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Aos meus
netos Judith, Óscar e Sergio,
infantes que
já distinguem os centauros dos homens.
Se ignora o caráter da cópula, assim
como o tempo que necessitou para frutificar. Mas um frio domingo do mês
de março correspondente ao ano 2011, prodígio do novo milénio, no lugar
do globo chamado Villazalama, terra de abundantes pastos situada entre
Valdepero e Husillos, começaram à nascer cavalos com tronco humano,
braços e cabeça de homem ou, visto de outro modo, homens com lombo, rabo
e patas de cavalo. A combinação genética tinha logrado uma espécie nova:
os centauros, realidade superadora da fantasia humana que os criou,
aqueles filhos de Ixión e da nuvem Néfele, Hera fingida. Sua presença
deu pé à perguntas carentes de resposta lógica. Animais ou pessoas: a
dúvida inundou as ruas, chegou nas escrivaninhas das universidades, aos
claustros de professores; e dali ao intelecto dos filósofos. As leis
vigentes resultaram inúteis para regular a convivência do novo e o
velho; mero papel molhado e tinta atenuada. Desde os púlpitos os
belicosos sacerdotes lançaram anátemas que se ouviam nos cenáculos dos
governantes. Os parlamentos trataram o assunto em sessões esgotantes, e
acabaram aprovando a elaboração do pão de cevada e a venda de alfafa nas
quitandas. Apareceram no mercado gabãos-xairel antes inimagináveis, e os
negócios de construção e equipamento enriqueceram aos ousados.
O homem seguiu o caminho aberto, e
seu natural abusivo quis confinar aos quadrúpedes racionais. Não pôde.
Asas brotaram aos de maior alçada, aos mais ágeis. Não eram grande
coisa; dois apêndices lombares emplumados que lhes permitiam elevar-se
pelo ares e desaparecer. Aos seis meses se demonstraram transitórios;
ainda assim, durante o meio ano que durava a metamorfose, os centauros
se expandiam formando novas colónias. De modo que a espécie
recém-nascida se distribuiu pelos quatro pontos cardeais povoando a
terra. Os monstros nasciam domados e nada acrescentou o homem nesse
sentido. A cabeça humana regia seus atos de besta, humanando as
consequências; e a nobreza da besta parecia neutralizar os sentimentos
egoístas do homem. De maneira que os novos indivíduos exibiam condutas
íntegras acrescentadas a extraordinárias faculdades. Temores e acusações
iam perdendo intensidade, até que a rotina quis retornar ao seu.
Púlpitos, tribunas e outros palanques reticentes acabaram tolerando aos
mestiços. Se adaptaram os usos e as ferramentas às necessidades
anatómicas dos híbridos, e em pouco tempo aos novos seres lhes resultou
desnecessário demonstrar uma superioridade evidente. Foram penetrando
nas formações castrenses, na representação social e na judicatura. Em
breve ocuparam postos de relevo nas empresas e nos ministérios; e
ajudando os uns aos outros, até os pior dotados alcançaram bom acomodo.
Transcorridos cinquenta anos, os
centauros dominavam as variadas pirâmides do poder, e puderam abandonar
a dissimulação herdada das pessoas. A raça humana, afastada dos centros
de decisão, se viu confinada no ambiente dos trabalhos manuais
repetitivos, levando a cabo tarefas sujas ou tediosas.
Pelos meus conhecimentos da antiga
cultura, eu fui um dos destinados a apurar os velhos livros impressos
sobre papel, única fonte de sabedoria permitida às pessoas, a quem nos
está vedado o ingente acervo electrónico. Devia censurar qualquer
assomo, por subtil que fora, dos chamados valores humanistas. Antigos
impressores, também forçados, editavam novos livros imitando a estampa
dos velhos. Os leitores humanos iam abandonando as reivindicações de
espécie.
Eu conduzia uma conspiração calada, e
para servir aos propósitos rebeldes, todos os livros corrigidos por mim
escondem estas linhas em extensos parágrafos insubstanciais.
Os centauros,
receosos e inteligentes, descobriram meu ardil. As leis castigam com a
morte aos traidores; amanhã dar-me-ão coices em círculo.
PSdeJ
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Pedro Sevylla de Juana (España) nasceu em plena agricultura de secano, lá onde se
juntam A Terra de Campos e O Cerrato, Valdepero, província de Palencia
em Espanha; e a economia dos recursos à espera de tempos piores ajustou
o seu comportamento. Com a intenção de entender os mistérios da
existência, aprendeu a ler
aos três anos e chegou aos livros aos onze. Para explicar as suas
razões, aos doze iniciou-se na escritura. cumpriu já os sessenta e
cinco, e está tão longe do que quis ser, que pode o ver inteiro. No
entanto, transita a etapa de maior liberdade e ousadia; obrigam-lhe
muito poucas responsabilidades e sujeita temores e esperanças. Viveu em
Palencia, Valladolid, Barcelona e Madrid; passando temporadas em
Genebra, Estoril, Tánger, Paris e Ámsterdão. Publicitário,
conferenciante, tradutor, articulista, poeta, ensayista e narrador;
publicou vinte livros e colabora com diversas revistas da Europa e
América, tanto em língua espanhola como portuguesa. Trabalhos seus
integram seis antologías internacionais. Reside em El Escorial, dedicado
por inteiro às suas paixões mais arraigadas: viver, ler e escrever.
www.sevylla.com |