A arte
contemporânea – ou seja, a que com
independência
de espírito se estabelece como tal - tem
o selo de quem ama de facto os traços, as cores
e as
inflexões matéricas que nela se contêm
e, por isso, os cria fogosa ou serenamente.
(Aqui um esboço
de Beckman ou
de Lyle Carbajal ou mesmo
uma aguarela incompleta de Cézanne
ou até uma folha semi-queimada
semi-rasgada de Wolfli, o que no seu
quarto do manicómio onde residiu uma vintena
de anos, acendia velas de estearina a Santa
Realidade
que para ele
era a enfermeira que o amparava no seu
desgosto).
Esses que a fazem
por um imperativo da força que lhes sai do
corpo
e da sua organização em ossos e pele,
músculos, cartilagens e sentimentos – e que
depois
cristaliza em quadros, peças escultóricas
e elementos mistos - sabem que isso em
seguida
se repercute em nós e faz nascer
outras cores e traços e substâncias
vitais rodeados de palavras e de
realidades
por vezes raras e acrescentadas. Coisas
que umas vezes em cima outra vezes em baixo
do mundo que as fundamenta
são como um rosto convulso
ou inteiramente apaziguado
entre as mãos de quem rememora
o tempo vivo e desfeito.
In “Escrita e o seu contrário”
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