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		o ciúme corroía-lhe as paredes do estômago. não, não tenho ciúmes!... 
		 
		dizia-o sem pensar.  
		mas... doía 
		muito.  
		doía no estômago e no ruído ensurdecedor da verdade. 
		ah!... o ciúme...  
		o ciúme é como um homem cansado.  
		o ciúme tem barba e cabelos brancos  
		e  
		senta-se muitas vezes na estação de caminhos de ferro.  
		um dia ainda morre triturado sobre os carris. 
		  
		  
		  
		tudo podia começar assim, mas não.  
		a cena representa um espaço rectangular flanqueado por enormes lápides, 
		alinhadas e apoiadas sobre um muro lateral... não demasiado alto. 
		 
		as da esquerda, brilhantes e metálicas;  
		as da direita, de um leitoso branco marmóreo. 
		no passeio central, fragmentos de ossos e uma cadeira onde estou sentado 
		a fumar este cigarro 
		há um jornal no chão.  
		já o li.  
		esse jornal possui o gérmen da luz...  
		é uma semente que, para frutificar... terá de morrer.  
		  
		só depois direi: 
		  
		o ciúme corroía-lhe as paredes do estômago. não, não tenho ciúmes!... 
		 
		dizia-o sem pensar.  
		mas... doía 
		muito.  
		doía no estômago e no ruído ensurdecedor da verdade. 
		ah!... o ciúme...  
		o ciúme é como um homem cansado.  
		o ciúme tem barba e cabelos brancos  
		e  
		senta-se muitas vezes na estação de caminhos de ferro.  
		um dia ainda morre triturado sobre os carris... 
		  
		que digo eu...? 
		pois...  
		o ciúme.  
		na última vez que sentiu ciúmes confessou-me uma história intrigante. 
		uma história que adiantou o meu relógio 
		  
		não me deixou dormir. 
		  
		as histórias que me conta resvalam, sempre, por desejos escondidos. 
		 
		                                                       
		  
		               
		        
		profundamente escondidos. 
		são histórias sigilosas.  
		  
		são palavras em desassossego.  
		tremendas. 
		depois não.  
		depois passam-se dias e nada me diz. 
		melhor...  
		diz.  
		diz outras palavras que soam sem importância. 
		diz: 
		- daqui a bruxelas... quantas são as horas no comboio? 
		e 
		eu respondo sempre  
		ainda que não obtenha a resposta dos seus pensamentos. 
		ainda que as minhas palavras soem como um... 
		                                    
		 
		caer el rompecabezas en el suelo 
		  
		porquê o ciúme? 
		nem eu sei.  
		não.  
		acho que sei.  
		contei-lhe uma história passada. uma história minha... 
		intima. 
		intima como guarda-chuvas em êxtase profundo num qualquer quarto de 
		hotel. 
		  
		terá sido assim...? 
		terá sido por isso? 
		não. 
		talvez não. 
		  
		caigo 
		
		vuelvo a 
		
		caer incluso más fuerte que la vez anterior 
		miro  
		
		miro todo desde mi pequeña parcela de 
		
		suelo y... 
		  
		pergunto-lhe se me ama 
		e  
		a resposta vem como um jacto  
		como um  
		
		                                                       
		
		
		não
 
		vermelho. 
		depois tornou-se suavemente num  
		
		                                                       
		
		
		não
 
		azul. 
		ou terá sido verde? 
		  
		na sequência 
		veio um cigarro de pausa. 
		e 
		a fumaça disse-me que sim. 
		
		                                                       
		
		
		que me amava muito  
		como nos filmes. 
		então sonhei aquela noite de amor que escorregou de mim ao ritmo do 
		saxofone 
		  
		uma voz faz-se ouvir para dizer que o espaço está escorregadio e é muito 
		perigoso não seguir as indicações cénicas do senhor encenador 
		  
		ontem 
		corri ao longe apoiado na beata 
		ela 
		com o peito descoberto 
		
		                           
		
		
		conduziu-me a uma fonte rodeada de janelas  
		e 
		portas entreabertas. 
		agora  
		
		                           
		
		
		um ramo de flores com uma nota escrevinhada num papel. 
		pensei 
		repensei... 
		não. 
		não pensei 
		
		                           
		
		
		continuei rua abaixo 
		e 
		a minha memória voou como um planador entre montes e cavalos... 
		
		                                    
		
		
		por entre horizontes indeterminados. 
		  
		uma mulher passa, agora, à minha frente e deus desperta. a mão de deus 
		cresce do chão e uma voz rouca faz-se ouvir com violência: - pecadora! 
		cresci rodeado de selvas!... 
		a mão extingue-se num disparo. 
		  
		aqui é que fico imóvel. 
		a economia aperta  
		e  
		o forno não está para bolos. 
		  
		a hora é rápida e veloz  
		e 
		naquele banco com vista para a auto-estrada 
		                           
		 
		contemplam-se ausências 
		as possíveis 
		e 
		raios de sol cada vez mais frios... 
		  
		será grave? 
		                           
		 
		bom, não será. 
		cuando ames no me muerdas con sigilo 
		  
		para os noctívagos do virtual recomendamos a leitura da “geopolítica da 
		má fé” 
		a que consagra as premonições religiosas  
		uma espécie de auto-sugestão mediante repetição - mui próximo do 
		minimalismo espiritual. 
		li isto no velho “livro dos loucos” parágrafo 3 do capítulo 21 
		  
		perguntaram-lhe: 
		- que se sente ao viver com um lobisomem?  
		e 
		ela só disse:  
		
		
		 responder 
		é complexo. mas posso adiantar que:... 
		a minha beleza é um troféu  
		e 
		a minha carne...  
		foi a vitima ao largo da vida. mas 
		com ele é diferente 
		ele é solicito. educado. em tudo contrário a um perturbado. 
		 
		ele compreende, como ninguém, a minha tendência para o suicídio... 
		  
		
		foi 
		
		na cozinha 
		que encontrei uma formula para amar distancias curtas 
		
		                           
		
		
		estava no frasco dos alhos  
		no frasco do macarrão apenas uma mensagem:...  
		- quando amo  
		
		                           
		
		
		os colchões voam sobre a varanda 
		e 
		por entre os espelhos de narciso desenterras-me 
		é facto... 
		a percepção é já pensamento... 
		  
		porque no meio 
		há portas  
		  
		só no regresso  
		se solta a curiosidade 
		e 
		remiro a nota. 
		
		                           
		
		
		que diz...? 
		não consigo ler.  
		está escrita numa língua desconhecida 
		
		                           
		
		
		uma língua de lugar nenhum 
		
		                           
		
		
		uma língua...  
		suicidária.  
		caída de um edifício  
		
		        
		
		
		de muitos andares. 
		  
		agrada-me discursar sobre a colagem de objectos obstinadamente agregados 
		ao mundo  
		  
		hay un número que quiere decirnos algo 
		e 
		quando desperto entre bolas de sabão 
		
		                                    
		
		
		quando fico descalço 
		a minha natureza dificilmente percebe quão formosos são os seus longos e 
		saborosos... olhos 
		estou a falar 
		
		                                    
		
		
		dum breve olhar  
		
		                                    
		
		
		duma silhueta à luz de velas 
		
		                                     
		
		
		duma barriga farta de pecado 
		
		                                    
		
		
		de tragédias gregas onde os jardineiros dão corda aos seus relógios de 
		bolso 
		  
		a minha vida é como caroços de azeitona agitando-se na panela 
		deslizam lá dentro 
		
		                           
		
		
		mas continuam crus. 
		  
		saí de casa com a roupa que tinha vestida.  
		na mão, uma mala quase vazia. apenas um livro. não mais que isso. 
		 
		a humidade doía-me nos ossos.  
		então...  
		a luz da vela rompe as sombras e, com seu vestido de noite, veio até mim 
		 
		e 
		disse-me: - Só tu, para me fazer ficar.  
		  
		então resolvi quedar-me  
		
		         
		
		
		por ali.  
		         
		 
		cruzamo-nos à pressa 
		nas ruas  
		cada qual encerrando em si a incerteza  
		do princípio 
		e 
		do fim  
		  
		o sinal estava aberto 
		para todos 
		mas ninguém ousava atravessar 
		não se ouviam buzinas 
		reclamações 
		  
		a economia do fluxo nas vias  
		
		                  
		
		
		caracteriza-se pelo congestionamento estático e pelo sentido único 
		  
		
		e           
		 
		
		                  
		
		
		a clorofila? 
		
		                  
		
		
		o progresso? 
		
		                  
		
		
		o cheiro no nariz?  
		
		                  
		
		
		o gosto amargo na boca? 
		ah...! 
		
		                                              
		
		
		imagens que se escapam 
		para fora da janela 
		  
		com os cotovelos apoiados 
		         
		                 
		        
		num sonho  
		 
		  
		despertei 
		e 
		um calafrio sobrevoou os meus sentidos como um espanta-pássaros 
		um calafrio instantâneo apoderou-se do meu corpo 
		  
		um calafrio suicida  
		que se lançou do quinto andar num voo  
		
		                                              
		
		
		espectacular 
		de manhã 
		logo pela manhã... somos despertos pela novidade 
		o mundo não dorme 
		quando 
		ouço o mar nas minhas insónias  
		
		                           
		
		
		ao sabor de ansiolíticos 
		  
		assomei meio corpo pela varanda 
		e 
		vi um homem lançar-se da janela. 
		  
		
		                  
		
		
		não foi a primeira vez que fantasiei a minha própria morte. 
		  
		mas... 
		ninguém morre hoje 
		não é permitido. 
		a menos que atravessem a porta  
		  
		
		ninguém morre hoje... 
		  
		despertei às quatro da manhã 
		e 
		às cinco caiu o corpo. 
		morto. 
		  
		para me segurar pendurei-me no estendal com as molas da roupa 
		e 
		nesse instante imaginei-me...  
		  
		eu. 
		estatelado lá em baixo 
		
		                           
		
		
		na calçada. 
		  
		sim  
		com a sonolência perde-se o equilíbrio 
		e 
		caímos sete pisos... 
		
		                           
		
		
		ou algo assim 
		como se nos convertêssemos 
		
		                           
		
		
		de repente  
		
		                                    
		
		
		na imagem do nosso próprio funeral.  
		há um mar de dúvidas 
		dúvidas viúvas. 
		há um campo que irrita a pele...  
		então 
		só então   
		se perfilam os triciclos dispostos a regatear com senhoras de meia idade 
		 
		e...  
		  
		é. 
		posso dizer 
		
		                                    
		
		
		houve um tempo em que 
		desejei 
		
		                                    
		
		
		ainda desejo 
		
		                                    
		
		
		continuo a desejar 
		e 
		pergunto-me se aquele corpo não fantasiou a minha morte 
		 
		  
		o morto serei eu...? 
		não 
		
		                                    
		
		
		não fui eu quem saltou no vazio.  
		fui?  
		
		                                    
		
		
		nunca saberei o porquê de tal loucura... 
		 
		  
		matou-se? 
		ou 
		matei-me...?  
		desapareci deste mundo?...  
		  
		
		                                    
		
		
		confuso 
		
		                                    
		
		
		despedi-me da vida  
		e  
		
		                                    
		
		
		tomei o caminho do ascensor 
		ainda tive tempo para olhar o ramo de flores. 
		  
		antes  
		
		                           
		
		
		as flores cumpriam a sua função 
		  
		as flores mascaram o odor da decomposição dos corpos 
		mas ali não havia nenhum corpo 
		só uma suposta alma  
		e 
		frio. 
		  
		pois 
		
		                           
		
		
		as almas têm frio 
		
		                           
		
		
		as almas perdem-se no meio da rua como pássaros 
		como borboletas... 
		depois morrem 
		as almas morrem 
		as almas morrem 
		as almas morrem 
		as almas morrem 
		com a chegada do inverno 
		  
		cala-te!... 
		ela está ali 
		atrás da porta.  
		a ouvir-te  
		a seguir os teus movimentos... 
		não descola. 
		  
		não te deixes dormir 
		se adormeces... 
		ela mata-te com a faca da cozinha 
		e 
		os teus planos de suicídio voam 
		
		                           
		
		
		abrem espaço a um crime. 
		  
		crime...? 
		não. |