Mais tarde o nosso contacto, sempre no vector
Mallorca-Portalegre, estimulou-se. Houve colaborações e apresentações de
obras nalguns locais expressos. Tive ocasião de publicar uma
surpreendente série de “Chapéus”, em feitura e encenação desta artista
que, dona de uma vivencia surreal autónoma e por isso alheia a
falsificações conceptuais, seria seguida por outra série magnífica,
“Calabazas” (Cabaças), pintadas e emergindo dum mundo onde a poesia se
une à maravilha e ao encantamento.
Dediquei-lhe então, para ilustrar a apresentação de diversos exemplares,
o poema que segue:
CALABAZAS
a Mayte Bayon
Eu sou o que sou
vegetal e mineral, fruto e animal
no inverno no verão
em cima da cama e numa cozinha
sobre a mesa com copos e garrafas
Sou pintada sou disposta em arco-íris
como alguém que ri e alguém que chora
como uma artista submergida
como um retrato emergente
ando de roda
rastejo
voo sobre os rios e os ventos
os montes e as chamas nas lareiras
sinto a terra nas mãos
balbucio a dormir
assusto-me fico presa
a um objecto tão belo como a escuridão
antes da manhã
depois de anoitecer
Tenho muitos nomes
que de repente desaparecem
cabacinha pintada de azul amarelo
cabacinha pintada de preto vermelho
e sou outra vez eu
e faço o pino danço adormeço
e os sonhos saem pela cabeça
e ficam a pairar perto das paredes.
Sou cabaça
sou pessoa
sou madeira e pedra
e lume e ardósia e papel
ramagens ensolaradas
casas que se abrem e fecham
no dia inteiro
e na tarde
de todos os silêncios e ruídos ao longe.
*
Creio que fará
sentido referir ainda a série de “Peroratas” em que a artista,
juntando a pintura/desenho e a escrita, cria uma série de obras
abrindo lugar a uma visão sustentada que, se não esquece as amarguras e
as dificuldades que a todos se colocam e que a arte epigrafa para que a
História não esqueça, é contudo percorrida por uma emoção vitalista que,
filha do gosto (paixão?) de criar, retira da alegria e da esperança num
Futuro melhor e mais belo as suas melhores galas.
ns
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