O personagem mais singular
da história do futebol, Mané Garrincha, não era um atleta,
talvez um artista, com certeza um craque da humildade, virtuoso
e estilista, que encontrou no drible uma forma de encantar a
vida. Mais do que um jogador genial, ele transformou o futebol
num espetáculo delirante cujo objetivo principal não era ganhar
ou perder, e sim o riso. O próprio declara numa entrevista:
“Para ser sincero eu preferia driblar do que fazer gol, mas como
a única maneira de ganhar os jogos era colocando a bola na rede,
de vez em quando eu fazia meus golzinhos”. Quando Garrincha
jogava o estádio parecia mais um teatro ou um circo.
Chamou a atenção do mundo
com seus dribles precisos e desconcertantes, improvisados na
hora certa de suas pernas tortas que bailavam contrariando a
anatomia, um Charlie Chapin alegrando multidões. Sempre cordial
e imarcável, ingênuo até. Deixava o marcador perdido, sem saber
o que fazer no gramado, era certo sua passagem pela direita, mas
ninguém tinha certeza do momento. Para as torcidas que não
economizavam gargalhadas, até mesmo a adversária, não
interessavam mais o resultado do jogo, e sim contemplar o show
do craque. Um “santo do riso”, alegria dos que tiveram o
privilégio de assisti-lo. “Foi um pobre e pequeno mortal que
ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas”, palavras do
poeta maior Carlos Drummond de Andrade.
Garrincha foi um caso
aparte, uma exceção. Sua relação poética e lúdica com a bola,
era de um deus brincando com o mundo para divertir seus santos.
Na elegante crônica do escritor, dramaturgo e jornalista
esportivo Nélson Rodrigues, Garrincha não precisava pensar:
“Tudo nele se resolve pelo instinto, pelo jato puro e
irresistível do instinto. E, por isso mesmo, chega sempre antes,
sempre na frente, porque jamais o raciocínio do adversário terá
a velocidade genial do seu instinto”. Um bailarino? Desafiou,
subverteu as concepções do futebol europeu e solicitou do
espectador uma outra atenção e sensibilidade para o jogo. Mané é
uma referência inédita para um futebol que não mais existe.
Jogar bola para ele era
uma forma de encarar a vida, não importava a partida, fosse da
copa do mundo ou uma pelada entre amigos, o prazer era o mesmo.
E a vida, é uma brincadeira que passa rápido, como passou a
agilidade de suas pernas, vencido pelo cansaço, pela boemia e
pelo álcool, a alegria foi finalizada pelo apito do tempo. “A
tristeza não tem fim, felicidade sim.” diz a indiscutível
perfeição da voz de João Gilberto na brilhante interpretação da
canção de Tom e Vinícius.