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nunca estamos sozinhos – seja no que for
O que
aconteceu com ele pode ocorrer com qualquer um, desde que haja certa
relação de suposta similitude entre ele e esse qualquer um, sujeito
anônimo e obscuro, tão próximo e tão distante ao mesmo tempo, padecendo
das mesmas aflições, ambos comprometidos tanto com a identidade de
caráter quanto com a de circunstâncias.
Mas alguns
filhos de Deus não vêm ao mundo na pele de anônimos aflitos, seja para
seu bem ou para sua desgraça, pois acabam capturados pela opinião
pública e reduzidos a possíveis argumentos de autoridade, promovendo
hipóteses de modelos pela promiscuidade da informação histórica,
tornando-se visíveis e servindo de coro, apoiando a causa do herói,
desse acerca de quem escrevo, deixando-lhe bem claro que ele nunca
esteve sozinho em sua sina de retardado. Isso talvez seja a provação da
fortuna!
cultura inútil, terapêutica & analogia
E onde podemos encontrar esses personagens pitorescos, roçando no bizarro,
que podem muito bem dar voz a um anônimo, reforçando sua causa e
amenizando suas aflições, podendo, quem sabe, salvar-lhe a vida?
Na
cultura inútil, caro leitor!
Na boa e pisoteada cultura inútil!
E ela não
sobrevive sem seu consórcio com a
analogia, uma vez que sem seu apoio perde sua eficácia e abandona
suas pretensões terapêuticas, deixando bem claro que, apesar da alcunha,
não é tão inútil assim, conforme propagam seus detratores supostamente
pragmáticos.
Não podemos
esquecer que é bem provável que ela tenha fomentado a psicanálise – o
que seria de Freud sem a
literatura? -, mas também assaltos bancários, tentativas de crimes
perfeitos e até mesmo servido de inspiração para um reles vestido de
noiva, promovendo cortes de cabelo e lançando parâmetros de moda. Certas
lambisgóias não resistem a esse tipo de tentação, sempre mergulhando sua
ansiedade no modelo que mais se ajuste ao seu desencaixe, provando que
há uma linha tênue entre o sublime e o ridículo.
E assim,
percebam ou não os ignorantes, há sempre alguém vindo antes de qualquer
um de nós, deixando marcas e poeira significativa, compondo um museu de
grandes novidades a serviço do a-quem-interessar-possa. Enfim, a
cultura inútil é sempre um grande estímulo à esperança duma vida
melhor, desde que o afetado pelos seus signos seja sensível à
analogia, portando algum
vínculo com a informação que lhe chega, sabendo extrair do exemplo uma
lição de vida. Sempre uma determinada conduta que se subsume a uma
determinada norma, ampliando o desatino jurisprudencial.
quatro casos de estudo – cultura inútil ansiando pela
analogia
§ 1 caso de estudo
Robbespierre
foi virgem até seus 24 anos. Suas inibições libidinosas prepararam o
Terror – pura sublimação
desmancha prazeres a serviço do repressivo, objetivando ortopedia
tirânica. O oposto de Danton.
§ 2 caso de estudo
Luís XVI, até os 23. Com ele foi o contrário, pois tivesse o
fogo de seu avô (Luís XV, le bien
aimé) e não teria perdido a cabeça numa guilhotina. Pressionado por
um pai carola e por uma educação religiosa enfadonha, o que significava
um preceptor enfadonho, e tendo como contraponto um avô devasso, o Luís
XV above mentioned, além de possuir uma natureza tímida,
Luís Augusto só poderia ter se
oferecido ao mundo como um
anti-bourbon, conspirando inconscientemente contra si mesmo e a
favor da Revolução. Faltou-lhe o meio termo.
E a pobre
Maria Antonieta ali no maior
sufoco, esperando pela conquista de
Cartago, até que Luís se
decidisse, deixando-se levar pela dissipação perdulária, enquanto a
coisa não acontecia, gastando, gastando muito, jogando faraó pelas
noites sem homem, promovendo Gluck
e despertando desafetos, mas conseguindo afinal receber os cumprimentos
do marido, apesar dos sete anos de espera aflita, daquelas que fazem
ranger os dentes, tendo, no fim de sua breve existência, o privilégio de
perder a cabeça numa guilhotina, não sem antes ter se transformado numa
Rainha da Moda.
§ 3 caso de estudo
Luís Carlos Prestes,
que só tinha olhos para a 1917
dos bolcheviques, só viria a espichar seu prepúcio aos 37, graças à
dedicação e à experiência duma
Olga Benário, uma moça sempre determinada a dissolver repressões.
Concentrado no aquilo de sua devoção (sexo era perda de tempo para ele),
só se deixou fisgar sob os auspícios dum autêntico
abraço genital.
Reich ficaria muito contente
com seu histórico, ainda mais sendo comunista. Digamos que nele tenha
havido equilíbrio, pois a sublimação foi suspensa temporariamente, o que
não significava que não se mantivesse em latência, esperando o momento
adequado para que retornasse e pusesse o homem a serviço da humanidade,
reduzindo-o a um Cavaleiro da
Esperança. Prestes
prestava para alguma coisa. Mas os ouvidos foram moucos!
§ 4 caso de estudo
Clyde Barrow,
apesar de não ter conseguido se livrar da própria índole predatória,
perdeu a virgindade com Bonnie
Parker, algum tempo antes da dupla ser traída e metralhada. E eles
ficaram na história da criminalidade como os famosos
Bonnie & Clyde, complicando
tanto as coisas para o Kansas
que a pena capital, abolida em 1907, voltaria com todo o vigor em 35.
E é bem
provável que suas tentativas frustradas anteriores tenham sido
fundamentais para que se transformasse num proscrito sanguinário, onde a
performance dum
Smith & Wesson compensava a falta de competência que a natureza lhe
negara. Um revólver e um charuto em evidência geralmente escondem um
pênis no armário. Morreu como um queijo suíço, mas provavelmente tenha
morrido feliz, deixando muito claro o velho ditado
antes tarde do que nunca.
E
Bonnie, apesar de assassina,
era também romântica e escrevia poemas, embora sugerissem o estilo
pão-com-sabão, acidente de percurso que não a impediu de ter alguns
publicados em jornais na época, mais pela fama de criminosa do que
propriamente pelo talento de poetisa, provando que os brutos também
amam. Mas era sua forma de “Keep your sunny side up! Don’t give up!”, mesmo que o sol não
estivesse muito propício a esquentar seu inverno permanente.
reflexões do narrador sobre o herói retardado
Longe de eu
ser cruel com esse pobre diabo a respeito de quem escrevo. Mas,
convenhamos, quer aceitemos ou não, há gente sob a tutela dos predicados
mais insólitos. Muito distante daquilo que somos ou do que tentamos ser.
Há os que
cursam a vida naturalmente. Sua normalidade é tão monótona quanto o
Paraíso de
Dante.
Há, da
mesma forma, os precoces, muitas vezes, saltando etapas, embora corram o
risco de queimar-se muito cedo, como mariposas numa lâmpada, mais
prometendo do que honrando com os compromissos assumidos.
Seu estilo é o too much too soon –
with God in the joy and beauty of youth: puro epitáfio.
Finalmente,
existem também os lentos, sempre com atraso, quase oligofrênicos – e
eles sempre carecem do empurrãozinho dum bom samaritano, duma
Madre Tereza, porque, sem esse agente provocador, os miseráveis
nunca embarcam na freqüência mais adequada do fluxo da vida. Mas
“a felicidade até existe”,
como na canção do Roberto, o
Carlos, e eles podem
surpreender, fazendo boa figura e descontando seu tempo perdido.
um colecionador dos outros
E assim, o herói retardado, entregue ao vício da
aquisição permanente de cultura inútil, fazia uso da analogia como um de
seus estupefacientes mentais, nunca deixando de recorrer a seu rol
exaustivo de exemplos. E eles redundavam em jogos associativos muito
íntimos, permitindo-lhe comparar as próprias mazelas com as de
terceiros, também quase trágicos, porém famosos. Mediante tal catarse
peculiar, ele encontrava um relativo apaziguamento para sua ansiedade,
delineava um precário esboço de paz interior, concluindo que não estava
sozinho. Muitos, antes dele e de sua mediocridade, já tinham passado
pelo que estava sofrendo, e, dum jeito ou doutro, haviam superado suas
crises, mesmo que os impacientes tivessem recorrido ao suicídio.
Sem
deixar-se apanhar pelo orgulho, ele sabia muito bem que sempre se
distinguira da maioria. E
pouco lhe importava que fosse para o bem ou para o mal. Ele simplesmente
abrigava certa tendência mórbida e desavergonhada para estar sempre
observando e analisando as próprias circunstâncias. Encontrava certo
êxito porque conseguia impor-se um relativo distanciamento necessário,
sem nenhum receio de descobrir-se como alguma monstruosidade. O que
sempre o imunizou contra o pudor ou contra a culpa. Em seu espírito não
havia tempo ou espaço para a autocomiseração. Ele se apunhalava!
Mas isso
talvez lhe fosse impossível sem sua sensibilidade e sem o conhecimento
prévio daquelas vidas alheias, expostas na vala comum da celebridade. E
elas estariam sempre armazenadas em sua condição mnemônica, à espera de
pesquisa, seleção, análise e aplicação, permitindo-lhe que encontrasse
similitude entre ele e os outros. Nada mais do que uma síntese que se
estabilizava em relativa tranqüilidade, exigindo-lhe resignação e
esperança. Ela assoprava a ardência de suas feridas. Servia-lhe de
analgésico. Enfim, cada síntese não passava de mais um mecanismo de
proteção do ego, ditado pelas suas idiossincrasias, mesmo que ele
soubesse que a saída para seus problemas fosse geralmente muito
estreita. O que não implicava em desistência de seus projetos ou que
devesse considerar-se como um fracassado, somente porque nunca era
atendido no momento de culminância do próprio desespero. O que lhe
exigiam suas supostas sínteses era que estivesse sempre atento para o
fato de que as coisas lhe chegariam quando elas assim o desejassem, e
que, para elas, sua tola e desnecessária ansiedade, seria sempre um
estímulo para que o fizessem sofrer em dobro, porque, quanto mais ele se
debatesse, na condição de frustrado, mais longe da satisfação de seus
desejos ele estaria.
Sua experiência como colecionador dos outros permitia-lhe pensar que a
principal finalidade da história talvez fosse sua condição natural de
jurisprudência – um inesgotável banco de dados a serviço dos curiosos,
dos inquietos, dos insatisfeitos, mas desde que estivessem contaminados
pela índole especulativa, porque ela não estava interessada em
distribuir suas pérolas aos porcos.
Com esse tipo de atitude perante a vida era-lhe muito difícil perder
tempo com a solidão, embora nada o salvasse dum estado permanente de
incomunicabilidade, porque raramente conseguia alguém para compartilhar
o que acumulava pelo tempo.
Alguns acreditavam em Deus. Ele, em sua galeria
de mortos célebres. O que talvez desse no mesmo.
conhece-te a ti mesmo
Sim! Ele
nunca tivera receio em perscrutar-se, sondando a própria alma com
requintes de frieza e distanciamento, jamais negando que o rancor
compunha seu calcanhar de Aquiles. E nada o impedia de, pelo menos,
cogitar acerca de possibilidades de vingança contra os que haviam
pisoteado em seus calos. Sim! Ele era suscetível a comentários que
arranhassem ou ferissem sua sensibilidade, a ponto de perder o humor e
ficar mastigando as supostas ofensas por muito tempo, uma vez que era
sempre capaz de atualizar data e local dos fatos, mesmo que seus
ofensores já nem mais se lembrassem do ocorrido.
Mas nem
tudo se reduzia a essa suposta psicose rancorosa. Nem tudo estava
perdido em seu caráter. Ele sabia muito bem que o perdão nem sempre se
recusava a fazer parte das suas virtudes. Ao invés de apostar em
estratégias de vingança, era mais sensato sempre entregar tudo ao tempo,
deixando-lhe nas mãos suas mágoas e seus rancores e, principalmente, a
necessidade de justiça, caso fosse merecedor.
O que
talvez aplacasse o ímpeto de sua cólera silenciosa fosse o fato de nunca
perder de vista o movimento implacável da vida. Ele sabia que o
humilhado e o perdedor de hoje pode muito bem vir a ser
O Homem do Dia no amanhã, e
vice-versa. Não havia tempo para posar de
Peg Entwistle! (Dela falaremos
mais tarde!) Isso lhe assegurava a certeza de que somos, mas de que
também estamos, o que, de certa forma, sempre nos habilita a
transformações, sem que corramos o risco de estropiar nossa parte
essencial.
Enfim, o
ressentido, que conseguia inibir suas vinganças, talvez por falta de
condições para que as pusesse em prática ou talvez pela certeza de que
ingressaria num círculo vicioso de insaciabilidade, sabia que um homem
nunca poderia ser confundido com seu movimento ou com suas alterações,
sabendo, entretanto, que tudo isso fazia parte dele, sempre
integrando-se para que ele crescesse, tornando-se bem mais humano do que
ele até então houvesse sido.
Mesmo que
fosse afetado pelo orgulho e pelo egoísmo, embora soubesse disfarçá-los
mediante técnicas de sobrevivência, ele tinha certeza de que nosso
principal compromisso com nós mesmos é sempre deixar o mundo um pouco
melhores do que estávamos quando havíamos entrado nele.
O mundo,
esse verdadeiro campo minado, é sempre transitório para os que vivem
nele, não indo muito além dum espaço onde o espírito se reesculpe, um
palco reservado à experiência.
um agente provocador
Portanto,
se não poupava a si mesmo, deliciando-se em apunhalar as próprias
feridas, é óbvio que também não seria misericordioso com seus
semelhantes. O que não significava que fosse ofensivo ou predisposto à
crueldade, mas alguém sempre interessado em apurar a verdade de cada
caso, mesmo que isso permitisse alguma dor e, muitas vezes, situações
constrangedoras. A comparação em busca de sínteses supostamente
elucidativas era um de seus métodos de vida.
E foi essa
tendência, quase um vício, que lhe serviu de impulso para que mudasse da
água para o vinho, impondo-se ao mundo, sem muito alarde, numa nova pele
masculina. Aliás, homem, ele nunca deixou de ser. Muito menos, jamais
desejou trocar de sexo.
self-portrait
Em muitas
ocasiões, ele se queixou, em nossas conversas, sobre o fato de como se
exauriam em amargura e decadência muitos dos que faziam parte do tipo
que gostava de morder a fronha. Muitos, nem todos – ele sabia que era
burrice uma generalização apressada. O acidente duma puta vestir
vermelho não significa que todas as mulheres que vistam vermelho sejam
putas.
Segundo
ele, boa parte da turma morria de medo de ouvir a voz do próprio
silêncio (e ele era da espécie que não admitia que alguém pudesse temer
a solitude, uma vez que ela, para ele, sempre seria uma fonte
inesgotável de possibilidades criadoras). Isso os constrangia a estarem
sempre correndo atrás de situações muitas vezes perigosas, a ponto de
encurralá-los num beco sem saída. Havia sempre a ilusão de que o próximo
homem seria o definitivo. Usavam e abusavam do
mito de Sísifo. Essa busca
sôfrega geralmente descambava para a promiscuidade. Aos poucos, uma
amargura vinha à tona, contaminando todo seu interior, permitindo-lhes o
predomínio da maledicência e do preconceito. Eram raros aqueles que
aceitavam a rejeição dum espada às suas investidas de vampiros –
inevitavelmente, sempre concluiriam que quem os repelisse fosse um
enrustido, alguém sem coragem para sair do armário. Embora se
considerassem alegres, cheios de vida, sua alegria era sinistra,
feérica, como a das putas tuberculosas do
Moulin Rouge, dançando seu
último can-can.
Enfim, ele
podia me dizer tudo isso porque tinha conhecimento de causa, estando
muito longe dos que cuspiam no prato em que haviam comido. Ele sabia
muito bem o que me falava, principalmente, quando pintava o quadro da
dor com a moldura da desgraça de seus colegas de esbórnia como possessos
convertidos às aparências dos corpos, estando sempre na cegueira
luminosa de Las Vegas como sucursal do Céu. Ninguém escapava de seu
contrato com Lupicínio Rodrigues:
todo mundo no inferno em busca de luz.
Em certa
ocasião, perguntei-lhe porque não abandonava o rolo todo, já que aquela
espécie de vida parecia não mais satisfazer suas convicções. Ele era um
gajo que dificilmente transformava o interlocutor num muro de
lamentações. Se estava reclamando, era porque a coisa se tornara
insustentável.
Ele me
respondeu, sem nunca me soltar da atração irresistível de seus olhos,
pois era do tipo olho no olho, o que revelava certo padrão de
sinceridade ou muito descaramento, que o ser humano, mesmo que pudesse
não se sentir muito confortável com suas calosidades contraídas, acabava
se acostumando a elas, a qualquer coisa, sempre pela força do hábito.
Sem contar que sempre haveria o medo do desconhecido. Aquilo tudo
poderia estar lhe provocando muito atraso, até mesmo, certo mal, mas era
o que tinha conhecimento, o que talvez exercesse alguma inibição sobre
seus impulsos na direção da mudança. Coisa nova, apesar de sugerir paz e
felicidade, sempre provocaria estranhamento e receio.
De forma
cínica, ele me disse que se sentia como uma esposa que se acostumara a
apanhar do marido, morrendo de medo de abandonar o constrangimento e a
dor, que já lhe eram suportáveis, por algo quem sabe muito pior, que se
ocultava no desconhecido. Restavam-lhe óculos escuros, atitudes esquivas
e desculpas esfarrapadas.
Mas ele
também me confessou que, mesmo que se soubesse como uma vela que
queimasse de ambos os lados, citando
Edna St. Vincent Millay,
estava convicto de que, caso encontrasse coragem para cair fora, aquela
mudança de rumo não se trataria duma violência à sua natureza, mas
apenas duma oportunidade que talvez se permitisse para que superasse as
próprias limitações.
Passo a
passo, ele foi aprendendo que mais importante do que entediar-se sempre
numa rotina em nome da autopreservação, durante uma vida longa, entregue
à inércia e à esterilidade, era espatifar-se em nome de tentativas
sinceras e produtivas. Sem abdicar da prudência duma serpente e da
mansuetude duma pomba, valia a pena arriscar-se na pele dum jogador de
pocker. Sabendo muito bem que
nada era para sempre, sentia uma mistura de piedade e desprezo pelos que
afirmavam a vida, fazendo questão de esquecer da morte.
Ele sabia
que sem muito atrito ou muita resistência, sem que calculasse alguma
estratégia ou despendesse esforço excessivo, quase espontaneamente, com
a naturalidade dos que vão aos pés sem laxante, ele teria seu lugar no
mundo, mesmo que com algum atraso, aderindo a seu apelos implacáveis.
Puro
desejo. Pura aflição. Pura necessidade. E mortal.
primeira noite de um homem – parte I
Sim! Era
pegar ou largar. Abrupta, determinada, embutida em suave desespero e
quase uma súplica, a proposta lhe veio à queima roupa.
Apanhando o
delito muito tempo depois, quando o fato já era memória, ele me
confessou que naquele momento tivera a impressão estranha de que era
como se um exército cansado e descrente (ela) estivesse na iminência de
tomar de assalto uma cidadela inexpugnável (ele), em sua última
tentativa de ataque, torcendo (ela) que a fortificação (ele), apesar de
sua resistência obstinada, estivesse ainda mais exausta, depauperada e
desiludida do que ele (ela).
Pelo que me
contou como agiu, e tenho certeza de que não estava aparentando o que
não era, apesar de no passado ter me afiançado que respeitava, mas que
não comia daquela fruta, creio que ele se saiu muito melhor do que a
encomenda, assemelhando-se muito mais a um libertino matreiro do que a
um marujo de primeira viagem, enfrentando o Atlântico Norte sem enjôo e
sem medo de icebergs.
Não se
sentindo intimidado pelo que ouviu, deixou que ela lhe aplicasse o que
bem entendesse, e, conforme o filho da puta, de forma lenta, muito
lenta, sem asco ou timidez, com a precisão das gotas que torturavam na
China Imperial as testas dos infelizes que caíam em desgraça, sem
nunca abandonar seu ritmo de devoção.
Enfim, ela
abocanhou o que ele tanto se esmerava em dela esconder, embora tenha lhe
mostrado por fotografia, coisa que eu nunca entendi a razão, a ponto do
estafermo até esquecer que mulheres não lhe diziam respeito. O que veio
a seguir foi mera decorrência daquilo que muitos chamam de preliminares.
a mera natureza das coisas
Interessante observar como os gostos podem ser transitórios, assim como
também as manias e as taras. Mais ainda, como os preconceitos podem ser
diluídos em cacos risíveis de lembranças, que nada mais fazem do que
atrofiar a percepção das coisas e o gozo do mundo.
Sem se
deixar confundir pela dúvida, o que sempre significa divisões,
fragmentação e enfraquecimento dum desejo, ele também sabia muito bem o
que havia escolhido.
Mudara de
rumo, em seu périplo de navegação indócil e ambicioso, não porque seu
estado de hemiplegia anterior fosse um mal em si mesmo, mas somente
porque ele atrofiava suas predisposições ao crescimento.
Não se
tratava duma renúncia moral, mas dum compromisso com a lógica, com a
mera natureza das coisas.
Mesmo que
fosse teimoso, ele sabia que os acontecimentos sempre riem das
subjetividades.
gatos
E ele,
através dela, mesmo que tudo não tenha ido muito além dum ritual de
passagem meio atrasado, pois a fila sempre precisa andar, passou a
gostar de gatos, embora ela, apesar dele, nunca tenha se familiarizado
com Rameau (o compositor
predileto do querido, digo, do herói, desse estafermo, a respeito de
quem escrevo). Aliás, um dos motivos da separação foi ela gostar de
Edith Piaf – que ele
qualificava como a voz do
estrangulamento -, e sempre perturbá-lo quanto ele estava às voltas
com Billie Holiday ou
Bessie Smith.
Predispondo-se a aceitá-los em sua convivência, ele descobriu,
inclusive, porque antes eles tanto o irritavam, a ponto de muitas vezes
tê-los perseguido e maltratado.
Não admitia
os gatos porque, mesmo que não se desse conta, era similar a todos eles.
Fazia parte da sua espécie. Nem sempre estamos preparados para a própria
face no espelho. Portanto, negar um gato, com toda a força da sua
teimosia, sempre significou-lhe a negação de tudo o que havia de mais
puro e verdadeiro em si mesmo. E pouco lhe importava que a constatação
pudesse ser considerada como boa ou desagradável por alguns. Era sua
essência. Não havia o que julgar. Exceto aparar arestas.
Mas ele só
teria condições para perceber-se pelo cinzel da maturidade. E não lhe
provocava aflição alguma o fato dela ter vindo com aparente atraso. Não
era estúpido, como muitos que acham que só se tem acesso ao desfrute da
vida estando jovem. A febre da juventude, para ele, não passava dum
grande obstáculo à felicidade concreta. Ele tinha certeza de que um
homem maduro perde a pressa, sabendo que cada um tem seu próprio tempo e
que cada etapa da existência tem sua própria série de delícias.
Elegantes,
individualistas, silenciosos (contanto que não estivessem possuídos pelo
cio), cheios duma preguiça produtiva, sub-reptícios (o que é muito
diferente de ser traiçoeiro), e quem sabe também repletos de mistério,
quase esotéricos, os gatos sempre o faziam
ver Debussy, ao invés de
ouvi-lo. Simplesmente sinestésicos!
Para tanto,
bastava-lhe observar um gato caseiro, meio vira-lata. Aliás, ele gostava
mesmo era dum bom gato sem
pedigree, com sua descendência feita em diáspora, um cliente de
fundos de tratoria romana, um cosmopolita dos becos sinistros do
Bronx, um cidadão de todas as
ruas do mundo. Quanto mais ordinário, melhor. Quanto mais safado, mais
atraente.
Readquirindo-se. Reesculpindo-se. Amando-se muito, mesmo que tivesse se
deixado engordar, nunca tivesse dinheiro e abusasse dos cigarros, embora
mal tocasse nos alcoólicos, não indo além dum
double dry martini, quando
fosse possível pagar por uma boa garrafa de
Gordon’s, seu gim predileto. Mais interessado nas essências do que
propriamente nas formas do mundo, apesar de encontrar um tempinho para
olhar uma Vogue. Enfim, ele,
não chegando a abdicar dos cães, passava a se debruçar sobre os gatos,
respeitando-os como algo que sempre estivera fixo numa invisibilidade
alimentada pela sua ignorância.
Entretanto,
a tempo de corrigir todas as injustiças que cometera contra aqueles
indefesos animais, mesmo que não fosse muito agradável o
insight, ele descobria que um escritor não poderia ter cães em sua
companhia, mas apenas gatos. Ele escrevia, mesmo que ninguém lhe desse
bola, apesar do descaso não ser motivo para que desistisse de algo que
sempre lhe fora muito mais forte do que ele próprio.
Carentes,
buliçosos, bobalhões e insuportavelmente barulhentos, apesar dele jamais
negar-lhes uma irresistível fidelidade, tanto que tivera 35 cachorros ao
longo de sua vida, enclausurando-os em sua memória afetiva, tal como o
batalhão de homens com quem trocara secreções, apesar de, nesse caso,
ser bem melhor não procurar pela cifra, os cães eram um desafio a sua
preguiça, davam muito trabalho, estando muito longe da auto-suficiência
dum felino.
Ele sempre
recordava que Virgínia Woolf
gostava de cachorros. Tanto que escrevera um livro a respeito dum dos
muitos que teve e amou. Mas sua acuidade sobre as coisas do mundo –
jamais neurastenia ou predisposição neurótica -, fez com que arrolasse
seus latidos, ao lado da falta de dinheiro e da ausência de espaço
íntimo, como um dos tantos empecilhos ao trabalho dum escritor.
primeira noite de um homem – parte II
Sim! Ele
disse que sim, que não havia problema algum, mal sendo alvejado pela
proposta e já se pondo a caráter, livrando-se da única peça de roupa que
vestia, desde que saíra do banho e se acataplasmara como alguém convicto
do direito divino dos reis pela cama imensa que não lhe pertencia, pois
estava na casa duma prima distante, numa cidade distante, e fazia muito,
muito calor, e os dois haviam se tornado tão íntimos e confessionais,
quase como duas órfãs desiludidas e rechaçadas num torturante internato
inglês, daqueles descritos por
Dickens ou pela Charlotte Brontë, que não viam problema algum em ficarem
semidespidos um na frente do outro e dormirem juntos no mesmo leito.
o medo da terceira margem
Ele sabia
que não chegava a ser trágico, nem pessimista, muito menos, paranóico,
permitindo-se crer que todos pudessem persegui-lo ou que não havia para
ele lugar no mundo. Mas sua acuidade a respeito da condição humana
transformara-o num reservado. Num realista, se alguns assim o desejarem.
A vida lhe
ensinara a esperar qualquer coisa da condição humana. Sem muita queima
de fósforo, ele alimentava a convicção de sempre tê-la observado,
através dos séculos, muito encurralada pelo medo, muito ignorante,
estúpida e alienada, predisposta à lei do menor esforço, invejosa, com
forte tendência para o mal.
Sem falar
em seu orgulho e em seu egoísmo intrínsecos, as principais causas de
suas misérias. Mas a condição humana também suportava as conseqüências
dum chauvinismo, duma hemiplegia moral crônicos. Ou no preto ou no
branco, inexistindo espaço para o cinza, pois uma terceira margem sempre
estaria condenada à rasura.
Mas ele
talvez não tivesse chegado a essas conclusões, caso não tivesse
estudado, lido muito, pondo-se na condição indesejável de mero
observador do mundo.
intolerância ou a metáfora do judeu assimilado
Um cristão
excluía um judeu e vice-versa.
Um católico
massacrava um protestante e vice-versa.
Um pinto
calçudo de direita não admitia um outro de esquerda e vice-versa.
Entre
heterossexuais e homossexuais a coisa também não era diferente. Nessa
briga, um bissexual apanharia dos dois!
Sempre a
próxima Noite de São Bartolomeu.
Sempre o próximo pogrom!
Portanto,
não era por acaso ou por esnobismo que ele, depois do acidente de
percurso com a prima tarada, adquirira o costume de comparar-se a um bom
judeu assimilado, cantando a
Stille Nacht ao piano, com sua família judia assimilada, num 25 de
dezembro, em plena efervescência decadente da
República de Weimar, às
vésperas da catástrofe nazista.
Os alemães
cristãos continuariam a desconfiar dele, pouco lhes importando que já se
comesse presunto defumado em sua casa, não dando a mínima para seu
suposto empenho quando arriscara a vida pela pátria no
Marne ou em
Verdun. Para
os alemães cristãos, apesar dele ter sido um herói numa guerra falida,
continuaria sempre não passando dum judeu. Embora, quem sabe, ele, por
sua vez, lhes devolvesse seu desprezo, nunca deixando de vê-los como
goyim.
Seus irmãos
da Casa de Davi iriam
desprezá-lo como um réprobo maldito, cuspindo-lhe um vetusto
Racca, quando o vissem virando
as costas em alguma tumultuada strasse berlinense.
E ele, em
seu gozo de cultura inútil ao
sabor voluptuoso da analogia,
vendo-se lá, mesmo que estivesse por aqui, estaria sem pertencimento,
estaria entregue a si mesmo, irremediavelmente excluído e pisoteado
pelos dois lados. Quando tivesse chegado a hora, porque ele não
admitiria fugir, jamais imaginando que certas coisas pudessem acontecer
em sua vida, teria um lugar garantido num dos trens para
Auschwitz.
Alguém que
talvez o amasse, ou desejasse apenas a certeza do certificado de seu
destino, algum tempo depois, poderia vasculhá-lo pelas possibilidades
dum cinzeiro. Ao assoprá-lo, ele estaria definitivamente reduzido a um
bom salmo. From ashes to ashes!
primeira noite de um homem – parte III
E curvada
sobre ele, cumprindo seu ofício, ela se expunha, revelando-se muito
rósea, permitindo-lhe dissipar o transe súbito que tanto o abobalhava,
para que se imiscuísse nela como lhe fosse possível, passando a sentir
seu mistério úmido, que escorria e fascinava dois dedos de sua mão
direita – os dedos que ele enfiou, ele não me disse, mas faço idéia.
Quando o quase em vias de ambos estava para explodir, só lhe restou sair
duma cavidade para entrar noutra, adquirindo a certeza de que era para
estar lá dentro já fazia um bom tempo.
Peg Entwistle – um exemplo a não ser seguido
It’s time to talk about Peg…
Peg Entwistle!
Ela não
participa da narrativa
em tela. Ela nada tem a ver com o herói retardado,
seduzido por uma prima tarada.
Mas ela
fazia parte de sua realidade simbólica. Mais um dos tantos apelos à sua
masturbação mental.
Ele a
conheceu em 1976, quando comprou
Hoolywood Babylon, do Kenneth
Anger, uma elegia à fratura exposta, absolutamente desinteressado em
estudar física ou química para um vestibular de direito, e ela ficou
muito íntima.
Desde
então, como Rameau, Bessie Smith,
Billie Holiday, Paul Whiteman, Madonna, Madame de Montespan, F. Scott
Fitzgerald, Nathanael West, Leniza Maier, Robespierre, Luís XVI,
Prestes, Clyde Barrow, Freud, Thomas Hobbes, Faye Greener e sabe-se
mais quem, Peg encontrou
abrigo masoquista em seu imaginário protetor, firmando-se como
jurisprudência.
Pobre
Peg! Pobre filha da puta!
Peg Entwistle, née Lillian Millicent Entwistle,
veio ao mundo em Londres. Como muita
gente órfã e complicada de seu tempo, atravessou o Atlântico pelas
tentações oferecidas pelo cinema, tentando sublimar um contexto pouco
agradável para alguém tanto sensível quanto ambicioso, repleto de
feridas narcísicas, sempre ao sabor dos traumas intransponíveis.
Moral de
sua tragédia muito íntima: ela via no trabalho de atriz uma forma de se
esquecer de si mesma, ajustando suas contas com o mundo pela fama e pela
fortuna.
Em 1929, a desesperada obteve
algum sucesso na Broadway.
Intoxicada com a promessa, não esperando que houvesse confirmação no
pouco que havia conquistado, partiu de mala e cuia para
Tinseltown, convicta de que
Hollywood nunca mais seria a
mesma, a partir do instante em que a tivesse em seu círculo.
Loiras como
ela havia às centenas em qualquer parte de Hollywood. E as que não eram
davam sempre um jeito de tornar-se, mesmo correndo o risco de
comparecerem ao próprio velório antes de qualquer teste cinematográfico.
O que
Peg não percebia era que havia
espaço para ela no teatro, tanto que mal chegou e foi trabalhar com
Billie Burke em
The Mad Hopes, mesmo que a peça tenha sido um
fracasso para os cálculos norte-americanos. Meia lotação duma casa era
argumento suficiente para o cancelamento dum espetáculo. O
cult ainda encubava pelo
ventre do american dream.
Teimosa
como burro de padeiro, porque sua obsessão era o cinema, conseguiu
emprego na RKO num filme de
mistério que também fracassou.
A partir
daí, like a rolling stone,
Peg só ouviu o clássico
“nada para você, por enquanto”,
mesmo que estivesse ativa em seu batendo-de-porta-em-porta nervoso.
Mas
Peg não era emborrachada como
Faye Greener, aquela tinhosa
criatura de Nathanael West,
meretrizando a vida de Homer
Simpson e de Tod Heckett
no The Day of the Locust – apesar de sempre extra, e quase sempre uma
extra sem emprego, mas nunca desistindo de viver e de importunar
diariamente a central de elenco, mesmo que sempre houvesse
um nada por enquanto, Faye
deu um jeito de arranjar-se num bordel de luxo, pondo definitivamente as
jóias da coroa no prego, pois sem isso não teria como pagar o enterro do
pai, sempre mais propícia a conduzir os outros que a cercavam ao
suicídio do que ela própria a aderir à conduta.
Peg talvez não tivesse estômago para que se submetesse a um bom
teste do joelho ou do sofá, não se dando a oportunidade tanto para
conhecer o talento duma circuncisão do leste europeu como para encontrar
alguém que cuidasse de sua carreira. Nem todo mundo nasce para
Leniza Maier.[1]
Outra
hipótese é que talvez ninguém estivesse interessado em submetê-la aos
testes. Talvez ela tivesse mau hálito, ou não se lavasse como determina
o figurino. Nunca se sabe!
Mas
Peg entrou em colapso,
passando a colecionar macaquinhos de má índole pelos labirintos da
sensibilidade ultrajada. O resultado não ultrapassou uma evidência
lamentável sobre o fato de que um apressado sempre chapinha em
desatinos, sem chance de apelação que repare ou indenize a extensão de
seus danos.
Se
Michael Jackson tivesse
esperado pela era Obama teria
descoberto que black is beautiful,
gozando, muito up-to-date, a
própria natureza afro-descendente. Se um
Walter Benjamin, desiludido e
melancólico, não tivesse aderido a tabletes de morfina, lá pelos
atormentados 1940 europeus,
ele teria passado a fronteira espanhola no dia seguinte, pois ela se
abriu e todos foram na direção da América, trocando uma opressão por
outra, mas ainda vivos, assustados e cheios de esperança.
Enfim,
Peg também muito apressada,
muito além da neurose e bem aquém do princípio de prazer, num ritmo a
vida sempre foi uma grande conspiração contra meus desejos e tudo está
acabado, naquele fatídico 18 de
setembro de 1932, subiu o
Monte Lee, lá onde se espalhava o gigantesco letreiro
HOLLYWOODLAND, optou pelo
H, trepou nele e projetou-se
do monstro, virando uma desconjuntada almofada de alfinetes.
Naked she’s born, naked she died!
O que a
atormentada nem desconfiava era que no exato momento em que dava cabo de
si mesma uma correspondência lhe estava sendo enviada, oferecendo-lhe um
papel principal numa peça, lá mesmo por
Tinseltown, a respeito duma
garota que também cometia suicídio. A vida imita a arte!
jurisprudência
De forma
negativa, digerida pela mera dialética das coisas,
Peg vinha em auxílio do herói, avisando-lhe qualquer coisa sobre sua
carreira de escritor. Um retardado sexual também poderia ser uma
tartaruga na satisfação de suas aspirações profissionais. Ela lhe
sinalizava um amarelo vibrando promessa pelos escaninhos da sua também
atormentada consciência, repleta de macaquinhos impertinentes, pois ele
sempre desejou trincar uma cápsula de cianureto, num rompante de puro
glamour descafeinado, evocando
um nazista em desespero de causa, não por amor não correspondido ou por
alguma possibilidade de desvio sexual que o chocasse, mas tão somente
porque suas ambições profissionais eram sempre barradas na Disneylândia:
(Voz de
Peg, ainda ardendo pelo Inferno
de Dante)
- Wait, my dear! There was nothing
for you just now! But just now! There will be a Day! Tomorrow will be
another Day! Wait! Wait, my dear! Don’t jump! Please! The magic of
self-murder has no sense! Wait!
Don’t be
silly!
uma gruta de jade e a necessidade dum cavanhaque
É claro que
ele tomara gosto por aquele alvo específico (tanto que houve duas
tentativas de gerar um herdeiro, sabotadas por dois abortos
espontâneos), tão simétrico, tão elegante, uma perfeita obra de arte da
natureza, estando muito longe de muitos que andam por aí, cheios de
sobras desnecessárias de carne que chegam a assustar o freguês,
obrigando-o a resolver as coisas sempre de olhos bem fechados.
Mas o que
mais o enlouqueceu foi cair de boca naquela gruta de jade bem limpinha,
fino trato, perscrutando-a em toda sua geografia durante muito tempo,
fazendo a prima tarada trepidar e soltar gritos, daqueles que incitam um
vizinho a chamar a polícia, até que sua umidade cedesse espaço a uma
torrente perfumada em cio, já antecipando as manchas nos lençóis. O fato
dele ter deixado crescer um cavanhaque meio esquisito, enquanto
estiveram juntos, tinha vários motivos, mas o principal era a
conservação daquele aroma pelas entranhas de suas narinas. A verdadeira
presença da ausência da coisa!
entes queridos
Tranqüilos
e refrescados no Céu, ou angustiados e cheios de queimaduras de terceiro
grau, em pleno inferno, comendo o pão que o diabo amassa diariamente,
seus pais, tão logo souberam do ocorrido, devem ter suspirado um
“Até que enfim!”
Mas eles o
desejavam como uma espada em tempo integral, não como uma gilete
indecisa e biscateira, dando-lhes pelo menos um netinho que poderia
atender por Júnior.
O que
talvez o par não tivesse tutano para cogitar, assim como os hemiplégicos
que o faziam sentir-se como um bom judeu assimilado, era que
uma águia pode voar tão baixo quanto uma galinha, mas uma galinha nunca
alça as alturas duma águia.
Só lhe
restava continuar egótico e
vice-versa, sempre discreto, preservando-se num estilo
no one is exactly like me,
sometimes even though I have trouble doing it. Fiel a si próprio,
mesmo que aos pedaços.
corneando Hobbes
E eu juro
por Deus que ele tentou estoicamente ser simples, sem complicações e
normal.
Daquele
tipo de normalidade que desaparece pela multidão e só aposta no senso
comum, absolutamente convicto de que a voz do povo é a voz de Jeová,
jogando-se duma ponte se todos estiverem se dirigindo para lá,
participando dum linchamento se todos estiverem se divertindo, enfim,
não passando um domingo sem ver o
Fantástico.
Apesar da
sua paixão por Hobbes, ele
quase o traiu com Rousseau.
relendo O
Conformista
Sim! Caro
leitor, ele tentou ser normal!
Nessa
confusão ilimitada, em seu mais cristalino desespero, pensou muito sobre
as atitudes de Marcelo Clerici,
pois O Conformista, de
Moravia, sempre foi um dos romances que levaria para uma ilha
deserta.
E aquela
descida aos infernos do senso comum, com direito a uma escala pela
breguice, absolutamente experimental, muito celofane, não deixou de
encontrar-se comprometida com certa dose cavalar de contrição. Isso
porque sua índole especulativa estava sempre lhe exigindo novos saberes,
novas práticas, deixando-lhe muito claro que tudo poderia ser feito e
experimentado, mesmo que com certo atraso, desde que não enveredasse
pelo homicídio, pelo canibalismo e pelo incesto. Haveria sempre
limitações para o apedrejamento e para a auto-flagelação.
cobaia de si mesmo
E nada
deveria coagi-lo ao remorso ou ao arrependimento por suas incursões pelo
pecado nefando. Ele era da
espécie que sabia muito bem que o que está feito está feito. Ele também
sabia que todo choro pelo leite derramado não passava de perda de tempo.
O mais importante naquilo tudo era que sempre se mantivesse íntegro,
nunca abdicando das responsabilidades advindas de seus atos. Ele tinha
certeza de que fazia parte de sua natureza trocar um inferno por outro.
E, quando tudo parecia insuportável e intransponível, só lhe restava
transformar as perdas e os danos em vagas e ambíguas motivações que
redundassem em contos ou romances, nunca abandonando sua condição, pouco
invejável, de cobaia de si próprio, indiferente ao que os outros
pudessem pensar do que fazia de si mesmo. Era seu jeito de se comunicar
com o mundo. Era a forma, pouco nociva, que encontrara para que
ajustasse suas contas com ele.
uma descida ao hades
E esse
momento solene, sua sôfrega e inútil tentativa pela normalidade, através
do senso comum, comprometido com a breguice, contaminou-se como uma
quase epifânia amorosa pelos pobres de espírito, a ponto dele quase
deixar que lhe viessem as criancinhas, correndo o risco de ser
injustamente acusado de pedófilo.
Enfim,
quando lhe chegou a grande oportunidade para um esplêndido suicídio -
pois as pressões exercidas pela incomunicabilidade estavam em sua
culminância, e ele se sentiu muito cansado de escrever para que ninguém
o lesse -, o herói não hesitou em trocá-la pela compra dum cd de algum
dejeto sertanejo, quase pondo fogo em todos seus textos, com a agravante
de auto-flagelar-se com programas televisivos dessas seitas que compõem
com maestria o rebotalho da
Reforma Protestante, sempre desafiando a paciência da história para
que haja uma nova Noite de São Bartolomeu.
falso alarme
Mas tudo
fogo de palha, querido leitor! Mera temporada no inferno, como tantas
outras que faziam parte de sua história privada. Simplesmente, um falso
alarme.
Henrique VIII, F.Scott Fitzgerald
e Madame de Montespan sempre seriam mais fortes do que
Leandro & Leonardo, ou
qualquer bispo de araque, esmagando
Xuxa e
Daniel, que já deveria ter ido
para a cova dos leões há muito tempo e só dela saindo para um bom forno
crematório. E Rameau venceu,
com certo apoio de Madonna!
Breguice
também salva! Mesmo que seja momentânea. É como um bom boquete, de
15 real, para imediato alívio
dos colhões.
variações em torno de um mesmo tema
E ele me
disse que quase se metamorfosear num falso evangélico não era muito
diferente de fingir que havia pontos conjuntivos entre os
blues de Bessie Smith e a
ladainha sertaneja – portanto, submeter-se aos impulsos libidinosos duma
mulher carente, aproveitando a ocasião que a sorte ou o azar lhe trazia
de bandeja não passava de mais uma variação em torno dum mesmo tema: seu
entusiasmo pelo falso alarme, mesmo que sempre tivesse coragem para
reconhecer seus equívocos, pondo-se sempre à disposição dum recomeço,
porque quase tudo lhe era necessário a seu processo incessante de
auto-conhecimento. Ele tinha certeza de que o preconceito seria sempre
um obstáculo à felicidade - uma rasura na
Antropofagia!
dois tolos
Pelo que
foi me dizendo, ele tinha certeza de que antes de entrar no romance de
ocasião, já sabia que, no mínimo, daria com os burros n’água, porque um
dos sintomas de qualquer aversão seria sempre a recorrência aos
adiamentos e às substituições – você sempre encontra algo para fazer
antes daquilo que precisa fazer, havendo sempre motivos para que sua
atenção se dirija a um outro ponto qualquer, e, enfim, quando você
realmente se dispõe a entregar-se ao inevitável, ele é sempre feito num
tom obrigacional, mesmo que você consiga imprimir nele certa atmosfera
de satisfação, jamais fugindo do complemento do olho no olho, pois isso
sempre lhe garante que a outra parte irá considerá-lo como sincero, como
digno de confiança, como alguém tão satisfeito quanto ela, e que todos
serão felizes para sempre, até que a morte os separe. Não era muito
difícil para ele fazer esse tipo de coisa. Relativa alma de cortesã!
Mas ele
também alimentava a certeza de que só confirmaria aquele fracasso
antecipado se não se negasse à experiência, pouco lhe dizendo respeito
que aquilo fosse mais uma das suas tentativas frustradas de composição
familiar ou uma das suas insanas variantes de busca pela normalidade.
E ele me
garantiu que se tudo tivesse saído conforme suas quimeras, a súbita
união poderia ter significado uma vida a dois impregnada de respeito
mútuo, onde a maturidade individual estaria exercendo controle sob os
excessos das idiossincrasias, sem tempo ou espaço para crises tuteladas
pelo egoísmo ou pela falta de sensibilidade.
Mas ele
também me disse que isso seria exigir muito dum ser humano,
principalmente, de dois desnorteados: ela só desejando o amor e ele só
querendo ser uma celebridade.
O que houve
entre ambos foi uma constante medição de forças, sempre entregue às
projeções de cada recalcado, que sempre esperava do outro aquilo que
mais lhe faltava, nem sempre conseguindo observá-lo como alguém entregue
aos próprios limites, alguém que só poderia oferecer aquilo que tivesse.
Porque ele sabia muito bem que devemos aprender a amar aquilo que nos
chega, não aquilo que tanto desejamos, pois o desejado às vezes não
passa de mera ilusão.
Conforme me
relatou de forma cínica, muito preocupado com sua carreira de escritor,
ele teria se acomodado à situação, mesmo que não a amasse. Uma mulher de
posses é sempre bem vinda no mundo da literatura. Aliás, ele não me
parecia alguém muito inclinado a amar quem quer que fosse, exceto a si
mesmo. Ela, por sua vez, mesmo que nunca o encontrasse, porque talvez
não soubesse do que se tratava, porque talvez sempre o confundisse com a
inutilidade das paixões, indo sempre buscá-lo em lugares equívocos,
fazia do amor obsessivo a razão da própria existência.
escombros nos dois territórios
E ele
também me disse que talvez fosse bem provável que ambos tivessem exigido
muito duma simples experiência. Nada mais do que um acréscimo de páginas
ao livro das próprias vidas. E isso precisava ser sempre levado muito a
sério. O fato de alguém se submeter a uma experiência, o que não deixava
de ser um ato de coragem, não significaria que ela fosse bem sucedida.
Era como se estivessem marcados pelo fracasso muito antes de terem
sequer pensado no assunto.
Se ela
fingiu que sua carreira de escritor era importante nos primeiros tempos,
objetivando seduzi-lo, ele, de seu lado, atuou o tempo todo como um
canastrão apaixonado. E as pretensões ao esculpido em
Carrara gelatinaram-se
putrefatas num cuspido e escarrado, cujo saldo esteve mais próximo das
ruínas do que propriamente do binômio vencedor/vencido, porque, dum
jeito ou doutro, ambos ganharam alguma coisa, mesmo que tenha havido
escombros nos dois territórios.
Salve
Edward! Não Jane! – lembrando Henrique VIII
Porque ele
se sentiu livre da prima, aquela baleia entalada em lençóis de grife,
sempre afivelada em seu estilo mulheres que amam demais, quando a última
tentativa para que tivessem um filho mais uma vez resultou num aborto
espontâneo.
O rebento
lhe importava muito mais do que a mulher (mera função), isso ele jamais
poderia negar. Sim! O herói queira muito aquele filho macho! Uma
promessa! Um enunciado anfibológico! Uma extensão da sua própria carne!
E ele, de forma sádica, porque sabia que ela corria o risco de passar
por maus bocados pela hora do parto, viu-se muito
Henrique VIII dizendo ao
cirurgião, caso passasse pela mesma experiência, sendo constrangido a
escolher entre a mãe ou o herdeiro:
Salve Edward! Não Jane!
Mas ele não
era Henrique VIII, ela não era
Jane Seymour, muito menos, o
feto prometia-se como Edward VI,
embora nada o refreasse em sua mania de estar sempre associando coisas
em sua mente, fossem as que estivessem marcando presença, fossem as que
surgissem do nada, prometendo boas combinatórias para hipóteses de
ocorrências.
um saldo positivo
Mas ele me
disse que havia naquilo tudo um saldo positivo, pelo menos, ele assim
preferia ver a coisa, porque, através dela, ele conseguira ampliar sua
leitura de mundo.
Conseguira
perder o medo absurdo que nutria pelas mulheres, mesmo que dele tenha se
livrado com certo atraso, passando a apreciá-las como uma possibilidade
inclusiva, ou seja, mais um dos objetos de desejo que faziam parte da
sua coleção. Sim! Ele não podia negar que seguira os passos de
Robespierre, Luís XVI,
Prestes e
Clyde Barrow, embora talvez freqüentasse o círculo de
Sade ou do
Regente, sobrinho de Luís XIV.
No escuro é quase sempre tudo muito parecido.
Através
dela também percebera que não eram só os que mordiam a fronha que temiam
a solidão. Ela também era uma das tantas vítimas do
mito de Sísifo. Sempre na
iminência de arriscar-se ao próximo homem, crendo que ele seria dela em
tempo integral, absolutamente entregue às ilusões do
I love to love the love.
Enfim, ele, o herói, convencia-se definitivamente de que o transtorno
pertencia a todo ser humano, desde que fosse débil, fazendo de terceiros
a condição para a própria felicidade. Se deixara de ser injusto com os
gatos, também deixaria de ser com seus irmãos de calvário. Todos se
igualavam diante da miséria da condição humana.
Através
dela também descobrira que era fértil e potente, conseguindo, inclusive,
dar duas sem tirar, sentindo orgulho da própria aparelhagem, passando a
preserva-se, só molhando o cajado naquilo que realmente valesse a pena,
pois caso contrário, estaria conformado ao cinco contra um. E ele sabia
que os homens levavam vantagens sobre as mulheres em muitos aspectos:
haveria sempre uma boa jovem carente e ingênua, rica e loira de verdade,
de preferência, predisposta a sucumbir aos encantos dum sujeito maduro e
culto, sempre engatilhado em sua condição de paisagem numa boa sala de
visitas – um reprodutor bem falante, um cínico incorrigível, quase um
mestre de cerimônias. Mesmo velho,
Cary Grant, apesar de gilete, conseguira seu filho no final da vida.
E pouco lhe importava que corresse o risco de comparecer ao batizado do
rebento no sábado, indo ele a seu enterro na terça.
Portanto,
caro leitor, ele só tinha o que lhe agradecer, mesmo que, durante certo
tempo, ela muito o tenha atrapalhado em suas leituras, em seu trabalho
de escritor, em suas andanças pelo
Youtube e pelo Google à
cata de mais idiossincrasias históricas, detestando tudo o que se
insurgisse como obstáculo entre os dois, transformando sua vida pacata e
egocêntrica num inferno, permitindo-lhe, finalmente, compreender o que
significava a experiência da solidão a dois.
Faye & Harry Greener – lembrando The Day of the Locust
E ela,
sempre querendo furar sua bolha de evasão, principalmente, quando ele
estava fixo em suas imagens antigas, curvado sobre a tela dum
computador, coletando exemplos e instrução, muitas vezes chegava a
provocá-lo, desejando que ele muito nela batesse, pois a bisca costumava
fazer isso com seus maridos, conseguindo tirá-los do sério,
satisfazendo-se com alguns hematomas e algumas equimoses, porque talvez
fosse preferível uma surra de quando em vez do que a mais fria
indiferença.
Mas ele
sempre tivera domínio exemplar sobre os próprios impulsos. Eles estariam
sempre reservados para seus textos. Violência só no papel. As
vicissitudes que a vida lhe reservava fizeram dele um bom cavalheiro,
nunca rompendo com aquilo que assimilara do bom e pérfido
Mazarino: devemos suportar uma
afronta quando nos é impossível revidá-la, mas nada nos impede de
mostrar a conta, tão logo as condições se mostrem propícias.
E ela que
ficasse bufando, entregue à própria frustração. Mas nada o impedia de
rir e debochar muito, sempre de forma melíflua, empregando metáforas de
difícil acesso para ridicularizá-la. Sua cartola inesgotável de exemplos
desabonatórios deixavam-na quase louca. Quanto mais ele não aderia à
agressividade desejada, mais furibunda ela ficava, só lhe restando fumar
o próximo cigarro de maconha (coisa que ele odiava) e mandá-lo embora.
Num dia ele realmente foi, e ela se arrependeu do que dissera tantas
vezes, falhando em suas tentativas para resgatá-lo. Porque, segundo ele
me disse, se estava fadado a uma cidade falsamente cosmopolita, que,
pelo menos, ficasse na sua – bem ou mal, o território já estava mais do
que conhecido e explorado.
Eles talvez
estivessem, durante o tempo de seu caso amoroso, como
Faye e Harry Greener, pai
e filha em seu duelo inútil de irritabilidade recíproca:
Harry com sua gargalhada, que sugeria um enfisema pulmonar, e
Faye se sacudindo e cantando
Jeepers, Creepers, como se
estivesse possuída por algum exu desencaminhado, um sempre postado na
frente do outro, em seus célebres momentos de tensão primitiva, medindo
forças para que descobrissem quem estava melhor em seu grau de
frustração. Um inferno muito íntimo! Irresistível como alcaparras em
excesso num molho que prometia sabor. Entretanto, ele não recorria ao
desespero de Faye, que punha termo ao ritual sado-masoquista, desferindo uma
sonora bofetada na cara vermelha do velho
Harry, despedindo-se
momentaneamente da situação pelo aconchego insalubre do próprio quarto.
Mas ele
também sabia que nada era para sempre, regozijando-se com a certeza de
que quanto mais cedo algo começa, mais cedo também acaba. O importante
naquilo tudo, segundo o que ele me confessou, era que sua mudança de
hábitos comprometia-se mais com possibilidades agregadoras do que
propriamente com meras substituições, o que, com toda certeza, salvava-o
da condição de hemiplégico moral, ou, definitivamente, garantia seu
lugar na galeria dos perversos. Embora ele desse preferência por ser comparado a um bom
judeu assimilado.
o que realmente lhe importava – sua carreira de
escritor
E logo,
conforme ele me disse, ela, a prima tarada, e a experiência seriam
reduzidas à condição de matéria-prima para algum conto ou algum romance.
Isso estaria sempre além de seu controle.
Mas tudo
ainda estava como tinta fresca, como massa de pão fermentando, exigindo
o devido tempo para a devida maturação. O ideal, nesses casos, era
sempre escrever depois que o envolvimento emocional já estivesse
cicatrizado, permitindo-lhe o necessário distanciamento estético, a
ponto de tudo perder-se, caso ainda houvesse mágoas, ressentimentos ou
pieguice alimentada pela paixão.
Transformar
as próprias frustrações num romance, conseguindo diluí-las e
reestruturá-las em situações que apenas as sugerissem, era sempre uma
tarefa árdua. E aquilo sempre levava tempo. Podia até custar-lhe uns
bons dez anos da própria vida. Mas isso não tinha importância.
Ele sabia
que a brincadeira era para os pacientes, os ensimesmados, os
displicentes, os que não perdiam tempo com escrúpulos, os que não punham
flores nos túmulos dos pais, vendo nos cemitérios apenas possibilidades
para obras de arte, os que não temiam a voz do próprio silêncio, os que
colecionavam cultura inútil, exercitando-a através da
analogia, os que sabiam que seus livros sempre viriam antes de
qualquer coisa, mesmo que nunca fossem editados, provavelmente
condenados ao póstumo. Por uma questão de prudência, era melhor que
gente desse tipo nunca se atrevesse à paternidade, caso não pudesse
pagar pelos serviços duma babá.
E ele
concluiu que sempre fracassaria em suas tentativas de normalidade
simplesmente porque ela não existia. Era mais fácil privar da companhia
dum unicórnio do que aprisioná-la num consenso.
vice-versa – a vela que queima de ambos os lados – a
sina do herói retardado
Sigamos a
bolinha para cantar a canção:
“My candle burns at both ends;
It will not last the night;
But ah, my foes, and oh, my
friends –
It gives a lovely light!”
Edna St. Vincent Millay
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