Notas
O meu marido atribui-me um A
pelo jantar de ontem à noite,
um incompleto pelo passar a ferro,
um B+ na cama.
O meu filho diz que estou na média,
uma mãe média, mas que
posso melhorar
se me esforçar.
A minha filha acredita
em Passar / Reprovar e diz-me
que passo. Esperem até eles saberem
que vou desistir.
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Um novo
poeta
Encontrar um novo poeta
é como achar uma nova flor selvagem
no bosque. Não encontramos
*
o seu nome nos livros sobre flores, e
ninguém a quem se diga acredita
na sua cor invulgar ou na maneira
*
como as folhas crescem em linhas
espalhadas pela página abaixo. Na verdade
a própria página cheira
a vinho tinto
*
entornado e ao bafio
do mar
num dia enevoado – os cheiros da verdade
e da mentira.
*
E as palavras são tão familiares,
tão surpreendentemente novas, palavras
que quase escrevemos, tivesse
*
havido um lápis nos nossos sonhos
ou uma caneta ou mesmo um pincel,
tivesse havido uma flor.
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Ligando as
baterias
Quando os nossos carros se tocaram
Quando levantaste o capô do meu
Para ver o funcionamento por dentro,
Quando um pulsar de energia pura
Nos ligou,
Quando como a princesa da história
O meu carro acordou pegando
Pensei porque não fazer o resto do caminho juntos.
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Escarlate
Pierre Bonnard entrava
no museu com um tubo de tinta
no bolso e um pincel de marta.
Depois violando a integridade
de uma das suas molduras
dava uma pincelada de escarlate
na pele de uma flor.
Assim te parei eu
à porta esta manhã
e passando o indicador pela língua, removi
uma migalha invisível
dos teus lábios escarlates. Como se
no ritual da despedida
tivesse de mostrar que ainda me pertencias.
Como se a correcção fosse
a forma de amor mais pura.
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O que
queremos
Nunca é simples
o que queremos.
Andamos por entre as coisas
que pensámos que queríamos:
um rosto, um quarto, um livro aberto
e estas coisas
têm os nossos nomes –
agora querem-nos a nós.
Mas aquilo que queremos aparece
em sonhos, disfarçado.
Caindo passamos por elas,
estendendo os braços
e de manhã
eles doem-nos.
Não nos lembramos do sonho,
mas o sonho lembra-se de nós.
Está ali o dia todo
como um animal está
sob a mesa,
como as estrelas estão
mesmo em pleno sol.
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Calafrio que
o vento causa
A porta do inverno
está fechada pelo gelo,
e como os corpos
de animais há muito extintos, os carros
jazem abandonados onde quer que
a rua fria os tenha levado.
Que cerimoniosa é a neve,
com que serena austeridade
transforma
até a morte num
compromisso formal.
Sozinha à janela,
ouço
o vento,
as pequenas folhas aos estalidos
nos seus caixões de gelo.
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