A proliferação de bienais de arte no mundo, nas
últimas décadas, chama a atenção para o
espetáculo e a banalização da chamada “arte
contemporânea”. Conforme o tipo de público, de
curador, de artista, de patrocinador existe um
modelo de bienal. Cada uma com suas
especificidades, umas privilegiam a
universalidade, outras as linguagens regionais,
cada uma imprime sua marca. Qualquer coisa pode
ser transformada em material artístico e
qualquer lugar pode ser estetizado. Tem as dos
grandes centros e as de periferia. Por trás está
um sistema econômico que envolve negócios,
turismo, entretenimento, economia criativa.
Essas mostras não se sustentam de demandas
culturais. O ingrediente cultural é como aquela
pitada de sal lançada sobre a porção de batata
frita.
Uma bienal de arte serve para apresentar novos
produtos, ou “novos autores” de um “déjà-vu”
para aquecer a sociedade da mercadoria. Com o
fim da modernidade e as histórias das grandes
inovações na arte, em termos de novas formas e
técnicas que surpreendiam, veio uma sensação de
esgotamento estético. A solução do mercado foi
investir no inusitado da ideologia da juventude,
no que parece ser e revelar “novos talentos”.
Não temos mais as surpresas modernas, a exemplo
do Cubismo, então, reinventam-se outras com a
ajuda do departamento de marketing, porque o
consumo se abastece através do fantasma do novo.
Mas a arte precisa mais de reflexão do que de
talentos surpreendentes.
As bienais estão ligadas ao mercado como amantes
apaixonados, dependentes um do outro. Se elas
não são centros diretos de consumo, estão
indiretamente à serviço do consumo de
mercadorias culturais e de lazer. O alto custo
de sua realização implica na participação
decisiva de investidores, patrocinadores com
expectativas de retorno. O montante considerável
que movimentado anualmente mostra que o mercado
está em alta. Entre a brincadeira e o
ininteligível expostos, a mostra é uma vitrine
onde as galerias apresentam jovens artistas e
suas novidades para ser valorizados e receber o
selo de garantia cultural. Espera-se do artista
de bienal que ele tenha prestígio,
reconhecimento e valor de mercado.
O
sistema das galerias acaba exercendo forte
influência na escolha dos artistas, muito bem
justificado e disfarçado no discurso do curador.
Participar de uma bienal é uma experiência no
currículo de uma artista que contribui para a
sua inserção no mercado de arte. Até trabalhos
gerados pela intuição, na total ignorância da
arte produzida no passado, são valorizados e
etiquetados. A história da cultura não interessa
para o mercado, mas a culpa não é do mercado nem
do artista, e sim, de uma sociedade perversa que
tem como referência a mercantilização da
cultura.
Uma quantidade crescente de artistas, curadores,
marchands reivindicam e apontam como alternativa
para a divulgação e desenvolvimento da arte, a
criação de uma bienal. Em centros com museus
precários, com dificuldades de manutenção,
ensino de arte comprometido, tem um crescimento
indiscutível da produção de “arte
contemporânea”. Apelar para uma bienal é uma
forma de escoar e dar visibilidade a essa
produção. A cada dois anos uma safra nova de
artistas desperta a atenção da mídia e do
comércio. As bienais são as partidas
preliminares das feiras de arte, elas criam
público e incentivam compradores.
Almandrade
(artista plástico, poeta e arquiteto)