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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 40 | agosto-setembro | 2013
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ADELTO GONÇALVES
A literatura de
Moçambique
vista do outro lado do Atlântico
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Adelto Gonçalves é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa
pela Universidade de São Paulo e autor de
Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999),
Barcelona Brasileira
(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002),
Bocage - o Perfil Perdido
(Lisboa, Caminho, 2003) e
Tomás Antônio Gonzaga (Rio de Janeiro, Academia Brasileira de
Letras, 2012). E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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SÍTIOS ALIADOS |
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de Cultura |
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Domador de Sonhos |
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I |
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Escritores
moçambicanos na fase inicial da literatura de seu país sempre se
declararam inspirados por autores brasileiros. Foi o caso de José
Craveirinha (1922-2003), filho de pai português e mãe africana, que se
dizia leitor atento de Manuel Bandeira (1886-1968), Mário de Andrade
(1893-1945), Graciliano Ramos (1892-1953), Carlos Drummond de Andrade
(1902-1987), Jorge Amado (1912-2001), Raquel de Queiroz (1910-2003),
João Cabral de Melo Neto (1920-1999) e outros. Sem contar que tivera em
Leônidas da Silva (1913-2004), o
Diamante Negro, centroavante da seleção brasileira de 1938 e
inventor do lance chamado de “gol de bicicleta”, um ídolo de sua
juventude, admiração que compartilhava com muitos de sua geração.
Tantos anos depois, faz-se agora o percurso inverso com estudiosos
brasileiros, alguns em atividade em universidades fora do Brasil,
escrevendo sobre a produção de escritores moçambicanos mais recentes. É
o que se vê em Passagens para o
Índico: encontros brasileiros com a literatura moçambicana (Maputo:
Marimbique Conteúdos e Publicações, 2012), organizado pelas professoras
Rita Chaves e Tania Macêdo, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo (USP), com prefácio do professor
Lourenço do Rosário, o scholar
moçambicano com maior trânsito nas universidades de Portugal e do
Brasil.
Para
realizar essa obra, as organizadoras convidaram 20 especialistas em
Literatura Africana de Expressão Portuguesa, inclusive este articulista,
para que escrevessem ensaios sobre a produção de autores moçambicanos
contemporâneos. O livro inclui ainda o ensaio “A literatura moçambicana
e os leitores brasileiros”, das organizadoras, responsáveis também pela
introdução. Para as professoras, a exemplo de
A kinda e a misanga: encontros
brasileiros com a literatura angolana, lançado em 2007, este volume
“corresponde a mais uma ação para tornar cada vez mais vivos os laços
que nos prendem”.
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II |
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Como
não podia deixar de ser, Mia Couto, o escritor moçambicano com maior
visibilidade da mídia do mundo lusófono, alcança espaço destacado na
análise dos especialistas. De sua obra ocupam-se Anita Martins Rodrigues
de Moraes, doutora em Teoria e História Literária pela Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e professora da Universidade Federal
Fluminense (UFF), Maria Nazareth Soares Fonseca, doutora em Literatura
Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e professora
da Pontifícia Universidade Católica (PUC-MG), e Patrícia Schor, que faz
doutoramento em Humanidades na Utrecht University, da Holanda.
Já a
narrativa feminina, especialmente a de Paulina Chiziane, é objeto de
atenção de Laura Padilha, doutora pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ) e professora emérita da UFF, Débora Leite David, que faz
pós-doutorado em Estudos Comparados de Literatura de Língua Portuguesa
na USP, e deste articulista.
Em
“Literatura e política: José Craveirinha e as inclinações prospectivas
de uma poética popular”, o professor Benjamin Abdala Junior, doutor em
Letras pela USP e professor titular de Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa da mesma instituição, aproxima a poesia do poeta moçambicano
do fazer poético do angolano António Jacinto (1924-1991) e do brasileiro
Solano Trindade (1908-1974), observando que o horizonte de expectativa
de Craveirinha “enlaça os poetas da geração de 50 em Angola e os poetas
brasileiros articulados politicamente e que viriam a promover os Centros
Populares de Cultura”.
No
contexto socialmente reivindicativo, e ainda anticolonial e antifascista
das literaturas africanas de Língua Portuguesa dos anos 1950-1960-1970,
diz Abdala, esse horizonte estético-ideológico promovia um olhar para
outros poetas, de outros sistemas lingüísticos, como o cubano Nicolás
Guillén (1902-1989), que seria colocado como poeta-símbolo na antologia
do angolano Mario de Andrade (1928-1990) e do são-tomense Francisco José
Tenreiro (1921-1963), “onde a condição negra se associava à proletária –
um humanismo em que as diferenças étnicas se abriam à solidariedade
social”.
Em “A
voz, o canto, o sonho e o corpo: reflexões sobre a poesia feminina em
Moçambique”, Carmen Lucia Tindó Secco, doutora em Letras pela UFRJ e
docente que criou a disciplina de Literaturas Africanas na mesma
instituição, diz que, ao contrário do que ocorreu em Angola, Cabo Verde,
Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, em Moçambique o silêncio em torno de
textos de autoria feminina se manteve por mais de uma década depois da
independência não só na poesia como nos demais gêneros.
Com
exceção de Glória de Sant´Anna, que teve condições próprias de editar
vários livros antes da independência, poucas mulheres tiveram seus
textos publicados no período colonial. Mesmo a conhecida Noémia de
Sousa, acrescenta, só teve a sua obra reunida em livro, em 2001, por
empreendimento do poeta Nelson Saúte, atual editor da Marimbique, que
publicou o livro que se resenha aqui. Hoje, já não são poucas as
poetisas moçambicanas: Ana Mafalda Leite, Tânia Tomé, Sónia Sultuane são
alguns nomes que têm sua produção analisada por Carmen Lucia neste
ensaio.
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III |
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Em
“José Francisco Albasini e a saúde do
corpus moçambicano”, César
Braga-Pinto, doutor em Literatura Comparada pela University of
California, Berkeley, e professor da Northwestern University, em
Illinois, recupera a trajetória literária e jornalística de José
Francisco Albasini, o Bandana
(1877-1935), irmão de João Albasini. Ambos fundaram o primeiro jornal
escrito e dirigido por uma elite de intelectuais negros e mulatos em
Moçambique, O Africano
(1908-1918), que seria sucedido por
O Brado Africano (1918-1974).
Lidos
numa perspectiva pós-independência e, portanto, anacrônica, os Albasini
são vistos hoje com certo distanciamento. Descendente de um italiano e
neto de português e de uma neta do régulo do clã Mpfumo, de Maxaquene,
Bandana, ao seu tempo,
defendeu a “causa indígena”, lançando uma campanha pela educação em
português que tinha por base a luta pelo direito à cidadania plena, no
caso a cidadania portuguesa, à época do salazarismo. Como diz
Braga-Pinto, essa é ainda uma questão que permanece em debate e longe de
um consenso, ou seja, “a situação do sujeito assimilado em relação não
somente ao sujeito “indígena”, mas também ao passado pré-colonial e à
tradição africana”.
Um
dos textos mais interessantes desta coletânea é “Os lugares do indiano
na literatura moçambicana”, de Nazir Ahmed Can, doutor em Letras pela
Universidade Autônoma de Barcelona e professor-colaborador do Instituto
Camões de Barcelona, que registra um “silêncio” a respeito da
participação indiana nos estudos literários sobre Moçambique dos dias
atuais. É de lembrar que a comunidade indiana se fixou no país em meados
do século XVII ou ainda em época anterior à chegada dos portugueses e,
hoje, “representa uma parte significativa da população moçambicana
(inclusive da elite política e intelectual)”.
Can
cita Francisco Noa para quem “a figura do indiano aparece-nos marcada
pelo ressentimento, pelo preconceito e por um indisfarçável sentimento
de intolerância”. Para Can, “a prosa do período pós-independência
sente-se ainda numa posição desconfortável para representar estas
comunidades de forma pormenorizada para lhes fornecer protagonismo ou
voz”.
Conhecidos de maneira depreciativa por monhés, baneanes e canarins, os
indianos sempre foram vistos de maneira preconceituosa – de início,
porque representariam um obstáculo à hegemonia portuguesa na região e,
depois, porque desenvolviam, na maioria, atividades ligadas ao ilícito,
como contrabando e a sonegação fiscal, e eram adeptos do islaminismo e,
portanto, adversários das práticas cristãs.
Depois de apontar a presença de protagonistas indianos (monhés),
referidos de forma negativa por personagens em autores como Nelson
Saúte, Lília Momplé e Suleiman Cassamo e positiva ou neutra em Mia
Couto, João Paulo Borges Coelho e Paulina Chiziane, o ensaísta assinala
a ausência de uma auto-representação da travessia indiana na prosa
moçambicana, questionando quais seriam os motivos pelos quais isso não
foi possível até agora.
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IV |
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O
livro traz ainda ensaios dos professores José Nicolau Gregorin Filho,
doutor em Letras pela Universidade do Estado de São Paulo (Unesp) e
professor da USP, Érica Antunes Pereira, pós-doutoranda na USP, Maria
Anória de Jesus Oliveira, professora assistente da Universidade do
Estado da Bahia (Uneb) e doutora em Letras pela Universidade Federal da
Paraíba (UFPB), Marinei Almeida, doutora em Letras pela USP e professora
da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), Maurício Sales
Vasconcelos, doutor em Letras e pós-doutorando na USP, Prisca Agustoni
de Almeida Pereira, doutora em Literaturas Africanas de Língua
Portuguesa pela PUC-MG, Rosania da Silva, doutora em Letras pela
Universidade Nova de Lisboa, Simone Caputo Gomes, doutora em Letras pela
PUC-RJ, Sueli Saraiva,
doutoranda em Letras pela USP, e Teresinha Taborda Moreira, doutora em
Letras pela UFMG e professora da PUC-MG.
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PASSAGENS PARA O ÍNDICO:
ENCONTROS BRASILEIROS COM A LITERATURA MOÇAMBICANA,
organização de Rita Chaves e Tania Macêdo.
1ª ed. Maputo: Marimbique – Conteúdos e Publicações. 327 págs., 2012.
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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