REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 34 | dezembro | 2012

 
 

 

 

 

 

A. M. GALOPIM DE CARVALHO

Prof. Carlos Teixeira, um marco na Geologia portuguesa do século XX

A.M. Galopim de Carvalho (Portugal). Geólogo e ficcionista. Professor jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.                                            

Do meu tempo de aluno na Faculdade de Ciências de Lisboa, ficaram-me na memória, porque os conheci mais de perto, os professores Carlos Teixeira (1910-1982) e Torre de Assunção (1901-1987), dois homens muito diferentes, mas ambos simples, afáveis e cem por cento investigadores e professores dos seus alunos. Recordo hoje o primeiro destes meus mestres, o que maior influência teve na minha vida profissional.

Homem de grande destaque na Geologia portuguesa, o Prof. Carlos Teixeira tinha grande capacidade de intervenção nos organismos do Estado ligados a este sector, quer em Portugal quer nas ex-colónias, nomeadamente em Angola e Moçambique, além de que desfrutava de uma boa relação como o extinto Instituto de Alta Cultura e com a Fundação Calouste Gulbenkian, duas instituições financiadoras de uma grande parte da investigação científica no nosso País.

Foi membro activo da Academia das Ciências de Lisboa, dispunha de grande influência nos então Serviços Geológicos de Portugal e Serviço de Fomento Mineiro (duas prestigiadas instituições hoje fundidas no Laboratório Nacional de Energia e Geologia), na ex-Junta de Energia Nuclear e na ex-Junta de Investigações do Ultramar, organismos do Estado nos quais, com grande autoridade, manobrava os cordelinhos ao sabor dos seus propósitos em prol de sua dama, a Geologia, nunca a favor dos seus interesses pessoais.  A maioria dos geólogos portugueses, seniores e juniores, e alguns estrangeiros envolvidos em trabalhos no território nacional, eram os peões de xadrez na sua perspectiva de engrandecimento da geologia portuguesa. As gerações de geólogos, que se lhe seguiram, devem-lhe essa dedicação quase obsessiva.

Depois de um pousio de algumas décadas sobre a fase pioneira e gloriosa da geologia nacional, na passagem do século XIX ao século XX, com homens como Carlos Ribeiro, Nery Delgado e Paul Choffat, o Prof. Carlos Teixeira foi o principal dinamizador do renascimento desta ciência entre nós, num período iniciado com o seu doutoramento na Universidade do Porto, em 1944, e continuado em Lisboa, na Faculdade de Ciências, até 1982, ano do seu falecimento.

O Prof. Carlos Teixeira era um homem só, sem família, no sentido mais amplo da palavra. Casara com a Geologia e dessa união tinha uma caterva de descendentes, todos eles seus subordinados nas carreiras académica e científica, a quem dava protecção, não só profissional mas também pessoal. Fiador de muitos dos seus assistentes nos contratos de água, gás e electricidade e nos de arrendamento das respectivas habitações, emprestava dinheiro, sem juros, a todo aquele que, numa aflição, lho solicitasse. À mesa do restaurante ou do café, era sempre ele que pagava a conta, como um pai. Ele, por assim dizer, configurava a galinha e nós os pintos, mas apenas enquanto não ousássemos “sair-lhe debaixo da asa”.

Mais do que as minhas, descrevem-no as palavras do igualmente saudoso Prof. Orlando Ribeiro, retiradas, avulsas, do texto que escreveu no Volume de Homenagem que lhe foi dedicado, publicado no Boletim da Sociedade Geológica de Portugal (Vol. XXII, 1980-81), sociedade de que Carlos Teixeira foi sócio fundador nos anos 40: “Carlos Teixeira era um lavrador do Minho (no sentido local de modesto proprietário), tão enraizado no terrunho como as cepas do vinho verde que tanto apreciava”... “Robusto de corpo e de espírito, insensível à fadiga e ao conforto, comendo e bebendo bem mas indiferente à hora das refeições, Carlos Teixeira foi sobretudo um infatigável trabalhador de campo... Insensível ao frio, ao calor e à chuva, dizia que não era solúvel”... “nunca procurou posições brilhantes e lucrativas”.

Impulsivo e autoritário, a diabetes acabou por cegá-lo e torná-lo um homem azedo, intolerante, por vezes colérico, que se foi incompatibilizando, um a um, com a maioria dos seus colaboradores, mesmo com aqueles que lhe foram mais íntimos e leais. Por fim, dizia aos poucos amigos que lhe iam restando, que já correra com umas dúzias de “safardanas”, uma expressão muito sua.

Amigo do seu amigo, enquanto o aceitasse como tal, personalidade de amores, desamores e rancores, nem sempre era justo nos seus juízos, nem sempre usando bem o elevado estatuto que tinha para avaliar pessoas e trabalhos, não só na Universidade como nos serviços ou departamentos que lhe reconheciam o muito saber que, de facto, tinha. “Confundindo, às vezes, a lisonja que alguns lhe prodigalizavam com o respeito e o mérito científico que todos reconheciam nele, não deixa, por isso, de ter sido uma grande figura e um marco importante na geologia portuguesa”, escreveu, ainda, o Prof. Orlando Ribeiro, uma afirmação que os seus alunos subscrevem.

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