REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 34 | dezembro | 2012

 
 

 

 

 

LISEL MUELLER

Outra versão

Taduções de Francisco Craveiro

Lisel Mueller nasceu em Hamburgo, em 1924, mas foi obrigada a escapar ao terror nazi e emigrou para a América aos 15 anos. Largamente reconhecida, ganhou o Pulitzer Prize e o National Book Award entre outros prémios.
 

EDITOR | TRIPLOV

 
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Outra versão

 

As nossas árvores são faias, mas as pessoas

confundem-na com bétulas;

pensam em nós como personagens

de um romance Russo, Kitty e Levin

a viverem satisfeitos no campo.

Os nossos amigos da cidade observam os pássaros

e os coelhos a alimentarem-se

no topo da neve branca e alta.

(Temos invernos Russos em Illinois,

mas guizos não, gambás em vez de lobos,

criados de confiança que façam o nosso trabalho  também não.)

Como numa peça Russa, um velho

vive connosco, é o meu pai;

ele deixa a vida escapar tão lentamente,

ano após ano, que a dor

está cravada dentro de mim, maçã envenenada

que não sobe nem desce.

Mas como as três irmãs, raramente

falamos  do que nos mantém acordados à noite;

como elas, queixamo-nos  de coisas

que não valem nada e falamos

do que nos dá prazer e do futuro:

dizemos  que os salgueiros

despertaram cedo este ano, um verde enevoado.

 

 

*

Canção nocturna

 

Entre rochas, sou a que está solta,

entre setas, sou o coração,

entre filhas, sou a solitária,

entre filhos, aquele que morre jovem.

*

Entre respostas, sou a pergunta,

entre amantes, sou a espada,

entre cicatrizes,  sou a ferida recente,

entre confetes, a bandeira negra.

*

Entre sapatos, sou o que tem a pedra,

entre dias, aquele que nunca vem,

entre os ossos encontrados na praia

o que canta era meu.

 

 

*

O concerto

                                          À memória de Dimitri Mitropoulos

 

O harpista acredita que há música

nas espinhas de peixe

*

O tocador de trompa acredita

em caracóis de ouro enormes

*

O piano não acredita em nada

e ri-se de orelha a orelha

*

As cordas coçam as barrigas

abertamente, com prazer

*

Flautas e oboés queixam-se

em dialectos da mesma língua

*

Baquetas acordam  uma pele

do sono de outra vida

*

porque o corvo sobrenatural

bate as asas no pódio

*

e a morte não é desculpa

 

 

*

Pequeno poema sobre  cães de caça e lebres

 

Depois da matança, temos o banquete.

E perto do fim, quando a dança abranda

e os novos se esgueiraram para algures,

os cães de caça, bêbados com o sangue das lebres,

começam a falar sobre como os seus pêlos

eram macios, que graciosos os seus saltos,

que encantadores os olhos assustados e dóceis.

 

 

*

Laranjas de sangue

 

Em 1936, uma criança

na Alemanha de Hitler,

que sabia eu sobre a Guerra em Espanha?

A Andaluzia era um tango

num gramofone mecânico,

Franco uma face de herói no jornal.

Ninguém me falou num poeta

 que poderia ter-me levado a aprender espanhol

esvaindo-se em sangue numa árida colina.

Tudo o que conhecia de Espanha

eram aquelas gulodices importadas

em que esbanjávamos dinheiro no Natal.

Lembro-me de separar os gomos,

de os alinhar, chupando cada um

lentamente, de forma a que a doçura vermelha

durasse o mais possível –

enquanto lia um poema

de um poeta Alemão morto  há muito

no qual  os bosques estavam em segurança

sob o olhar branco da lua.  

   
   
   
   
   
   
   
 

 

© Maria Estela Guedes
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