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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 33 |
novembro | 2012
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MARIA ESTELA GUEDES
Morte aos maçons?
Foto: Ed. Guimarães |
Maria Estela Guedes. Poeta, ficcionista,
cronista, dramaturga, historiadora da História Natural e da
Maçonaria Florestal Carbonária. Tem umas dezenas de títulos
publicados. |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Chegámos ao número 33 da Revista Triplov, e não seria possível
passar em silêncio a circunstância de o 33 representar algo à maneira de
um cartão de identidade maçónico. Por isso o comemoramos com artigos de
autores que conhecem o assunto de modo exemplar: Maria Azenha, que fala
da utopia da Fraternidade Rosacruz, Risoleta Pinto Pedro, que chama a
atenção para a espiritualidade, além da corporalidade maçónica, João
Santos Fernandes, que inclui o número 33 no seu estudo numerológico,
Nicolau Saião, que não ensaia, antes pratica o mundo da espiritualidade
na arte, e Régis Blanchet, do site La Renouée, que traz a lume a mais
desconhecida e porventura mais antiga das fraternidades maçónicas, a
Maçonaria Florestal.
Ao contrário do que se passa nos países americanos, em que a Maçonaria
goza de excelente reputação, e por isso se revela em público em vez de se ocultar,
na Europa, ela é discreta, passando em geral por
sociedade secreta. Mesmo hoje, em que a democracia consente a reunião de
mais de duas pessoas, e concede a liberdade de registo notarial a
associações de vários tipos, a maior parte dos maçons mantém secreta a
sua pertença a Lojas, e creio que a democracia não é tanta que
permita o registo delas em cartório. Por isso se registam como grémios e
academias. No Brasil, por exemplo, quando vem à
tona das conversas a questão de dada Ordem maçónica ser «irregular» (regulares,
tanto quanto sei, são as Lojas
criadas com autorização da Loja-mãe, irregulares ou selvagens as formadas sem
beneplácito materno),
quando, no Brasil, repito, surge esse problema, logo os maçons da Ordem
suspeita de irregularidade riem, declarando que a Loja
está registada como tal em notário, paga regularmente os seus impostos, por isso
não podia ser mais regular.
Importa aqui, entretanto, que o secretismo decorre da perseguição
histórica, que aliás tem sido intermitente. Períodos há em que a
Maçonaria goza de liberdade total, e então pode até acontecer que dados
governos e parlamentos sejam quase na totalidade constituídos por
maçons. Tal aconteceu nos primeiros tempos da nossa República, e tal
deixou de acontecer a partir dos governos de Oliveira Salazar, durante
os quais os maçons viram destruído o seu património histórico e
cultural, passaram a ser perseguidos, e por isso tiveram de se abrigar
na clandestinidade.
Viveremos nós, em Portugal, no século XXI, mais concretamente em 2012, um desses
períodos de predominância de maçons entre os nossos governantes e
deputados? Não sei, acho porém muito duvidoso. Pontualmente, sabemos da
sua existência em resultado de escândalos públicos, mais do que pela
publicitação de acontecimentos respeitáveis, mas essa pontualidade é
infinitamente menor que a dos escândalos políticos em que não aflora a
condição de maçons dos intervenientes. Quantos escândalos referíveis à
ação de maçons se contam, entre aqueles que têm sido notícia desde, por
exemplo, o 25 de Abril de 1974? Três, quatro? Mesmo que sejam cinco ou
seis, entre as centenas de outros de que a Maçonaria está ausente, o
número é irrelevante em termos estatísticos.
Não obstante a presença quase insignificante da Maçonaria no quadro das
desgraças políticas que têm vindo a afundar cada vez mais o nosso país
numa miséria geral iminente, nas manifestações do dia 15 de setembro, contra a troika e as medidas de
austeridade do governo, um dos cartazes que se exibia nas ruas
trazia impressa a frase «Morte aos maçons".
Que ideia dos maçons fará quem tal reclama? Pede-se a morte dos maçons
como já se caçaram bruxas, eliminaram judeus, apartaram dos lugares dos
brancos a gente de pele tisnada, e tantas outras classes de pessoas cuja
única sombra é a de em certo momento na cultura de dado lugar se
encontrarem em posição de desvantagem ou diferença perante o grupo
dominante. A tendência é para normalizar, para isso a sociedade criou
grelhas de defesa, através de regras morais, normas de comportamento,
religiões oficiais, e mesmo de uma ciência que em tempos estipulava o que
era a norma e o
que era o desvio, que o mesmo é dizer, uma ciência que se arrogou ou
arroga o direito de distinguir os belos
dos monstros. A discriminação não assenta em nada mais relevante do que
o desejo de um grupo manter a sua soberania face a outro. No machismo
não radica uma superioridade dos homens sobre as mulheres, sim fatores
culturais que preservam no macho uma perdida dominação, oriunda da sua
antiga atribuição de caçadores, e da necessidade de garantirem a passagem
de bens patrimoniais a uma prole asseguradamente sua.
Que se passa em Portugal, para nele latejarem, sob mantos diáfanos de
civilização, impulsos racistas, discriminatórios da mulher, e agora esse
anacrónico pedido de morte aos maçons? A meu ver, a única justificação
radica na incultura e na ignorância, devidas em primeiro lugar ao
descalabro do Ensino. Notemos que parte dos escândalos políticos mais
recentes, com ou sem participação maçónica, se referem à falta de graus
académicos dos governantes, e que o atual governo, aliás para nosso
espanto, está a ser atacado de forma deseducada, e atacado nos
fundamentos do seu conhecimento. A tal ponto que vimos o ministro das
Finanças, Vítor Gaspar, numa intervenção televisiva de há poucos dias,
garantir que o seu desempenho é movido, não pelo desejo de
restabelecer as finanças públicas, sim pelo de mostrar aos portugueses
que o muito dinheiro investido pelo Estado na sua formação académica não
tinha sido atirado à rua. Ora não parece que a sua política de
austeridade, reconhecida como errada por todos os peritos, incluídos os
do seu próprio partido, padeça de qualquer espécie de influência
maçónica.
Maria Estela Guedes
Casa dos Banhos, 24 de outubro de 2012
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Jornal
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© Maria Estela Guedes
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