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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 36-37 | fevereiro-março | 2013
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LUÍS ESTRELA
DE MATOS
Nas trilhas do contemporâneo:
Paulo Leminski
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Luis Estrela de Matos
(Portugal/Brasil). Ensaísta, poeta e professor universitário.
E-mail:
estrematos@yahoo.com.br
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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A poesia
contemporânea brasileira passa bem sim, obrigado. E esse estado de saúde
se deve a alguns cuidados que ela vem tomando já há um tempinho. O seu
organismo vem apresentando sinal de resistência e também um
esforço distraído, de presença
diferenciadora, no cenário atual de tanta repetição, tanta cabana, tanto
monstro e tantos coelhos e auto-ajudas. Verdade seja aqui registrada: o
público leitor de poesia, se
por um lado foi se tornando mais escasso ao longo do século XX,
por outro vem se impondo de maneira singular e mais exigente. No caso
brasileiro, que é o que nos interessa aqui, alguns tópicos precisam ser
levemente apontados, como por exemplo o grande divisor de águas que foi
a experiência concretista dos anos 50. Também a poesia marginal dos 70,
juntamente com a irreverência tropicalista, a recessão econômica dos
anos 80 e um universo de leitores bastante reduzido ( seria necessário
ainda falarmos de nossos índices de analfabetismo, inclusive nas
megalópoles?) e acabaremos por chegar na maior das obviedades
necessárias – poesia é para poucos, ou como adverte a grande estudiosa ,
e referência obrigatória da contemporaneidade poética, Heloísa Buarque
de Holanda , em sua antologia antológica dos poetas dos anos 90, “O
alijamento se traduz em escassos leitores, confinando, quase que
fatalmente, o público leitor de poesia aos seus próprios poetas e
simpatizantes”.
Além do
fator resistência eu utilizei , logo no começo deste texto, duas
palavras, como se criassem uma expressão, esforço distraído. Quis fazer
uma breve alusão ao título de um livro do poeta, aqui abordado, o
curitibano Paulo Leminski, que se chama
Distraídos Venceremos. E por
que distração? Fora o argumento meio zen de Leminski, talvez uma das
possíveis maneiras de escapar da própria armadilha que eu me inventei (
poesia contemporânea) seja afirmar que a produção atual de um certo
segmento significativo de nossos poetas ( com alto nível de consciência
estético-cultural, é claro) não está mais interessada em colocar-se em
termos de fronteiras fixas ( detectar os inimigos, os
modernistas, pós-modernistas e afins) nem em participar da velha
ideia de fases a suplantar ( a turma de 22, a geração de 45, os
neoconcretos etc etc). Enfim, a já velha e desgastada ideia moderna do
novo não vem funcionando mais como paradigma( já algum tempo, é claro)
ou mesmo como uma forma de
incômodo à consciência poético-criadora contemporânea. Os poetas jovens
respiram liberdade e onde a
experimentação ocorre (mais ou
menos visível conforme o poeta), porém sem a obrigatoriedade, a camisa
de força, do make it new .Refaçamos se Pound não se aborrecer :
make it new with pleasure, diria eu. Fazer porque se gosta, fazer
com prazer. Barthes em prática. O sabor do saber. Ou seja, o novo não
mais como um objetivo neurotizante a ser perseguido a todo custo.
Inclusive porque as fronteiras entre as culturas alta, de massa e
popular, principalmente Poe causa da midiatização
da vida social, desintegraram-se de tal maneira que as velhas torres de
marfim, inclusive as modernistas
que sofreram o mais ou menos inevitável processo de historicização (seria necessário falar da iconização da Alta Modernidade?
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Enfim, uma vida mestiça, um pensar fraturado, uma experiência
radical do fragmento, uma escrita nômade e desterritorializada (Toni Negri, Deleuze), enfim, a ausência das grandes
metanarrativas (Lyotard), tudo isso criou um novo cenário onde
vive a poesia contemporânea.
O livro de Leyla Perrone-Moisés é obrigatório aqui) não mais
alcançam a vertigem e a experiência da vida contemporânea das
megalópoles. O alto repertório de Pignatari teria lugar hoje? |
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Embora
esteja tentando alinhavar algumas ideias sobre o fazer poético
contemporâneo ( e arriscar falar do tempo atual é sempre perigoso) penso
em Paulo Leminski como um dos fundadores desse fazer, pois além do
exercício de liberdade formal que sua obra nos oferece, podemos
visualizar o esforço bem sucedido em pensar uma arte sem as velhas
balizas dos malditos gêneros, fato esse que sempre demarcou os campos de
nossa produção, mesmo após os radicalismo de alguns integrantes de 22.
Sem querer cair no biografismo barato, mas apenas como exemplo,
lembro-me de uma professora de Literatura ( e eu estava já na faculdade)
que me dizia que eu teria de escolher entre a poesia e a prosa, pois ela
não conseguia identificar muito bem a minha escrita.
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Já outro professsor, este poeta, e de relevância cultural (
Jorge Wanderley), afirmava que o meu caminho estava certo.
Lembrando do velho Fernando Pessoa e de seu amigo Álvaro de
Campos, fiquei confuso com essa dupla existência da verdade.
Apenas não cortei a laranja. Por conseguinte, escolhi a proesia
e até hoje padeço desse deleitável mal... Aliás, as fronteiras
só existem para a geografia. Chega de mim. |
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Voltando ao
nosso poeta meio zen, hoje revalorizado em termos nacionais, cito um
trecho de Leminski , na verdade uma carta a Régis Bonvicino, carta essa,
diga-se de passagem, onde os anos 70 estavam presentes e Leminski sempre
antenado com o futuro:
Acho
que estamos depois da literatura
Não é
preciso mais combatê-la
O que nós estamos fazendo já não
é ela
A produção de signos
De bens simbólicos
De mensagens
Já ultrapassou a barreira
cultural verbal
Em plena conquista de um espaço
intersemiótico
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A contemporaneidade está patente. Sua poética aí está. Além disso,
metalinguagem. E o que surpreende
não é essa percepção de que o verso e a prosa tradicionais não mais
poderiam alimentar o fazer artístico atual. É claro, também, que algum
diálogo poderia ser aqui lembrado. A angústia da influência (Bloom) tem
o seu benéfico papel: Appolinaire, Joyce, cummings, o Guimarães do
Grande Sertão, o Euclides da Cunha que ele lera em tenra
adolescência, a inevitabilidade dos irmãos
Campos. O diálogo das formas sempre existiu e o já um pouco surrado
conceito de intertextualidade comprova esse fato. O que talvez
surpreenda ainda mais é que as amarras de uma
tradição literária nacional ainda incomodassem um poeta pós
geração concretista. Mas a escrita leminskiana ultrapassava o limite da
cultura circundante e ele buscava seu paideuma
pessoal (Pound, Haroldo de Campos etc) na inventividade de certos
autores. Leminski dialoga com os artistas e realiza essa conversa com um
humor muito característico, muito raro em nossa literatura. Talvez um
certo Oswald de Andrade. Leminski foi um herdeiro feliz de uma espécie
de privilégio histórico, só que por vias não muito oficiais. Segundo
suas próprias palavras, ele já nascera concretista e, ainda jovem,
percebeu que a poesia dos irmãos Campos e de Décio Pignatari era um
verdadeiro divisor de águas na mais ou menos morna história da
literatura brasileira. Até porque Sousândrade, um Kilkerry, ou mesmo um
Oswald de Andrade cubista ou tupi-dadaísta antropófago, não deixaram
filhos e nunca agradaram nossa inteligentzia de plantão. O próprio
barroco, só para melhor elucidarmos o ponto aqui, e a recepção da obra
de Gregório de Matos é um bom paradigma, andou trancafiado numa
perspectiva historicizante que não atentava para o recado que o Boca do
Inferno teria lançado em nossa incipiente tradição poética. Haroldo de
Campos, num pequeno e instigante livro (
O sequestro do barroco na formação
da literatura brasileira) aborda o problema e compra uma boa briga
com o Antonio Candido.
E por falar em Oswald de Andrade (e me parece que é cada vez
mais incontornável falarmos dele em nossa contemporaneidade poética),
vale assinalar que a ousadia , inventividade semântica, o arrojo de uma
proposta estética não padronizada, de Paulo Leminski, levam-no a um bom
encontro com o autor de Memórias Sentimentais de João Miramar.
Lembrando alguns trechos do
Pau-Brasil de Oswald:
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Entre a
paródia, as agulhas de um humor refinado ,
um certo paradoxismo
e um tom abertamente iconoclasta,
Oswald desmontou grande parte de nossa literatura, literatura séria
demais , literatura como missão social ( lembrando o sugestivo título de
um livro da Flora Sussekind). Leminski dialoga, em meu entender, com a
vertente do radicalismo e inovação estética permanentes , coisa que
Mário de Andrade reafirmou em sua famosíssima Conferência de 42( sobre o
movimento modernista) mas que ele , diga-se de
passagem, não seguiu à risca. Os percalços e dissabores do
caminhar errático ficaram para Oswald de Andrade, por sinal muito
comentado e já celebrado ,e
talvez ainda não lido e estudado em toda a sua potencialidade criativa e
desbravadora de novos parâmetros estéticos. Espero que a mesma sina não
venha ocorrendo com o faixa preta curitibano . Relembrando Nietzsche,
alguns homens nascem póstumos. Estabelecendo algum contato com Oswald de
Andrade eu cito este dois pequenos poemas de Leminski:
saber é
pouco
como é
que a água do mar
entra
dentro do coco?
***
vida e morte
amor e
dúvida
dor e sorte
quem for louco
que
volte
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Além de
poeta marginal, Leminski foi tradutor conceituado de Becket, James Joyce
, Mishima, Alfred Jarry, John Fante, entre
outros. Foi publicitário,
participante de revistas alternativas dos anos 70, escreveu artigos para
a FOLHA, VEJA etc. Caetano, Gil, A Cor do Som, Moraes Moreira, Arnaldo
Antunes e Itamar Assunção gravaram letras de Leminski. Também namorou um
gênero todo próprio de ensaios-biográficos ( Cristo, Trotsky, Bashô e
Cruz e Souza). Além disso, vale citar a sua antológica obra CATATAU,
narrativa sui generis que conta a história de uma viagem do
Filósofo René Descartes ( Renato Cartesius), na expedição de Maurício de
Nassau rumo a Nova Holanda ( Pernambuco), onde o filósofo acaba fazendo
uma viagem através de ervas não muito ortodoxas. Estabelece-se um
confronto entre civilizações opostas ( bárbaros x europeus) e a loucura
de Cartesius vai tomando
dimensões maiores e tudo isso numa linguagem fortemente experimental ,
como nunca havia sido realizada em toda a nossa literatura. O
eurocentrismo cartesiano vai cedendo, e se perdendo, junto ao excesso
barroco de nosso cenário tropical. Cartesius repara na preguiça e começa
literalmente a viajar.
Melhor aqui é pedir a voz a Leminski:
Narciso
contempla narciso, no olho mesmo da água. Perdido em si, só
para aí se
dirige. Reflete e fica a vastidão, vidro de pé perante vidro, espelho
ante espelho, nada a nada, ninguém olhando-se no vácuo. Pensamento é
espelho diante do deserto de vidro da Extensão. Esta lente me veda
vendo, me vela, me desvenda,me venda, me revela. Ver é uma fábula – é
para não ver que estou vendo. Agora estou vendo onde fui parar. Eu vejo
longe. Pensamento me deu um susto , nó górdio na cabeça, que fome ! Uma
arara habilita-se a todos os escândalos sem ser Artiszewski. Jazo sob o
galho onde o bicho preguiça está. Eis a presença de ilustre
representante da fauna local, cujo talento em não fazer nada chega a ser
proverbial, abrilhanta a mediocridade vigente. Requer uma eternidade,
para ir dez palmos, esta alimária, imune ao espaço, vive no tempo.
Essa
preguiça é por demais nacionalmente conhecida para acrescentarmos
comentários aqui. Novamente
me lembro de Oswald e sua fome antropofágica.
Tupy or not tupy, that’s the question. Pena que uma certa tradição
intelectual associou essa fase oswaldiana ao momento do poema-piada ou
mesmo de sua maneira clown de ser. Tivesse essa mesma tradição entendido
de fato o que Pessoa quis dizer ao afirmar que o poeta é um fingidor,
talvez todos esses problemas
que nos acompanham há décadas tivessem sido melhor equacionados e não
precisássemos do atraso dos romances regionalistas nem da famosa geração
de 45. Mas isso são outras histórias.
Volto a Leminski e gostaria de
fechar este pequeno texto dizendo que se trata de um poeta com uma
consciência semiótica muito desenvolvida. Concisão, informação e
invenção são palavras de ordem na poética leminskiana. Sua produção deve
se entendida enquanto artefatos, bricolage, desestabilização da
linguagem, desierarquização
de repertórios. Nesse sentido não é difícil de percebê-lo enquanto poeta
contemporâneo. Saber dos livros e cultura pop convivem em Leminski sem
problema algum. Como disse anteriormente, aos doze anos lia seu primeiro
romance, Os Sertões. Também andou pelo Mosteiro de São Bento, quando
jovem. Mas na hora de misturar os discursos não usou luvas de pelica.
Sabia misturar o mais comum do mundo do consumo com uma estratégica
guerra semântica, onde os conceitos de neologismo e barbarismos
linguísticos não mais tem lugar. Leminski incorporou todo o seu viver à
linguagem, sendo que esta não era capturável e cadastrável em códigos
universitários.
Para terminar e tentando gerar
curiosidade no futuro leitor de Leminsk lembro aqui um poema onde
vida e escrita se misturam nessa Voz que é o tecido do próprio
texto:
O
pauloleminski
é um
cachorro louco
que
deve ser morto
a pau e
pedra
a fogo
a pique
senão é
bem capaz
p
filhodaputa
de
fazer chover
em
nosso piquenique
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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