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		 Guilherme José de Melo morreu. Conheci-o e, de 
		certo modo, o seu nome aparece ligado aos meus primeiros passos nestas 
		coisas da escrita. Conheci-o em Moçambique (na antiga Lourenço Marques, 
		atual Maputo) quando, era estudante do Liceu, animado pelo Cansado 
		Gonçalves (o grande mestre 
		Tirilicas), comecei a gatinhar no
		Despertar, do
		Notícias. O suplemento juvenil 
		era então orientado pelo Guilherme.  
		A juventude laurentina estava, nesse tempo, a sair 
		da casca. O meu colega Luís Bernardo Honwana engatilhara com o seu “Nós 
		Matámos o Cão Tinhoso” e, apesar de certas (muitas) influências de 
		Erskine Caldwell, apontava-nos seguramente uma porta. E em volta do 
		Núcleo de Arte reuniam-se vários escritores de algum peso, como Noémia 
		de Sousa, Rui Knopfli (que vim a reencontrar, anos mais tarde, em 
		Londres) e Rui de Noronha, para não falar do meu querido e notável 
		Reinaldo Ferreira, filho do célebre Repórter X. 
		Foi em tal ambiente que se formou toda uma geração 
		– como o Alexandre Alhinho de Oliveira, o Carlos Nuno Pinto Coelho e 
		outros. Este “sangue novo” impregnou o Guilherme José de Melo e adubou 
		as suas “loucuras”, que destoavam da comum sociedade moçambicana. Devido 
		aos seus “desvios sexuais”, pessoas como Reinaldo Ferreira ou Guilherme 
		José de Melo não eram bem aceites pelo vulgo. E, apesar de em casa de 
		meu pai, o maestro Artur Rebocho, isso ser algo mais visto, também era 
		com algum sarcasmo que deles se falava. 
		Reencontrei o Guilherme quando já me encontrava em 
		Lisboa, vivida a queda do fascismo e a descolonização moçambicana: 
		tornámo-nos amigos e ele, quase até ao fim, conservou no rosto o sorriso 
		dos bons tempos. Havia entre nós motivos que nos aproximavam: a 
		lembrança de África, as recordações da irredenta geração de Moçambique - 
		que, em Lisboa, era amiúde evocada pelo Luís Carlos Patraquim -, o facto 
		de ambos comungarmos de veleidades poéticas, o jornalismo que 
		praticávamos. 
		“Exilado” em Cabo Verde, tomei nota do seu 
		falecimento. E recordei-me dos dias em que com ele me encontrava no bar 
		“Snob” ou no Diário de Notícias. E quando, em S. Pedro de Sintra, na 
		Galeria do meu amigo Ernesto Neves, a “Arte Domus”, organizei - à 
		segunda-feira de cada semana – a Festa da Poesia, teria que obviamente 
		que o incluir. Ele merecia. 
		Nuno Rebocho 
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