Do meu tempo de aluno na Faculdade de
Ciências de Lisboa, ficaram-me na memória, porque os conheci
mais de perto, os professores Carlos Teixeira
(1910-1982) e Torre de Assunção (1901-1987), dois homens muito
diferentes, mas ambos simples, afáveis e cem por cento
investigadores e professores dos seus alunos. Recordo hoje o
primeiro destes meus mestres, o que maior influência teve na
minha vida profissional.
Homem de grande destaque na Geologia portuguesa, o Prof.
Carlos Teixeira tinha grande capacidade de
intervenção nos organismos do Estado ligados a este sector, quer
em Portugal quer nas ex-colónias, nomeadamente em Angola e
Moçambique, além de que desfrutava de uma boa relação como o
extinto Instituto de Alta Cultura e com a Fundação Calouste
Gulbenkian, duas instituições financiadoras de uma grande parte
da investigação científica no nosso País.
Foi membro activo da Academia das Ciências de Lisboa,
dispunha de grande influência nos então Serviços Geológicos de
Portugal e Serviço de Fomento Mineiro (duas prestigiadas
instituições hoje fundidas no Laboratório Nacional de Energia e
Geologia), na ex-Junta de Energia Nuclear e na ex-Junta de
Investigações do Ultramar, organismos do Estado nos quais, com
grande autoridade, manobrava os cordelinhos ao sabor dos seus
propósitos em prol de sua dama, a Geologia, nunca a favor dos
seus interesses pessoais. A maioria dos geólogos
portugueses, seniores e juniores, e alguns estrangeiros
envolvidos em trabalhos no território nacional, eram os peões de
xadrez na sua perspectiva de engrandecimento da geologia
portuguesa. As gerações de geólogos, que se lhe seguiram,
devem-lhe essa dedicação quase obsessiva.
Depois de um pousio de algumas décadas sobre a fase pioneira e
gloriosa da geologia nacional, na passagem do século XIX ao
século XX, com homens como
Carlos Ribeiro, Nery Delgado e Paul Choffat, o
Prof. Carlos Teixeira foi o
principal dinamizador do renascimento desta ciência entre nós,
num período iniciado com o seu doutoramento na Universidade do
Porto, em 1944, e continuado em Lisboa, na Faculdade de
Ciências, até 1982, ano do seu falecimento.
O
Prof. Carlos Teixeira era um
homem só, sem família, no sentido mais amplo da palavra. Casara
com a Geologia e dessa união tinha uma caterva de descendentes,
todos eles seus subordinados nas carreiras académica e
científica, a quem dava protecção, não só profissional mas
também pessoal. Fiador de muitos dos seus assistentes nos
contratos de água, gás e electricidade e nos de arrendamento das
respectivas habitações, emprestava dinheiro, sem juros, a todo
aquele que, numa aflição, lho solicitasse. À mesa do restaurante
ou do café, era sempre ele que pagava a conta, como um pai. Ele,
por assim dizer, configurava a galinha e nós os pintos, mas
apenas enquanto não ousássemos “sair-lhe debaixo da asa”.
Mais
do que as minhas, descrevem-no as palavras do igualmente saudoso
Prof. Orlando Ribeiro, retiradas, avulsas, do texto que escreveu
no Volume de Homenagem que lhe foi dedicado, publicado no
Boletim da Sociedade Geológica de Portugal (Vol. XXII, 1980-81),
sociedade de que
Carlos Teixeira
foi sócio fundador nos anos 40: “Carlos Teixeira
era um lavrador do Minho (no sentido local de modesto
proprietário), tão enraizado no terrunho como as cepas do vinho
verde que tanto apreciava”... “Robusto de corpo e de espírito,
insensível à fadiga e ao conforto, comendo e bebendo bem mas
indiferente à hora das refeições,
Carlos Teixeira foi sobretudo um infatigável
trabalhador de campo... Insensível ao frio, ao calor e à chuva,
dizia que não era solúvel”... “nunca procurou posições
brilhantes e lucrativas”.
Impulsivo e autoritário, a diabetes acabou por cegá-lo e
torná-lo um homem azedo, intolerante, por vezes colérico, que se
foi incompatibilizando, um a um, com a maioria dos seus
colaboradores, mesmo com aqueles que lhe foram mais íntimos e
leais. Por fim, dizia aos poucos amigos que lhe iam restando,
que já correra com umas dúzias de “safardanas”, uma expressão
muito sua.
Amigo do seu amigo, enquanto o aceitasse como tal, personalidade
de amores, desamores e rancores, nem sempre era justo nos seus
juízos, nem sempre usando bem o elevado estatuto que tinha para
avaliar pessoas e trabalhos, não só na Universidade como nos
serviços ou departamentos que lhe reconheciam o muito saber que,
de facto, tinha. “Confundindo, às vezes, a lisonja que alguns lhe prodigalizavam com o
respeito e o mérito científico que todos reconheciam nele, não
deixa, por isso, de ter sido uma grande figura e um marco
importante na geologia portuguesa”, escreveu, ainda, o Prof.
Orlando Ribeiro, uma afirmação que os seus alunos subscrevem.
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