REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 36-37 | fevereiro-março | 2013

 
 

 

 


JOHN STONE

Poemas


Tradução de Francisco Craveiro

John Stone (1936-2008), poeta, ensaísta e cardiologista americano. Foi Professor de Medicina na Emory University School of Medicine.
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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3 para a Mona Lisa 

1 

Não é o que ela fez

às dez horas

ontem à noite 

*

explicação para o sorriso 

*

É

que ela  tenciona

repeti-lo 

*

esta noite. 

2 

Apenas a boca

sempre

todos esses anos 

*

reveladora. 

*

3 

Não é exactamente

a boca 

*

também não são exactamente

os olhos  

* 

nem mesmo é exactamente

um sorriso 

*

Mas, seja o que for,

eu apoio a proposta 

   
 
  Edward Hopper, Early Sunday Morning
 

 

Manhã cedo de domingo 

Algures no quarteirão a seguir

talvez alguém esteja a estudar flauta

mas não aqui 

*

onde as entradas

das quatro lojas estão na escuridão

os toldos enrolados 

*

tudo fechado para o negócio

Ao longo do primeiro andar

dez janelas sem rostos 

*

Mais perto de nós

o anúncio de uma barbearia, uma boca de incêndio

como se pudesse voltar a haver 

*

cabelos para cortar

incêndios para apagar

E  longe, baixo ainda 

*

no Nascente imaginado

o sol pontual

mais uma vez 

*

aumentando o vermelho chinês

do edifício

apesar das outras cores 

*

Não acredito

que o dia

vá ser quente 

*

Penso que foi

num dia igual a este

é numa manhã igual a esta 

*

que todos os Edward Hopper

acabam, pousam o seu pincel

*

como a dizer 

*

Tão importante

como o que está

a acontecer 

*

é o que não está.

   
 
  Grant Wood, American Gothic
   
 

Gótico americano 

baseado na pintura de Grant Wood, 1930

 

Logo fora da moldura

há de certeza um cão

frangos, vacas e feno 

*

e um defumadouro

onde  usando  nogueira um presunto

está a ser conservado também 

*

Aqui para sempre

os contornos da janela gótica

levam a imaginar o esqueleto 

*

da casa

os dentes do forcado

repetem o triunfo 

*

do seu macacão

e à frente e ao centro

as faces longas, os lábios sóbrios 

*

encimando as colunas direitas

deste casal

preso em nome da arte 

*

Estes dois

com o sol alto assim

 

*

deviam estar

a tratar das suas coisas

no tempo dos mortais 

*

Em vez disso permanecem aqui

no tecido paciente

das vidas que teceram 

*

ele interrogando silenciosamente o artista

quanto tempo mais

e preocupado com as colheitas 

*

ela igualmente preocupada

mas pensando mais agora mesmo

se se lembrou 

*

de desligar o fogão. 

 

Quinta ao meio-dia 

Passei casualmente

pela minha mãe a almoçar

toda bonita com a sua camisola amarela. 

*

Sentei-me

à mesa dela.

Vira-a

dois dias antes 

*

mas desta vez

creio  que a surpreendi

- cedo de mais

para outra visita 

*

semanal.

Apareceste

de lado nenhum!

disse 

*

depois perguntou-me, sorrindo:

Que tens andado a fazer

estes anos todos?

Não soube que responder.

É exactamente

a mesma pergunta

que tenho posto a mim próprio. 

*

Cicatrização 

As lágrimas do céu

a correrem pela superfície da Terra

limpando a ferida de ontem

para revelar amanhã 

*

Hoje choveu

e  o sofrimento desapareceu

 
 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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