Armazém
Um
riso
simples se houver
um
clarão de encosta dourada
Um
varrimento um provador
deste sabor que descubro
E
não acho designação
são
considero nem conjecturo
É
tudo antigo e novo
Preciso de colher
sem
exame
Indo de casta em casta
findo inebriada
E
só preciso disto
do
que fica em sumo
a
inteireza do espaço desabitado
brutalmente expandida
O
meu mosaico é o teu sossego
Estou em armazém.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Prelúdio
Este prelúdio
folhas passas cascas de pêssego
Meto um bago à boca
nas
noites de lareira acesa
Noite lá fora
uma
escuridão de socalcos
bichos revolvendo o mosto
do
pensamento
À
cabeça vêm capões
Acender o meu lume este instante
Chego do palco negro
aconchego-me
trinco rosários de figos
Enquanto não abrem valados
no
meu corpo.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Cais
Deslocam-me no cais
as
embarcações do tempo
Fico parada num ranger
de
espaldas e marinhagem
no
ar atordoado das pedregosas
onde medra o generoso
Rogam-me
vasilhas de versos vinhateiros
enquanto meteorológico
Dionísio celebra
a
singularidade
A
vindima é uma mulher bacante
de
mão decidida na anca
ofertando cachos de uvas.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Relevo
O
ritmo dos movimentos
o
olhar soalheiro
É
com ele que me alinho na marcha
com
gigos ao alto das costas
Será talvez o que suspende a tecnologia
talhado para a prova dura
sob
a erupção
Em
exercício sensual
desgovernado assoma
à
varanda das montanhas
Do
balcão assiste
à
labuta das mãos
Um
fio de suor
escorre das órbitas.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Magnitude
Assim os meus nervos
em
socalco nos veios
Assim o cingir da pulsação
no
vestido que aperta
Ergue-se a Suprema
a
que no “Reino” fortalece
a
fragilidade dos pulsos
Uma
arquejante
prece em vitral
corre sem vidraça
vegetação adentro
Ecoa no xisto argiloso
nos
muros navalhados
A
tórrida tarde pede chuva
o
éter a doçura
Xarope e frutos libertados
É
no desprendimento que fica sulcada a magnitude.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Engrenagem
A
vinha é uma máquina
na
labuta dos dias
Na
engrenagem há gente faminta
enterrando ervas daninhas
O
bago é o sangue
na
boca do lavrador
enquanto a sinistra
lhe
faz sombra
e
lhe revolve os molhos de junco
Pensamento moscatel ainda trincado
por
essa corja de gente governante.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Electrifico-me
Electrifico-me
nos
passos na curva incerta
Choque entre agulhas – veias –
-
caminho de ferro rumo a ti
Estremeço onde o sono me tem
na
paragem
da
ausência
Depois acordo dentro da vitrine
Século – tentáculo cujas pernas
se
lançam para o exterior
em
surto de ramos luminosos
onde as aves caem
electrocutadas
Grito
Eco
– sede – ferida
nesse teu voo alucinado
Vens em sonora
água em derrame
sobre o fumo
Voas sobre a fuligem deste tempo
onde te perco.
As
minhas mãos
Em
concha as minhas mãos oferecem
o
sabor da titânica
paisagem de ranchos
vindimadores numa estreita
dádiva
água criadora
serros montes encostas vales
terra lavrada
As
brancas casarias avistam
o
labutar dos membros
os
rebanhos a chocalhar
ermas fora
O
rio abre um sulco navegante
que
se ergue em cachões difíceis
como estes braços
vergastando machos
que
equilibram canastros
recalcados de uvas
onde poisam abelhas
pelo melaço.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Villa Regula
Queria mostrar-te
este universo
montanhas vinhedos colheita vinho
Queria que sentisses nos dedos
árvores grainhas cestos bagos
e
nos pés a textura
a
húmida embarcação
Vejo-te neste território
orquestra e viuvez
reciclada dos frutos
Entre palavras a faina matinal
a
terapia do folclore
ou
a forma como se reciclam misérias
Queria mostrar-te a cereja
do
país do vinho
É
aqui
no
colo sulcado
que
escrevo navegante.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Suspensão
Suspendemos o jardim
onde nos deixámos
como estátuas brancas
Suspendemos o brinco - de -
princesa
a
escultura da noite
Resta-nos a água dourada
nascendo correndo desaguando
A
transparência
com
que nos vemos
submersos
Há
um maremoto
na
fenda húmida
de
mármore.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
A
turba
À
memória do grande poeta e amigo António Cabral
A
turba engole-me em sentidos
Pela manhã o disco referve
A
minha antefebre esta volúpia
de
aromas e cores
Vejo-me do arco
Dizes-me
para que me debruce na minha vez
e
não escorregue na vertigem
Silencio-me
Deixo
que
o Douro exale
A
minha circunstância
é
ser assim.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Douro
Douro não fiques
serpente de rio entre montanhas
A
tua gente é o teu sopro
e o
sopro canto continuado
entre terra burilada
Duro em cantadas sílabas
rotação pronúncia
vibrato
És
coro de moléculas
sangramento de memória
danada.
(in
“Castas” – Q de Vien Cadernos de A Porta Verde do Sétimo Andar)
Tequilha
Bebo uma tequilha de Frida
neste dia de finados
O
chão treme, a segurança é termos um ninho na árvore
mais recolhida da indústria
Passa um mendigo esfarrapado que pára de cantar
Happy Birhday, fiéis defuntos!
Quero confraternizar com as feridas
Num
danzón no salón México!
Anoitece no passeio dos olhos de fumo
Tiro a roupa. espero não regressar à realidade
Aqui morro com marimbas, despida.
Que
me lancem, sôfregos versos,
os
vagabundos invisíveis de Mictlán.
(inédito -2013)
Amália transversal
Mais aceso é o poema na máquina vocal
quando cantado.
A
ardente esvoaça no palco, onde resgatamos o instante do destino, em
retrato
A
fortaleza com que nos amacia entranhas docemente. o som vai crescendo
com
o despontar da lágrima contida. já sem palavras. só o timbre
Dentro, uma harmonia triste
Fado da lonjura - nevoeiro dos mortos e dos que ainda respiram nos
faróis
Saudade - as horas sagradas, as da escuta. amarramos o horizonte
à
crença nessa estirpe inatingível que voltará a erguer-se
como a voz, uma vez dormida ou embriagada
na
sua poética de projecções
Navia olhará por nós, na correnteza das águas. a melodia transborda
a
força dos versos na manhã clara
O
povo sempre cantará.
(inédito – 2013)
Commodore
É
de Commodore que vamos
rente ao abismo
trilho nas mãos que fundem
ferro e fogo
Acendemos néons
inutilidades
Seguimos, ávidos de percurso
Há
tenebrosos
Olhos na chuva que se projectam
Cansaços, sombras que toldam a corrida dos pássaros
enquanto da janela, em edição limitada
passa a história
que
avisos nos fazem dos entroncamentos
das
árvores que caem e dos desvios
e
daqueles que saem calados
e
dos que mais não falam, sentados na bruma?
Não
nos avisam onde fica
a
estação mais próxima:
Desistir
(inédito -2013)
Estrondo
O
estrondo não me provocava
As
palavras ouvidas de encontro às portas
ou
os instantes transpirados
estariam em menos de sete minutos na sala à direita
transformada em passagem
frincha dos olhos
Decidira percorrê-la, apesar da névoa
do
grito lancinante a corrigir silêncios. entre nervos
apiedava-me da lisura quotidiana
Cada vez mais me sufocaria
a
infinita ausência.
(inédito -2013)
Desbravamento
Em cada passagem um desbravamento
mais do que mistério
ou ritual
Em cada
transformação um sopro
mais do que passo
mais do que tempo
Que se brinde
ao Desconhecido
que trazemos dentro
que se brinde ao mover dos lábios
rente ao cálice,
revolucionário amor.
(inédito, 2013)
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