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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 39 | junho-julho | 2013
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ADÍLIO JORGE MARQUES
A expansão
marítima portuguesa do Atlântico Sul e a ciência das grandes
navegações
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ADÍLIO JORGE MARQUES (BRASIL).
Doutor em História das Ciências e Epistemologia.
Universidade Federal Fluminense.
Instituto do Noroeste Fluminense de Educação
Superior (INFES)
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Introdução |
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Portugal
e sua expansão marítima são um assunto bastante extenso, pois não está
restrito somente ao Estado português e sim a contexto bem mais amplo: a
transição da Idade Média para a modernidade, na mudança de toda a
mentalidade que cursara um milênio. Analisando a Europa e sua política,
economia e demografia nos quatrocentos e quinhentos, verificam-se grande
crise continental ocorrida no primeiro período. Houve consequências para
o mundo português, gerando crises políticas internas e o estabelecimento
de ideais para a retomada do crescimento geral a partir do século XV.
As
rivalidades entre Portugal e os reinos hispânicos com o casamento de
Fernando de Aragão e Isabel intensificaram-se e o reino de Castela
tornou-se o principal competidor de Portugal nas conquistas
ultramarinas, o que culminou com um contraditório Tratado de Tordesilhas
mediado pela Igreja católica no final do século XV.
As
necessidades comerciais portuguesas em alcançar as Índias orientais, as
múltiplas incursões pelo Atlântico Sul, as inovações tecnológicas nas
navegações com os sistemas de orientação mais precisos, propiciaram, por
fim, aos navegadores portugueses, ampliar suas rotas ao longo do
Atlântico Sul. Algo que foi aperfeiçoado no século XV, fazendo-os ter um
domínio inconteste das correntes marítimas da região e serem
conhecedores dos regimes de ventos. Fatores que fizeram com que se
tornassem dominantes no Atlântico e determinando o progressivo alcance
de seus objetivos comerciais.
A
questão da chegada ao Brasil, proposital ou não, também ainda sustenta
discussões. Teríamos que trabalhar com a convicção de que achar terras a
oeste do Atlântico Sul fora – e seria – fundamental para a Coroa
portuguesa e seus navegadores? Um objetivo perseguido para viabilizar o
projeto de cumprir as melhores rotas marítimas e alcançar de maneira
mais rápida e segura as Índias orientais? São questões importantes para
a historiografia que ainda hoje são debatidas, e abordadas ao largo
neste texto.
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Portugal durante a expansão pelo Atlântico Sul |
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Na
Europa, a partir dos séculos XII e XIII, as monarquias foram ganhando
novamente poder público. O Estado identificava-se na figura do monarca,
e em Portugal surge uma monarquia medieval na qual havia forte tensão
entre as ordens vigentes. Apesar do contexto citado, houve uma retomada
do crescimento demográfico e econômico de maneira generalizada em toda
região, inclusive na Península Ibérica. No século XIV quando se pensava
que as condições gerais favoráveis dos séculos XII e XIII iriam ser
mantidas, vários eventos abatem o continente, ocasionando um grande
retrocesso demográfico. A peste negra se arrastou pelo século XIV, e a
Guerra dos Cem anos, entre França e Inglaterra, consumiu, além de vidas,
grande soma de recursos financeiros. Além de conflitos menores que não
podemos deixar de mencionar, tais como entre Veneza e Gênova, neste caso
implicando em significativa influência na economia europeia, pois estas
Cidades-Estado exerciam importante papel nas transações comerciais.
Durante o século XIV, Portugal também foi atingido pelo ciclo das
pestes e a consequente desorganização econômica. A Lei das Sesmarias de
1375, segundo WELHING e WEHLING (1999: 35), surgiu quando a
(...) valorização da
mão-de-obra proporcionada pelo declínio demográfico
obrigou o Rei, pressionado pelos senhores, a aumentar o
controle sobre os camponeses coagindo os detentores de terras a expandir
a produção. O governo, por sua vez, com suas rendas diminuídas, precisou
convocar freqüentemente as Cortes com o objetivo de solicitar novos
subsídios. Ocorreram também, na segunda metade do século, freqüentes
desordens, numa atmosfera geral de intranqüilidade.
Deu-se a substituição da dinastia Bragança pela dinastia Avis. Pensando
de maneira simplista, ocorreu a substituição de uma falida nobreza
territorial por uma nobreza ligada com a burguesia. Mudança obtida
através de conflitos entre as partes e que se estenderam por quase todo
o século XV, cessando em 1481 com D. João II. Este, após retomar o
poder, implementou medidas hostis à nobreza senhorial enfraquecendo-a e,
simultaneamente, aproximou-se do Terceiro Estado e da Igreja, já que
neste período, surgia o movimento humanista que consolidava a transição
para a modernidade. As relações comerciais com as cidades italianas
foram intensificadas.
D.
João II retomou nesse período a expansão marítima que fora iniciada no
início do século e interrompida por conta dos conflitos internos pelo
poder. A expansão marítima ocorreu no início do século XV como processo
natural, já que a experiência na navegação costeira dos comerciantes,
pescadores e técnicos era marcante. A melhora no perfil das embarcações
e nos instrumentos de navegação fez com que esses já experientes
navegadores se aventurassem cada vez mais longe no “Mar Oceano”.
As
causas da expansão portuguesa é assunto que já foi exaustivamente
discutido entre os historiadores. Inúmeros motivos foram apontados no
sentido de explicar esse processo, listando-se causas econômicas,
políticas e religiosas, dentre as quais podemos mencionar (WELHING
e WEHLING, 1999: 37-38):
Os
estabelecimentos pesqueiros controlados pelo rei, pela nobreza e por
comerciantes tenderam a expandir-se, beneficiados pelo aumento do
consumo. A permanente falta de cereais, sobretudo de trigo, motivou a
conquista de Ceuta em 1415 e, mais tarde. A colonização das ilhas da
Madeira e dos Açores. Os altos preços do açúcar, produzido inicialmente
no Algarve, também favoreceram a instalação de colônias naquelas ilhas.
Produtos africanos, como couros e tinturas, além de escravos, eram
igualmente valorizados na Europa. Fatores políticos certamente foram
favoráveis na consolidação da dinastia de Avis no poder, o emprego da
experiência militar da nobreza, a concorrência do reino de
interessado em
colonizar as Canárias e em disputa com Portugal pela rota do Atlântico e
a própria união, em 1469, de Aragão pelo casamento de Isabel e Fernando.
A
tudo isso, acrescente-se o espírito de Cruzada, consubstanciado na luta
contra os muçulmanos e na conversão das populações vencidas ao
cristianismo. Esta luta se fundamentava em crenças religiosas
profundamente arraigadas, estimuladas pela Igreja de Portugal e pelo
apoio do Papado, que em pelo menos duas bulas, a Sane Charissimus, de
1418, e a Rex Regum, de 1436, deu aos empreendimentos portugueses o
status de Cruzada. Lucros, império e fé combinaram-se.
A expansão se deu por etapas e podemos traçar como marco a conquista de
Ceuta em 1415, seguindo-se às ilhas de Açores, Porto Santo e Madeira na
década de 20. À extensa
exploração do Atlântico a partir de 1474 se credita ao objetivo
principal de Portugal: buscar as Índias orientais de maneira
sistemática.
Enfim, dentro deste ambiente de mudanças das
mentalidades, com o declínio do sistema feudal e a afirmação do
absolutismo monárquico, os países ibéricos lançaram-se de maneira
inquestionável à Idade Moderna através das conquistas ultramarinas.
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O Tratado de Tordesilhas |
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Segundo algumas correntes historiográficas a diplomacia brasileira
começou bem antes do surgimento da nação. Essa assertiva se deve a todo
o processo diplomático envolvido na legitimação de terras além-mar e que
culminou na elaboração do Tratado de Tordesilhas. Também entrou para a
história com o nome pejorativo de “Testamento de Adão”, quando o rei
Francisco I, da França, pediu para ver o testamento que dividia o mundo
entre Espanha e Portugal. O Tratado de Alcaçovas-Toledo foi o primeiro
assinado entre Espanha e Portugal para legitimar territórios descobertos
e por descobrirem. Pelas cláusulas desse tratado, Portugal obtinha o seu
reconhecimento sobra a Ilha da Madeira, arquipélago dos Açores, o de
Cabo Verde e a Costa da Guiné. Recebia as Ilhas Canárias e renunciava a
navegar ao sul do Cabo do Bojador, ou seja, no paralelo 27º no qual se
encontrava as próprias ilhas.
Após
a assinatura, ambas as nações aceleraram seus projetos de expansão. A
Espanha mais atrasada nas suas ações externas, devido às lutas de
Reconquista que travava em seu território. D. João II de Portugal envia
Bartolomeu Dias para o Cabo do Bojador (atual África do Sul) e chega ao
Oceano Índico, confirmando a existência de um caminho marítimo para as
índias. Na outra ponta da Península, Aragão arma a expedição de Colombo
para o ocidente, que almejava chegar às Índias por uma nova rota, ao que
parece. Pelas cláusulas do Tratado de Toledo a Espanha estava proibida
de navegar pelas rotas do Atlântico Sul (TEIXEIRA DA SILVA, 1994: 21).
Em
seis de Março de 1493, Colombo retorna de sua expedição na América. É
recebido em Portugal por D. João II e este o questiona sobre a sua
descoberta, segundo o cronista Ruy de Pina:
“E sendo El Rei logo avisado, o
mandou ir ante si, e mostrou por isso receber nojo, e sentimento, assim
por crer que o dito descobrimento era feito dentro dos mares, e termos
do seu senhorio da Guiné.” (Apud Manso, 2006: 234).
O
monarca português entendia que a esquadra de Colombo havia violado os
termos do Tratado de Toledo. Logo após a entrevista com D. João II,
Colombo reportou aos Reis da Espanha as intenções do Monarca português
em usar de força militar para fazer valer os direitos de Portugal sobre
as terras descobertas. Os Reis Católicos recorreram ao Papa Alexandre VI
amigo do círculo pessoal dos Reis Católicos. É preciso lembrar que os
direitos de Portugal estavam salvaguardados pelas bulas dos papas
anteriores a Alexandre VI: Nicolau V, Calisto III e Sisto IV.
Respectivamente as bulas “Romanus
Pontifex”, “Inter Coetera” e a “Aeterni
Regis” (COSTA, 1979: 51).
De
pronto o Papa emite em três de maio de 1493 uma bula idêntica a que seus
antecessores haviam dado a Portugal, a “Inter
Coetera”. Deu aos Reis Católicos as terras a ocidente que não
pertencessem a outro príncipe cristão. Em julho despachou a
“Eximiae Deutions”, conferindo aos Reis espanhóis os mesmos
privilégios de que gozavam nas novas terras os Reis de Portugal. Estes
reagem, enviando para uma audiência com o papa o Arcebispo de Toledo
acompanhado de Diogo Lopes de Haro. A Espanha não está satisfeita com o
paralelo traçado ao sul das Canárias (COSTA, 1979: 51).
Num
caso de prevalecimento da segunda
Inter Coetera, com o Atlântico Sul dado aos espanhóis, portugueses
não poderiam mais contornar a costa africana para chegar ao Índico. E as
próprias diferenças de longitude dos arquipélagos de Açores e Cabo
Verde, não permitiriam a demarcação do meridiano proposto (TAVARES,
1995: 28-29). Portugal não aceita o novo acordo proposto por Alexandre
VI, um mundo divido em dois hemisférios, não mais em norte e sul, mas em
ocidente e oriente, conforme um meridiano imaginário passado a 100
léguas (ou 320 milhas) a oeste de Açores (ou ilhas do Cabo
Verde).
Portugal contrapropõe 370 léguas a oeste de Cabo Verde (1184 milhas). Em sete de
julho de 1494 o Tratado de Tordesilhas é assinado, sem a presença do
Papa Alexandre VI (TEIXEIRA DA SILVA, 1994: 22). Um pacto meramente
teórico, pois Tordesilhas não teve seu meridiano demarcado. Era uma
incógnita saber o que cada Reino estava ganhando na partilha. De certo
só as constantes pendências fronteiriças nas colônias que se arrastaria
por séculos (TAVARES, 1995: 30).
Sobre
o texto do Tratado vale citar as seguintes cláusulas (COSTA, 1979:
79-80):
2º: O
que fora descoberto por Portugal até a data da celebração do Tratado,
ilhas e terra firme, a nascente da dita linha, quer para o norte, quer
para o Sul de Cabo Verde, como o que se poderia a vir descobrir,
pertenceria a Portugal.
3º: A
partir daquela data os dois países não mandariam navios seus a
descobrir, contratar, resgatar ou conquistar na zona reservada a outrem.
4º:
Se, porém, navios castelhanos ou portugueses, navegando na zona
reservada a Portugal ou a, efetuassem qualquer descobrimento,
entregá-lo-iam logo ao outro contraente.
O
Tratado de Tordesilhas era claro, não deixando brechas para as partes
reivindicarem a quaisquer dos direitos abolidos anteriormente. A partir
do reinado de D. Manuel I, Portugal, não satisfeito em abrir caminho
para as Índias, estabelece seu monopólio para o Atlântico Sul com a
chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral ao Brasil (TAVARES, 1995:
32).
As
incursões marítimas desenvolvidas por Portugal no Atlântico Sul ao longo
do século XVI se desenvolveram, num primeiro momento, em torno da
manutenção do monopólio comercial que se estabelecera entre Portugal e o
Oriente devido à ação empreendedora do Estado português na rota de
chegada às Índias, feita pela costa africana e pelo Cabo da Boa
Esperança. Este monopólio é resultante, em parte, do pioneirismo
lusitano no processo de expansão marítima, no qual é evidente o foco em
torno do Atlântico, mas, no entanto, tendo o Índico como a força
propulsora da economia portuguesa daquele momento (ALENCASTRO, 2000:
15):
Ao
contrário do sucedido no Atlântico, a presença portuguesa tem um impacto
amortecido nas margens do Índico. Ali, os europeus buscam se apropriar
de zonas devassadas por mercadorias árabes de Oman e indianos
islamizados do Guzerate, importante região têxtil. Durante décadas a
coroa procura drenar esse comércio para as águas lisboetas, através da
rota do Cabo. Tal política dá lugar a desencontros entre a Metrópole e
os portugueses da Ásia, os quais, atrás de negócios da China, navegavam
por vezes 'contra vento, contra monção, contra maré e contra razão',
como escrevia o autor de
Peregrinação
(1614).
Entretanto, enveredar para o Atlântico não se limitava em buscar o
comércio lucrativo com o oriente, mas envolvia também o estabelecimento
de uma dominação colonial, que servisse de suporte à rota do Cabo. Isto,
pois atividade já começava a apresentar sinais de rompimento. Luís
Felipe Alencastro mostra como se caracterizava, por forma fraudulenta, o
agir perante o rei (ALENCASTRO, 2000: 16):
Em
razão da opulência indo-asiática, e das possibilidades de enriquecimento
que o contrabando e o comércio regional ofereciam aos oficiais d'el-rei,
a administração portuguesa cai no destrambelho. É precisamente em Goa
que Diogo do Couto escreve O soldado prático (1593), obra-prima do
ceticismo histórico lusitano, no qual são denunciadas as fraudes dos
funcionários régios: em 'nenhuma parte é o rei [de Portugal] obedecido
menos que na Índia'. Contudo, mesmo se dispusesse de fartos meios navais
e da 'integérrima honestidade' de seus funcionários, Lisboa não lograria
substituir mouros e gentios nos circuitos indo-asiáticos de comércio.
Desde logo, em meados do Quinhentos irrompe um racha no Império do
oriente: 'O complexo econômico luso-oriental opõe-se doravante aos
interesses de Lisboa e da rota do Cabo'.
Dada
tais dificuldades, o trato asiático entra em período de declínio.
Entretanto, faz-se necessário um redirecionamento do foco da economia
portuguesa, e disso resulta uma maior valorização das colônias. Assim,
são tomadas medidas a desenvolver o povoamento e valorização desse
Território. No Brasil, criam-se as capitanias hereditárias, concedidas a
donatários com o propósito de colonizá-las. A afirmação mais incisiva do
governo central através dos donatários mostra uma transformação na
composição econômica. Passava-se de uma “economia de coleta, baseada no
trabalho indígena e no corte de pau-brasil, para uma economia de
produção fundada nos engenhos de açúcar e no escravo africano”
(ALENCASTRO, 2000: 20).
Outra
realidade importante nessas incursões lusitanas na primeira metade do
século XVI é a importância dos portos. Lisboa assumia, neste início do
século XVI, uma importância significativa pelo seu papel cosmopolita.
Além de esquematizar o projeto monopolista e colonizador, seja na sua
relação com Luanda, com Salvador ou o Rio de Janeiro. O porto de Luanda,
caracterizado principalmente pelo fornecimento de mão-de-obra escrava.
Além
das exportações de marfim para a Europa e a Ásia, e de ouro para “Goa,
Guzerate e Canará” (ALENCASTRO, 2000: 17), os portos do Brasil assumiam
sua importância na medida em que eles passavam a receber grande parcela
do tráfico de escravos africanos, e também por servir como apoio
logístico para as navegações em direção à África, ou as Índias.
Inclua-se aqui a melhor navegabilidade do Atlântico, seguindo mais
próximo a costa brasileira a fim de evitar “mares que lhe comiam os
navios”, algo comum na navegação próxima a costa da África, como a rota
seguida por Bartolomeu Dias.
Pesando na rota de Vasco da Gama, pode-se observar que (DOMINGUES,
2002):
Vasco da Gama pôde evitar a rota seguida por Bartolomeu Dias, que
progrediu penosamente ao longo da costa ocidental africana contra ventos
e correntes que lhe eram adversos. Fazendo uma grande volta no mar, que
aproximou a armada da costa do Brasil, Gama contornou os ventos gerais
ou alíseos tirando partido do velame redondo das suas naus, adequado
para navegar com vento pela popa. Como acontece amiúde na navegação à
vela, uma rota mais longa no espaço torna-se mais curta se for
percorrida com vento favorável.
[1]
Daí,
portanto, a importância do ponto estratégico de navegação para a
exploração não somente da colônia brasileira, mas também para os
negócios com a África, principalmente no que tange às relações entre
Angola-Brasil-Lisboa na manutenção do tráfico negreiro.
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A ciência das navegações portuguesas |
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Contrariamente a uma ideia mais ou menos generalizada, nenhum navio a
vela pode navegar contra o vento. Para se deslocar na direção de onde
sopra o vento, a embarcação terá que navegarem zigue-zague.
Tecnicamente, isso acontece quanto maior ou menor o ângulo com o vento,
e o quanto as velas e o barco permitam. Um navio de vela latina[2]
podia navegar melhor em ziguezague do que um navio com velas redondas.[3]
A
razão deve-se ao fato das torres das velas redondas terem o seu
movimento limitado devido à presença dos cabos que seguram o mastro.
Como tal, o ângulo com que a vela pode receber o vento é sempre menor do
que aquele no sentido ao longo do barco. Esta é a justificativa pela
qual uma caravela portuguesa podia andar contra o vento, além de ser uma
embarcação normalmente mais leve do que as naus e os galeões espanhóis.
Chamada de navegação “a bolina”,[4]
ainda usada nos barcos a vela no Brasil (HOUAISS, 2010). Por definição,
navegação a bolina é aquela
efetuada com o vento de viés,
ou seja, com menos de 90º relativamente à proa do navio.
Os
navios portugueses tinham que se afastar muito da costa europeia,
fazendo a volta perto dos Açores. Com o uso de uma caravela, ao invés de
um navio de pano redondo, esse afastamento seria um pouco menor. Quanto
mais fechada fosse “a bolina”, maior seria o abatimento – ângulo entre a
proa e o rumo.
No
trajeto entre Cabo Verde e o Cabo da Boa Esperança também os navios
navegavam desta forma até atingirem uma latitude próxima ao Cabo. Nestas
circunstâncias, o afastamento da costa ocidental africana era enorme e
passavam, inclusive, muito próximo da costa brasileira. Fato que pode
ter levado ao descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral.
Na
técnica de navegação contra o
vento, a vela era (e ainda é) colocada de modo que o seu plano divida
aproximadamente em partes iguais o ângulo formado pela direção do barco
e a direção do vento. O vento empurra a vela sempre segundo um ângulo
perpendicular ao plano que ela define (BARROS E SÁ, 2007: 4-14).
Pelo entendimento da Física, a força do vento pode ser decomposta em
duas componentes: uma força que obriga o ar a deslocar-se ao longo da
vela (abaixo,
em verde),
e outra que é a que exerce pressão sobre a vela (em
azul claro).
A resistência da água impede que um barco se mova lateralmente, o que é
necessário para a navegação a bolina, além de o barco ter que avançar na
direção da sua proa. Para que isso aconteça o uso empírico da
distribuição das forças sobre a vela, e o próprio barco, teve que ser
desenvolvida.
O funcionamento básico da técnica das navegações (BARROS E SÁ, 2007:
4-14) iniciava com uma força exercendo pressão sobre a vela (azul
claro, abaixo),
decomposta em duas componentes: a força que tenta deslocar o barco
lateralmente, mas apenas consegue incliná-lo para o lado (seta ou vetor
em preto);
e outra força que efetivamente faz o barco avançar (azul
escuro). Assim, a maior
parte da força do vento (verde) faz simplesmente com que o mesmo “deslize” pela vela, saindo pela
parte de trás. Nota-se que apenas uma pequena parte (azul
escuro) faz com que o barco navegue como na época dos antigos navegantes
portugueses (BARROS E SÁ, 2007: 4-14).[5]
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A
obra de Johannes de Sacrobosco (1195 – 1256) mais divulgada e usada nas
navegações (entre outras) foi o “Tratado da Esfera”, o compêndio de
astronomia e cosmografia mais usado do século XII ao século XVII
(CARVALHO, 1982:
70-73).
Era
uma espécie de manual, contendo as definições, já bastante difundidas,
da esfera celeste, dos pólos e eixo do mundo, tal como a sua possível
forma. Além dos vários círculos traçados na esfera celeste – horizonte,
meridiano, verticais – usados na astronomia; o nascimento e ocaso dos
astros; a desigualdade dos dias e das noites e as sua variações com a
latitude e a época do ano; os movimentos dos planetas segundo as ideias
de Ptolomeu; as causas dos eclipses do Sol e da Lua. O sucesso do livro
deveu-se, essencialmente, a forma como os assuntos estavam redigidos, de
maneira concisa e simples. Acessível não apenas a uma população mais
letrada como também podiam ser usados por quem tivesse o mínimo de
escolarização (CARVALHO,
1982: 70-73).
A ruptura epistemológica da Revolução Científica, mesmo que tímida, como
escreve Barradas, chegou a Portugal, e personagens como Duarte Pacheco e
Mestre João não são desconsiderados pela História das Ciências.
Com
isso o reino de Portugal e Algarves lança-se ao Mar Atlântico em uma
expansão ultramarina desde inícios do século XV com a Conquista de
Ceuta, e praticando a navegação de cabotagem pela costa africana. Assim,
conquista a porção oeste deste continente. Portugal tinha domínio da
navegação, das cartas náuticas, e a criação das caravelas contribuiu
para o pioneirismo e domínio português no Atlântico.
A
chegada na “Terra de Vera Cruz”, aproveitando-se da corrente
subequatorial e sua bifurcação mais ao sul, a corrente do Brasil, com
localização estratégica dos portos de Salvador e Rio de Janeiro, mostra
o conhecimento português de questões científicas essenciais para a
navegação. Levaram ao domínio português do Atlântico Sul, apesar das
dimensões continentais da nova colônia portuguesa. Na costa brasileira
aparecem vários tipos de correntes, muitas vezes antagônicas entre si,
ao ponto da colônia ser dividida econômica entre o “Estado do Brasil e o
Estado do Maranhão” devido à velocidade da correnteza das Guianas, esta
que compreende a faixa de terras do Rio Grande de Norte até o Amapá
(ALENCASTRO, 2000: 59). Os Estados compreendidos nesta faixa de terra
não tinham comunicação direta com a capital Salvador, devido à
impossibilidade de transpor esta correnteza com a tecnologia da época.
Era necessário fazer uma escala em Lisboa, para poder pegar a corrente
subequatorial e chegar ao destino.
Muitas vezes, era preferível adentrar o sertão, infestado de tribos
indígenas hostis, clima desfavorável, do que enfrentar a corrente das
Guianas. O mesmo ocorre ao sul, em Salvador e no Rio de Janeiro. O
regime de correntes no Brasil impedia que as caravelas navegassem ao
norte da colônia. O ponto estratégico da costa brasileira sem dúvida era
a região hoje conhecido por Pernambuco. Ali a corrente subequatorial se
divide com a formação de uma corrente ao norte, das Guianas, e outra
mais ao sul, do Brasil. A Holanda tentou dominar estas terras devido a
sua importância, pois esta região é “a entrada de duas rotas
estratégicas para os ataques contra o Império Filipino: a das Antilhas e
a que descia pela costa brasileira” (ALENCASTRO, 2000: 59-60).
Apesar das dificuldades encontradas na costa brasileira, a travessia
entre Brasil e Angola era muito tranquila, devido “a continuidade da
corrente do Brasil, da deriva Sul - Atlântica, da corrente de Benguela e
da corrente subequatorial. No giro – ao inverso dos ponteiros do
relógio...” (ALENCASTRO, 2000: 61-62). Como a navegação entre Brasil e
Angola acontecia com muita facilidade, a navegação lusobrasileira foi
essencialmente uma navegação com características transatlântica.
Relacionando a dificuldade encontrada na navegação costeira brasileira e
a facilidade encontrada na navegação Brasil-Angola, o padre Antonio
Vieira faz uma interpretação deste fenômeno como algo divino no seu
“Sermão XXVII”: a “transmigração, o transporte contínuo de angolanos nos
mares do Atlântico Sul, permitia por especial misericórdia de Nossa
Senhora do Rosário, que eles fossem levados à América portuguesa para se
salvarem do paganismo africano” (ALENCASTRO, 2000: 63). Como se observa,
a facilidade nas rotas do tráfico negreiro foi um fator que ajudou a
legitimar a catequese dos infiéis.
Enquanto para Portugal a nova terra Brasil não apresentava maior
significado nos primeiras décadas, o mesmo não se pode dizer em relação
a outras nações européias. Os franceses, sobretudo, serão atraídos pelo
pau-brasil em virtude de suas qualidades tintoriais, fundamentais para
as manufaturas têxteis da França. A atenção dos estrangeiros foi também
despertada devido à facilidade do contrabando. Diante da presença
estrangeira, que pode ser entendida como um reflexo da rivalidade entre
as potências absolutistas da época moderna pelas rotas comerciais e
pelas áreas fornecedoras de produtos destinados ao comércio, Portugal
organizou expedições com a finalidade de patrulhar o litoral, como é o
caso das expedições de Fernando de Noronha, Gonçalo Coelho, Cristóvão
Jacques, entre outros. Sempre a partir de uma gama de conhecimentos
técnicos adquiridos ao longo de décadas de navegação.
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Conclusão |
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A expansão ultramarina que se iniciou para resolução de necessidades
prementes em função das inúmeras crises ocorridas no contexto europeu e
português durante o século XIV passou a ter outros objetivos durante o
seu transcurso, já que os sucessos foram se acumulando ao longo de sua
evolução. Isto fez com que as Coroas fossem cada vez mais se
consolidando no poder, afastando o fantasma dos senhores feudais,
ganhando experiência nas rotas marítimas, na melhora da construção de
suas embarcações, atingindo, ao final do século XV, o objetivo de chegar
as Índias ocidentais.
As conquistas territoriais foram inúmeras, desde o início da empreitada
até a chegada às terras brasileiras na margem oeste do Oceano Atlântico,
e Portugal passa a ser o país senhor das navegações, dominando as rotas
marítimas e se localizando em pontos estratégicos dos dois lados. Fato é
que uma grande conquista havia sido feita e um processo colonizador se
iniciara nas terras brasílicas, o que posteriormente seria um dos
pilares da economia portuguesa.
Podemos concluir que o processo de Expansão Ultramarina de Portugal foi
um verdadeiro sucesso, atingindo objetivos que talvez tenham sido
superiores às ambições iniciais da Coroa portuguesa. Uma grande expansão
territorial, comercial e religiosa foi alcançada.
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Referências |
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ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O
trato dos viventes:
Formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII.
São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BARROS E SÁ, Nuno. Física
elementar da navegação à vela. Sociedade Portuguesa de Física, vol.
30, nº 2, 2007.
Em http://nautilus.fis.uc.pt/gazeta/revistas/30_2/vol30_2_Art01.pdf,
acesso em 20 de abril de 2013.
CARVALHO, Joaquim Barradas. Rumo
de Portugal: a Europa ou o Atlântico? 1ª Ed.
Lisboa: Horizonte, 1982.
CORTESÃO, Jaime. A carta de Pero Vaz de Caminha.
In: GASMAN, Lydinéa.
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WEHLING,
Arno & WEHLING, Maria Jose C. M. Formação do Brasil colonial. 2a edição. Rio
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Notas |
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[2]
Isto é, velas que envergam no sentido longitudinal da caravela.
[3]
Velas que envergam no sentido transversal da nau.
[4]
O termo “bolina” também é oriundo de cada um dos cabos de
sustentação das velas, destinados a orientá-las, de modo a receberem
o vento obliquamente.
[5]
Imagens do sítio
http://nautilus.fis.uc.pt/gazeta/revistas/30_2/vol30_2_Art01.pdf,
acesso em 02 de abril de 2013.
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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