíquia:
Uma Antologia Ilustrada (Fortaleza; Fundação Waldemar Alcântara,
2013).
Repara-se, assim, uma injustiça que se fez em vida ao romancista Eça de
Queiroz (1845-1900), que, ao contrário de Flaubert (1821-1880), sempre
deixou claro de que gostava quando alguma de suas obras era ilustrada, o
que só se deu com o artigo “Três americanos”, que publicou no
Almanaque para 1873, os contos
“A perfeição”, “José Matias” e “Suave milagre”, que saíram na
Revista Moderna de Paris, em
1897 e, nessa mesma publicação, A
Ilustre Casa de Ramires, também em 1897.
Como observa Rui Campos Matos em nota preambular, só bem mais tarde,
após a morte de Eça de Queiroz, é que muitas de suas obras foram
ilustradas: O Mandarim em 1916
e 1927, O Crime do Padre Amaro
e Os Maias em 1926,
O Primo Basílio em 1928, A
Ilustre Casa de Ramires em 1972 e
A Capital em 1999. Além disso,
alguns contos foram ilustrados entre 1950 e 1997, em histórias em
quadrinhos (banda desenhada), como “A torre de D. Ramires”, “O defunto”,
“S. Custódio” e “As minas de Salomão”, como se pode constatar em
Ilustrações e Ilustradores na obra
de Eça de Queiroz (Lisboa: Livros Horizonte, 2001), de A. Campos
Matos (1928), pai do ilustrador e reconhecidamente o mais notável de
todos os estudiosos da obra queiroziana.
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II |
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Se A Relíquia precisou esperar
mais de um século para ganhar uma edição ilustrada, não o foi por falta
de atrativos para os ilustradores. Afinal, trata-se de uma história
narrada por Teodorico Raposo, o Raposão, que se faz passar por alguém
dotado de fervor religioso para ludibriar uma tia rica e fanática e
convencê-la a financiar-lhe uma viagem à Terra Santa. Em contrapartida,
resolve trazer de Israel uma coroa de espinhos que teria sido extraída
da mesma árvore de onde se tirara o instrumento que martirizou Jesus
Cristo. A “relíquia” destinar-se-ia a livrar a tia de todos os males e
achaques de que padecia na idade provecta.
Por má sorte,
Raposão, ao retornar, faz uma confusão ao misturar alguns pacotes e, na
hora de abrir o seu, a tia, em vez de encontrar a “relíquia” pela qual
tanto ansiava, encontraria a camisola de Mary, uma meretriz inglesa com
quem o sobrinho ladino fizera amor em Alexandria. Assim, a fortuna da
velha beata, em vez de ir para as mãos do sobrinho devasso e estróina,
iria mesmo para os padres de Lisboa que viviam a adular e a explorar a
credulidade da senhora.
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III |
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Claro está que uma história desta, se ainda hoje por sua comicidade
serviria com bastante sucesso para uma minissérie de TV ou mesmo um
filme de longa metragem, mais ainda está à medida para a pena de
ilustrador sagaz e eclético como Rui Campos Matos.
Em Eça de Queiroz: Uma biografia
(Porto, Editora Afrontamento, 2010), A. Campos Matos dedica um capítulo,
reproduzido em A Relíquia: Uma
Antologia Ilustrada, que resume algumas recensões feitas dessa obra
que constitui a única aventura do autor na literatura picaresca que
nasceu na Espanha com El Lazarillo
de Tormes (1554), de autor anônimo, e ganhou foros de gênero com
El Guzmán de Alfarache (1599), de Mateo Alemán (1547-1615?), e
El Buscón (1626), de Francisco
de Quevedo (1580-1645).
Se o Raposão não
preencheria os requisitos necessários para ser classificado como um
pícaro medieval – e não poucos críticos o consideraram um “pícaro
falhado” –, não se pode deixar de admitir que, em muitos pontos, seu
comportamento se assemelharia ao de um neopícaro dos nossos dias em seu
charlatanismo e capacidade de iludir o próximo. Esta farsa ataca de modo
corrosivo o desvirtuamento da religião católica e a cupidez do dinheiro
daqueles que se apresentam como propagadores da fé cristã e procuram, no
fundo, apenas ludibriar as pessoas de boa vontade, de olho apenas no
usufruto dos bens materiais.
Diz A. Campos de Matos que a tradição crítica portuguesa sempre foi
desfavorável à A Relíquia,
enquanto a critica estrangeira a viu simplesmente como uma obra-prima. A
avaliação definitiva veio do renomado crítico norte-americano Harold
Bloom (1930) que, em
Gênio:
Os 100 autores mais criativos da
história da literatura (Rio de Janeiro: Objetiva, 2003),
escreveu que Eça “reuniu Voltaire (1694-1778) e Robert Louis Stevenson
(1850-1894) em um só corpo, propiciando-nos um romance genial e, ao
mesmo tempo, uma sátira extraordinária, um triunfo literário singular”.
Por tudo isso, esta edição de A
Relíquia merece estar na prateleira de todo colecionador de Eça de
Queiroz e também nas bibliotecas dos cursos de Literatura Portuguesa das
faculdades de Letras, agora enriquecida pelas divertidas ilustrações de
Rui Campos Matos.
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Foto: Luiz Nascimento
A RELÍQUIA: UMA ANTOLOGIA ILUSTRADA,
de Eça de Queiroz.
Ilustrações
de Rui Campos Matos. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 100 pág.,
2013. Site: www.fwa.org.br
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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