DUAS
MULHERES
UMA cama
redonda , toda negra. no tecto , um espelho opulento.
no lado
esquerdo da cama, o minotauro, erguendo a taça do vinho
novo. do
outro lado, um jovem fauno, risonho, brindando com o
minotauro.
entre eles , uma mulher . do lado esquerdo do
jovem fauno,
outra mulher.
duas mulheres
que não são bonitas (pois mulheres bonitas
há muitas)
mas que sabem ouvir o cântico do sol ao meio da noite.
*
DA BELEZA
Warum bin ich vergänglich?
o Zeus! so fragte die Schönheit,
Macht dich doch, sagte der Gott,
nur das Vergängliche schön.
Friedrich Schiller
Também
há gente que diz que a beleza é
eterna. como se houvesse
coisas
eternas. isto é de facto o cúmulo da cegueira para não usar outro
termo. a
verdade é esta: mais tarde ou mais cedo tudo tem um fim;
sejam as
coisas belas ou feias. pois se assim não fosse, pobre daqueles
que são
feios.
e depois não
devemos esquecer que há as coisas feias belas, como por
exemplo , na
obra de um Baudelaire e d'outros que souberam extrair
beleza das
coisas horríveis e feias.
*
CALIPSO ( uma falsificação poética )
Calipso já
não sentia o corpo de um homem há muitos anos. foi então
que Ulisses,
o náufrago, lhe apareceu como uma
dádiva do Olimpo. e,
durante 7
anos , Calipso e Ulisses
amaram-se. certo dia, porém, Odisseu
sentiu
saudades da sua terra , Ítaca,
saudades
dos braços da sua família: Penélope e Telémaco. então, virou-se
para Calipso
e disse-lhe que desejava partir. Calipso, apaixonada como
estava,
queria que Ulisses ficasse e
prometeu-lhe todas as delícias e
prazeres da
terra e até a eternidade olímpica, sim,
a eternidade. porém,
depois de
sete anos vividos em delícias e harmonia, Odisseu
descobrira que
também a
eternidade pode ser uma coisa tediosa, feia, mesmo
enfadonha.
e assim
preferiu continuar mortal. pois
só quem morre, sofre e chora,
pode, de
facto, desfrutar das pequenas
coisas da vida: a alegria, o riso, o sol,
o perfume de
uma flor, o sexo selvagem, a madrugada de cada novo dia...
enfim, a
aventura que é a vida
com os
seus altos e baixos. e era
exactamente
por isso,
sabia Odisseu, que os deuses invejavam os homens.
( mas antes
de Ulisses partir, calipso pediu-lhe que a amasse por uma última
vez. e
Odisseu foi benigno para com ela
e amou-a, amou-a por uma última vez,
por uma
última vez com tal ferocidade que Calipso acabou por se transformar
num astro.
hoje, quem olhar o firmamento a certas horas e pensar em Ulisses,
conseguirá
avistar, bem lá no alto, uma estrela de nome Calipso )
*
AMO
aqueles que sabem ver como
Tirésias: para lá dos olhos. dos outros que
pensam
que vêem muito, ou que conseguem
ver tudo, mas que lá no fundo não
vêem nada,
porque ainda não conseguiram
descobrir que se encontram dentro
da luz da
cegueira, desconfio...
*
ANTES os
bárbaros. antes esses. onde
o sangue ainda ferve com a brutalidade
das vinhas
puras.
*
CIÊNCIA
Cavalos
resfolegantes que com suas fabulosas
ventas
destelham o céu
o cântico dos
mortos que se erguem e caem
para que a
rosa floresça
e a criança
dos olhos azuis
à procura da
infância roubada
suas mãos
abertas como navalhas
feridas pelo
orvalho dos frutos negros
ah, esta
arquitectura de escombros!
tatuagens
antigas
o lume dos
hieróglifos na íris que projecta o mundo
contra as
clareiras nocturnas
a violência
de um coração
nas vísceras
e a ampulheta
dos insectos
onde inscrevo
o teu nome
a busca de
uma máscara que te sirva
ó grande
aventura!
esta é a
odisseia da palavra nunca dita
– ciência do
sangue
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