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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 38 | abril-maio | 2013
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ADELTO GONÇALVES
A sedução totalitária* |
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Adelto Gonçalves (Brasil). Doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade
de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira
(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).
E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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I |
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Por que o século XX foi um período tão propício a experiências
totalitárias? Sabe-se que Hitler, Mussolini, Stalin, Franco, Salazar,
Vargas e outros ditadores menos cotados ou conhecidos não chegaram ao
poder e muito menos governaram sozinhos, contando com o apoio não só de
grandes homens de negócios, que sustentaram as maiores ignomínias
praticadas contra seres humanos, em troca de interesses pessoais e,
muitas vezes, mesquinhos, como do homem comum, o das ruas, o
homem-massa, conforme o definiu o pensador espanhol Ortega y Gasset
(1883-1955).
Examinar a gênese do pensamento totalitário e as razões que o
levaram a encantar multidões foi o que motivou a XIII Semana de
Filosofia, realizada em 2010 na Universidade Federal de São João del Rei
(UFSJ), em Minas Gerais. São os 12 estudos apresentados durante esse
seminário que estão reunidos em
Poder e Moralidade: o totalitarismo e outras experiências antiliberais
na modernidade (São Paulo, Annablume/UFSJ, 2012), com apresentação e
organização do filósofo e psicólogo José Maurício de Carvalho, professor
titular de Filosofia Contemporânea do Departamento de Filosofia da UFSJ,
doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho, do Rio de Janeiro.
Em poucas palavras, os estudos revelam que o totalitarismo é
adversário do homem livre, ou seja, daquele que se percebe responsável
por seu destino histórico, que escolhe e é capaz de sustentar
responsavelmente suas opções, como assinala o professor José Maurício de
Carvalho na apresentação que escreveu para este volume. Isso não
significa que nos regimes ditos liberais não existam focos de
totalitarismo, como sabe muito bem quem já trabalhou em redações de
jornais e revistas e viu de perto grandes empresas e autoridades
públicas procurarem asfixiar a liberdade de pensamento à custa de
pressões econômicas. Sem contar que a chamada liberdade de imprensa
quase sempre é a liberdade do dono do jornal de publicar o que quiser,
mas não a do empregado jornalista.
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II
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Para o professor Selvino Antonio Malfatti, da Universidade
Federal de Santa Maria, do Rio Grande do Sul, o fenômeno totalitário é
uma experiência relativamente recente na história política do Ocidente e
constitui um desvio de rota da moralidade ocidental. Em seu estudo
“Moralidade e Política no Totalitarismo”, Malfatti diz que o fenômeno é
resultado da falência dos valores humanos e da descrença na capacidade
do homem de se organizar sozinho.
Essa é uma ideia muito antiga e que, ao final de 1797, por
exemplo, serviu para o intendente-geral de Polícia, Diogo Inácio de Pina
Manique, organizar uma sessão da Nova Arcádia na grande sala da Real
Casa Pia, no Castelo de São Jorge, em Lisboa, em homenagem ao
aniversário de D. Maria, em que o acadêmico Manuel Bernardo de Sousa e
Melo, presidente do encontro, defendeu “a solidez interna das monarquias
reais” e condenou “a fraqueza das fórmulas republicanas”. Dirigindo-se
ao príncipe regente D. João, o acadêmico dizia que “os homens não nascem
bons e, por isso, onde quer que vão levam consigo a depravação de
origem”.
Dizia mais: “Portanto, os
homens levarão consigo a depravação, a ambição, o ódio, a sensualidade,
o ciúme, a vingança; enfim, levarão as paixões, estes ímpetos
precipitados do nosso ânimo, estes monstros domésticos do nosso coração,
mais indomáveis que feras exteriores, pois, desenfreados e livres, não
respeitam outro direito que o da força nem conhecem outras virtudes mais
que as suas mesmas satisfações”. Era o que o intendente queria que o
príncipe regente ouvisse para justificar mais repressão, como se lê em
Bocage: o Perfil Perdido
(Lisboa, Editorial Caminho, 2003, p. 241), deste articulista.
Muitos anos mais tarde, do outro lado da Europa, em São
Petersburgo, um morador de um prédio que fica no cruzamento da rua
Koppuznetchny com a rua Dostoevskaia, antiga Iamskaïa, não muito
distante da igreja do Ícone de Nossa Senhora de Vladimir, escreveria que
“nada de grandioso se pode esperar do homem”, seguindo na mesma linha do
acadêmico Sousa e Melo. Esse
morador chamava-se Fiodor Dostoievski (1821-1881) e ninguém como ele
retratou com tanta fidelidade a humanidade em toda a sua miséria e
degradação.
Esse pensamento deve ter ficado na alma das gerações que os
sucederam. Se o Portugal joanino e o Portugal salazarista como a Rússia
czarista e a Rússia soviética eram países atrasados e com altos índices
de analfabetismo, a conclusão a que se poderia chegar é que constituíam
terreno fértil para a sedução do totalitarismo. Mas como explicar que a
Alemanha, já desenvolvida à época e com altos índices de alfabetização,
também se tenha deixado atrair pela insânia nazista?
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III
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Diz o professor Malfatti que, em troca da adesão, o totalitarismo
oferece uma ideologia que se propõe a explicar toda a vida da sociedade.
“Todos devem professar a ideologia como se fosse uma fé religiosa”, diz
o professor. “O ditador, rodeado de uma pequena parcela da população,
submete o resto. Para tanto”, diz, “cria um partido, único
evidentemente, dirigido por ele à frente de fanáticos seguidores. O
passo seguinte é instaurar um sistema de terrorismo policial que invade
e vasculha toda vida pública e privada dos indivíduos. O outro passo é o
controle dos meios de comunicação para que só a ideologia oficial seja
ouvida. Tudo isso permeado por ideais salvacionistas”. E acrescenta: “Os
líderes soviéticos no período stalinista e os chefes do nazismo estavam
imbuídos de que estavam cumprindo uma missão para a humanidade”.
De fato, durante a ditadura militar (1964-1985) no Brasil, uma
parte dos torturadores e de seus financiadores imaginava que estava
colocando o País a salvo da ameaça comunista, mas a maior parte fazia o
serviço sujo não só por sadismo e mau-caratismo como para se aproveitar
de vantagens pessoais e oportunidades que se ofereciam com o saque dos
despojos das vítimas.
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IV
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Já José Maurício de Carvalho e Vanessa da Costa Bessa, da UFSJ,
em “Totalitarismo e ética em Ortega y Gasset”, defendem que a recusa do
homem-massa em assumir a sua vida é o sangue que impulsiona os governos
totalitários que a Europa produziu no século passado. Para os autores,
as ideias de Ortega y Gasset ainda permitem entender o fenômeno, embora
o mundo de hoje seja outro e pior, pois assolado por violência urbana,
pelo crime organizado associado ao tráfico de drogas, fanatismo
religioso convertido em terrorismo e ameaças de desequilíbrio ecológico.
Seja como for, para os autores, continuamos a viver um tempo de
massas, tal como definiu Ortega y Gasset. Por isso, dizem, os riscos de
nos depararmos com novas propostas totalitárias não estão afastadas de
todo enquanto a responsabilidade com a construção do futuro não for
retomada e o medo da liberdade não for vencido. “O risco é real porque
poucas vezes na história humana os Estados Nacionais possuíram
informações e controles tão completos da vida de seus cidadãos”,
acrescentam.
Pior ainda no Brasil de hoje em que se vive uma época de
desmoralização da representação parlamentar, tal qual na Espanha
pré-franquista. E essa desmoralização se dá pelos muitos parlamentares,
que, em troca de vantagens pessoais e de grupos, acabam virando
despachantes de contraventores, facilitadores de grandes negócios à
custa do erário público – aliás, desde os tempos coloniais, o caminho
mais fácil para o enriquecimento rápido. Desmoralizado o Parlamento, o
caminho fica aberto à tentação totalitária. Eis aqui bem depositado o
ovo da serpente.
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PODER E MORALIDADE: O TOTALITARISMO E OUTRAS EXPERIÊNCIAS ANTILIBERAIS
NA MODERNIDADE,
de José Maurício de Carvalho (organizador). São Paulo:
Annablume/Universidade Federal de São João Del Rei (UFSJ), 232 págs.,
2012, R$ 40,00. E-mail: dfime@ufsj.edu.br Site: annablume.com.br
(*) Texto publicado na Revista
Estudos Filosóficos, do Departamento de Filosofias e Métodos da
Universidade Federal de São João del Rei-MG, nº 9, 2012, p. 171-173.
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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