REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 36-37 | fevereiro-março | 2013

 
 

 

 

 

ALMANDRADE


30 Anos da Morte de Garrincha

Mané Garrincha, um craque do riso

Almandrade (Brasil). Artista plástico, poeta e arquiteto.

 

EDITOR | TRIPLOV

 
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O personagem mais singular da história do futebol, Mané Garrincha, não era um atleta, talvez um artista, com certeza um craque da humildade, virtuoso e estilista, que encontrou no drible uma forma de encantar a vida. Mais do que um jogador genial, ele transformou o futebol num espetáculo delirante cujo objetivo principal não era ganhar ou perder, e sim o riso. O próprio declara numa entrevista: “Para ser sincero eu preferia driblar do que fazer gol, mas como a única maneira de ganhar os jogos era colocando a bola na rede, de vez em quando eu fazia meus golzinhos”. Quando Garrincha jogava o estádio parecia mais um teatro ou um circo.

Chamou a atenção do mundo com seus dribles precisos e desconcertantes, improvisados na hora certa de suas pernas tortas que bailavam contrariando a anatomia, um Charlie Chapin alegrando multidões. Sempre cordial e imarcável, ingênuo até. Deixava o marcador perdido, sem saber o que fazer no gramado, era certo sua passagem pela direita, mas ninguém tinha certeza do momento. Para as torcidas que não economizavam gargalhadas, até mesmo a adversária, não interessavam mais o resultado do jogo, e sim contemplar o show do craque. Um “santo do riso”, alegria dos que tiveram o privilégio de assisti-lo. “Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas”, palavras do poeta maior Carlos Drummond de Andrade.

Garrincha foi um caso aparte, uma exceção. Sua relação poética e lúdica com a bola, era de um deus brincando com o mundo para divertir seus santos. Na elegante crônica do escritor, dramaturgo e jornalista esportivo Nélson Rodrigues, Garrincha não precisava pensar: “Tudo nele se resolve pelo instinto, pelo jato puro e irresistível do instinto. E, por isso mesmo, chega sempre antes, sempre na frente, porque jamais o raciocínio do adversário terá a velocidade genial do seu instinto”. Um bailarino? Desafiou, subverteu as concepções do futebol europeu e solicitou do espectador uma outra atenção e sensibilidade para o jogo. Mané é uma referência inédita para um futebol que não mais existe.

Jogar bola para ele era uma forma de encarar a vida, não importava a partida, fosse da copa do mundo ou uma pelada entre amigos, o prazer era o mesmo. E a vida, é uma brincadeira que passa rápido, como passou a agilidade de suas pernas, vencido pelo cansaço, pela boemia e pelo álcool, a alegria foi finalizada pelo apito do tempo. “A tristeza não tem fim, felicidade sim.” diz a indiscutível perfeição da voz de João Gilberto na brilhante interpretação da canção de Tom e Vinícius.

   
 

 

© Maria Estela Guedes
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