Gótico americano
baseado na pintura de Grant Wood, 1930
Logo fora da moldura
há de certeza um cão
frangos, vacas e feno
*
e um defumadouro
onde
usando nogueira um
presunto
está a ser conservado também
*
Aqui para sempre
os contornos da janela gótica
levam a imaginar o esqueleto
*
da casa
os dentes do forcado
repetem o triunfo
*
do seu macacão
e à frente e ao centro
as faces longas, os lábios
sóbrios
*
encimando as colunas direitas
deste casal
preso em nome da arte
*
Estes dois
com o sol alto assim
já
*
deviam estar
a tratar das suas coisas
no tempo dos mortais
*
Em vez disso permanecem aqui
no tecido paciente
das vidas que teceram
*
ele interrogando
silenciosamente o artista
quanto tempo mais
e preocupado com as colheitas
*
ela igualmente preocupada
mas pensando mais agora mesmo
se se lembrou
*
de desligar o fogão.
Quinta ao meio-dia
Passei casualmente
pela minha mãe a almoçar
toda bonita com a sua camisola
amarela.
*
Sentei-me
à mesa dela.
Vira-a
dois dias antes
*
mas desta vez
creio
que a surpreendi
- cedo de mais
para outra visita
*
semanal.
Apareceste
de lado nenhum!
disse
*
depois perguntou-me, sorrindo:
Que tens andado a fazer
estes anos todos?
Não soube que responder.
É exactamente
a mesma pergunta
que tenho posto a mim próprio.
*
Cicatrização
As lágrimas do céu
a correrem pela superfície da
Terra
limpando a ferida de ontem
para revelar amanhã
*
Hoje choveu
e
o sofrimento desapareceu
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