REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 39 | junho-julho | 2013

 
 

 

 

 

RAYMOND CARVER

Traduzido por Francisco Craveiro

Raymond Carver (1938–1988), Americano, escreveu poesia  e contos. É considerado uma figura maior na literature Americana da segunda parte do século XX. Minimalismo e “dirty realism” são conceitos habitualmente aplicados ao seu trabalho.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
Página Principal  
Índice de Autores  
Série Anterior  
SÍTIOS ALIADOS  
TriploII - Blog do TriploV  
Apenas Livros Editora  
O Bule  
Jornal de Poesia  
Domador de Sonhos  
Agulha - Revista de Cultura  
Arte - Livros Editora  

Revista InComunidade (Porto)

 
 
 
 

Uma Tarde 

Ao escrever, sem olhar para o mar,

ele sente a ponta da caneta começar a estremecer.

A maré vai descendo pelos seixos da praia.

Mas não é isso. Não,

é porque naquele momento ela decide

entrar  nua na sala.

Indolente, sem ter a certeza onde ela está

por momentos. Ela afasta o cabelo da testa.

Senta-se na  sanita com os olhos fechados,

de cabeça para baixo. As pernas estendidas. Ele vê-a

pela porta. Talvez esteja a pensar no que aconteceu de manhã.

Pois após algum tempo, ela abre um olho e olha para ele.

E sorri docemente.

 

A Corrente 

Estes peixes não têm olhos

estes peixes prateados que me aparecem nos sonhos,

que espalham  ovas e esperma

nos bolsos do meu cérebro.

 

*

 

Mas há um que vem-

pesado, com cicatrizes, silencioso como os outros,

que apenas  se aguenta  contra  a corrente,

 

*

 

fechando a boca escura contra

a corrente, abrindo-a e fechando

enquanto se agarra à corrente.

 

Fragmento Tardio 

E tiveste tudo

o que querias desta  vista, mesmo assim?

Tive.

E o que querias?

Chamar-me amado, sentir-me

amado na terra.

 

O Arranhão 

Acordei com uma mancha de sangue

no meu olho. Um arranhão

a meio da testa.

Mas hoje em dia ando a dormir sozinho.

Porque razão levantaria um homem a mão

contra si próprio, mesmo a dormir?

São esta e perguntas semelhantes

a que estou a tentar responder esta manhã.

Enquanto examino a minha cara na janela.

 

Circulação 

                       And all at length are gathered in.
                                                       LOUISE BOGAN

Quando me apercebi da dor

e acordei, o luar

inundava o quarto. O meu braço estava paralizado,

servia de apoio como uma velha  âncora sob

as tuas costas. Estavas a sonhar,

disseste mais tarde,   tinhas chegado

cedo para o baile. Mas após

um momento de ansiedade estavas bem

porque na verdade era uma feira

no passeio, e os sapatos que usavas

ou não usavas, eram bons para isso.

 

A melhor parte do dia 

Noites de verão frescas.

Janelas abertas.

Luzes acesas.

Frutos na taça.

E a tua cabeça no meu ombro.

Estes  são os momentos mais felizes do dia.

 

*

 

Logo a seguir  às primeiras horas da manhã,

claro. E antes

do almoço.

E a tarde, e

a altura em que começa a anoitecer.

Mas gosto mesmo

 

*

destas noites de verão.

Até mais, acho,

do que daqueles outros tempos.

O trabalho do dia já feito.

E ninguém nos consegue alcançar agora.

Ou vez alguma.

 

Setembro 

Setembro, e algures a última

das folhas  do sicómoro

voltou à terra

 

*

 

O vento varre as nuvens do céu.

 

*

 

Que ficou aqui? Galinhas bravas, salmões prateados

e, não longe da casa, o pinheiro atingido.

Uma árvore onde caiu um raio. Mas mesmo agora

a recomeçar a viver. A aparecerem por milagre

alguns rebentos.

 

*

 

“Maggie by My Side” de Stephen Foster

toca no rádio.

 

*

 

Ouço com os olhos distantes.

 

Entrevista 

Falar de mim o dia inteiro

fez-me relembrar

algo que eu pensava estar definitivamente

encerrado. Aquilo que  eu sentira

por Maryann – Anna, diz

ela agora – aqueles anos todos.

Fui buscar um copo de água.

Fiquei algum tempo à janela.

Quando voltei

passámos sem dificuldade ao assunto seguinte. Mas

aquela recordação enterrando-se como um prego.

 

Estendendo o braço 

Ele soube que estava

em dificuldades quando,

no meio

do poema,

se viu

a estender o braço

para o thesaurus

e depois

o Webster’s

por esta ordem.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL