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Quando, em 1962,
chegado a Portugal, pela primeira vez entrei na Casa dos Estudantes do
Império, Amilcar era memória dos jovens estudantes que, vindos de
África, sonhavam liberdades e independências. Já então a luta lavrava
nas colónias portuguesas. Aluno de Cansado Gonçalves, em Lourenço
Marques, eu fora preparado para em Lisboa (onde vinha prosseguir
estudos) encontrar o lugar próprio, a CEI, onde viver o profundo anseio
por um Mundo Diferente. E foi Alexandre Alhinho de Oliveira, meu colega
do liceu em Moçambique e então amigo-quase irmão, quem subscreveu o meu
ingresso naquela Casa ao qual o nome de Amílcar Cabral estava
estreitamente ligado. Na Casa dos Estudantes do Império tive o meu
“batismo de fogo” – o Baile dos Centuriões. Eu estava no grupo que,
naquela noite de 63, a defendeu da tentativa de assalto por um bando da
Legião. Nessa noite, “encontrei-me” com Cabral, com a sua mensagem:
lutar, lutar, lutar pela liberdade dos africanos.
Foi seis anos mais tarde que, na Cadeia do Forte
de Peniche, com Alexandre Alhinho, ouvi da boca de Francisco Martins
Rodrigues outras memórias – ele fora camarada de militâncias, no MUD, de
um poeta-combatente guineense e seu companheiro nas masmorras do Aljube,
Vasco Cabral. E, por via do poeta, de novo Amílcar entrava no meu
imaginário. Era a Guiné, era Cabo Verde, a luta de libertação que se
travava em África que mereciam a nossa solidariedade indefetível e
Amílcar Cabral estava nos nossos corações.
Em Janeiro de 1973, eu estava em liberdade
vigiada em Lisboa. Saíra de Peniche há dois meses e era-me interdito
ausentar desta capital. No entanto, persistia ativo na propaganda contra
a guerra colonial e no combate ao regime de Salazar-Caetano. A notícia
do assassinato de Amílcar foi um choque. Reforçou a minha revolta e a
vontade de não cruzar os braços em defesa da causa dos meus irmãos
africanos, que era, ao fim e ao cabo, a mesma causa dos portugueses que
ambicionavam liberdade. Assim me “reencontrei” com Cabral.
Há sete anos, inaugurando uma relação estreita
com Cabo Verde, descobri em Assomada o busto de Amílcar. E na cidade da
Praia, na livraria da Casa da Cultura, achei exemplares de uma revista,
“Raízes”, com poemas de Cabral. Revistas que trouxe para Lisboa, onde
aos microfones da RDP os li. Depois do combatente e do homem de
pensamento, cuja obra conhecia das edições Maspero, era o poeta que
agora também me acompanhava e me alimentava a paixão, tardia embora, mas
assumida, por duas palavras: Cabo Verde - dez ilhas, um povo, uma
Dignidade. Uma História. E uma Cultura.
Nuno Rebocho
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