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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 33 | novembro | 2012
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A. M. GALOPIM DE CARVALHO
As ciências da Terra na Idade Média
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A.M. Galopim de Carvalho (Portugal). Geólogo e ficcionista.
Professor jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de
Lisboa. |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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Cronologicamente situada entre,
aproximadamente, os séculos
V
e
XV,
a Idade Média foi um tempo de alastramento do
cristianismo e da vida cultural na Europa ocidental,
sobretudo através do surgimento de mosteiros
da Ordem Beneditina. Seguidores de São Bento de Núrcia (480-547) os
monges desta comunidade cristã, iniciadores do movimento
monacal, foram os herdeiros da cultura latina e os depositários
do essencial do saber do mundo antigo, com destaque para Santo Isidoro
de Sevilha (560-636), considerado o primeiro dos grandes enciclopedistas
medievais, que nos deixou
Etymologiae sive origines,
obra monumental em 20 volumes, na qual estão registados os conhecimentos
da época
sobre
matemática,
astronomia,
medicina,
anatomia humana,
zoologia,
geografia,
meteorologia,
geologia, mineralogia,
botânica e agricultura. Este grande erudito, que foi arcebispo
de Sevilha, canonizado em 1598 e proclamado Doutor da Igreja em 1722,
não observou nem experimentou, não descobriu nada de novo nem
reinterpretou ideias antigas, pelo que não inovou. Limitou-se a compilar
o saber disponível na época, o que não deixa de ter a maior importância
na história do saber científico.
Durante este período, o estudo e o ensino
transitaram dos mosteiros e conventos para as chamadas
escolas catedrais, criadas
por toda a Europa, centros de sabedoria que, por seu turno, foram
substituídos por
universidades[1]
nas cidades mais importantes, privilegiando o ensino de disciplinas como
teologia,
gramática,
retórica, dialéctica (lógica),
aritmética,
geometria,
astronomia,
direito,
medicina e
música. A filosofia natural, herança da Grécia antiga, não
era ainda uma disciplina autónoma. Era dentro da medicina que se falava
de plantas e de algumas pedras (minerais e outras fantasias) com realce
nas suas virtudes terapêuticas e mágicas.
Com a queda do Império Romano do Ocidente, na
segunda metade do século V, parte importante do conhecimento produzido e
ensinado na Antiguidade sobreviveu graças à recuperação das obras
clássicas feitas, sobretudo, por tradutores árabes e judeus. A par da
filosofia grega assim recuperada e da alquimia herdada das culturas
chinesas, babilónicas e egípcias, foi o tempo da escolástica (do grego
scolastikós, instruído), o
método de
pensamento dominante no ensino nas
universidades medievais europeias.
Entendida como
um via de harmonização da razão com a fé, esta disciplina procurou
conduzir a filosofia no interesse da teologia ou, numa outra versão,
conciliar o pensamento de Aristóteles com a doutrina da Igreja. As obras
escritas, então publicadas, revelam a redescoberta do fundador do Liceu
de Atenas e da sua ênfase no racionalismo e no
empirismo, numa corrente do pensamento que conduziu à
introdução da lógica nas ideias e no discurso teológico, constituindo
uma via interessada em abordar, conjuntamente, a razão e a verdade da
fé.
Ao longo do século X, os membros de uma
fraternidade de filósofos ismaelitas, conhecida por “Ikhwan
al-Safa”, expressão árabe traduzível por “Irmãos da Pureza”,
que se pensa terem vivido em Bassorá, no Iraque, escreveram
colectivamente, uma enciclopédia com mais de 50 volumes (Rasa'il
Ikhwan al-safa') inspirada nas filosofias pitagóricas, platónicas,
aristotélicas e na do próprio Corão. O principal objectivo destes
“Irmãos” era o conhecimento do Universo, na sua grande harmonia e
beleza, apontando a necessidade de uma preocupação que fosse para além
da existência material. Nesta enciclopédia descreveram, como grande
modernidade, conceitos fundamentais da geodinâmica externa, hoje por
demais evidentes, mas inovadores para a época. Diz-se aí que “a
erosão destrói perpetuamente as montanhas e que o escorrer das águas
pluviais arrasta rochedos, pedras e areia para o leito das torrentes e
rios”; diz-se
ainda que, “por seu turno, ao
escoarem-se, os rios acarretam tais materiais para os pântanos, lagos e
mares, onde os acumulam sob a forma de camadas sobrepostas”.
Escreveram aí que os continentes, uma vez arrasados, ficavam ao nível do
mar, um ensinamento que é uma notável antecipação ao conceito de
peneplanície formulado, em finais do século XIX, pelo geomorfólogo
norte-americano William Morris de Davis. Uma outra ideia que, embora
errónea, testemunha a preocupação desta comunidade de filósofos pelo
conhecimento do planeta, diz que, “estando o mar cheio de sedimentos trazidos dos continentes, o seu
nível subia e as águas invadiam as terras”. Assim, segundo eles,
“periodicamente, todos os 36 000
anos, as planícies se transformavam em mares”. Nesta concepção,
igualmente errónea, de ciclicidade, já apontada por Aristóteles, no
século IV a.C, diz-se ainda que
“as
terras actuais são antigos fundos marinhos e que os mares do presente
serão futuros continentes”.
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Escolástica |
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Um campo do
conhecimento medieval com pontes de aproximação às ciências da Terra foi
a alquimia, entendida como uma corrente, a um tempo filosófica e
experimental, que combinou elementos de química, metalurgia,
antropologia, medicina, botânica, filosofia, matemática, astrologia,
misticismo, religião e magia. Tanto a química como a metalurgia dos
alquimistas tinham os minerais entre os produtos usados nas suas
investigações e daí o esboço se uma disciplina - a mineralogia - que, só
séculos mais tarde, conquistou o estatuto de ciência. Surgidos no
extremo Oriente, o pensamento e a prática que conduziram à alquimia,
chegaram à Europa através dos árabes, após a queda do
Império Romano do Ocidente.
O termo é a tradução do árabe al
kimia, expressão cujas raízes ainda são tema de discussão. A
alquimia desenvolveu-se depois, na Mesopotâmia, no Egipto, com destaque
para a cidade de Alexandria, no
mundo
Islâmico,
na Grécia, em Roma, e no resto da Europa.
Muito se tem
escrito sobre os alquimistas e a “pedra filosofal” necessária à produção
de ouro a partir de metais vulgares como o cobre, o chumbo, o estanho, o
ferro e outros, considerados inferiores. Outro tema de interesse de
muitos deles foi a procura do “elixir da longa vida”, tido por uma
panaceia universal que curaria todas as enfermidades e daria vida longa
àqueles que o ingerissem. Muito se tem escrito, ainda, sobre outros
domínios da alquimia ligados à filosofia, à astrologia, à religião, ao
misticismo e à magia, aspectos associados à ideia de “Idade das Trevas”,
expressão muitas vezes atribuída à “Idade Média”. Em simultâneo com
estas actividades, que nada tinham de científicas, há que realçar o seu
carácter precursor da ciência experimental, nomeadamente a química, a
mineralogia e a metalurgia, manipulando minerais e outros produtos
químicos no propósito de obter novas substâncias. Muitos alquimistas
foram julgados pela
Inquisição
e condenados à fogueira por alegado pacto com Santanás. Durante muito
tempo, o
enxofre,
material usado pelos alquimistas, foi associado ao Diabo.
Entre os procedimentos que esta prática nos
legou e ainda em uso nos laboratórios do presente, contam-se o
aquecimento à chama e em
banho-maria, a
destilação, a
combustão, e a
evaporação.
Uns, mais, outros,
menos, os alquimistas tiveram papel importante na construção do vasto e
complexo edifício do conhecimento químico e mineralógico que temos ao
nosso dispor. O legado que nos deixaram é algo que lhes devemos e muito.
Na Pérsia, Avicena (980-1037) foi um deles e um dos mais distintos.
Médico, filósofo, jurista e alquimista de grande ecletismo noutros
saberes, é considerado um dos pilares fundamentais da filosofia islâmica
e uma das grandes figuras do pensamento universal. A sua cultura foi
enciclopédica, dominando campos como os da astronomia, geologia,
mineralogia, química, física (com destaque para a descoberta da
capilaridade), geometria,
gramática,
jurisprudência e
teologia.
Advogando a unidade
da filosofia, Avicena estudou profundamente Platão e Aristóteles e
procurou conciliar as respectivas doutrinas. A sua influência filosófica
na Europa oriental não foi duradoura devido à oposição dos teólogos
cristãos ortodoxos. Pelo contrário, foi decisivo no ocidente europeu, no
que diz respeito à difusão do pensamento aristotélico nos
séculos XII e
XIII,
tendo influenciado filósofos como
Alberto Magno
e
Tomás de Aquino,
que nutriam grande admiração por ele.
Avicena deixou-nos perto de 270 obras escritas
que cobrem a vastidão do seu saber enciclopédico, com grande destaque
para a medicina e a farmacêutica. O seu tratado sobre as pedras, De
Lapidibus, já distinguia “terras”, “pedras”, “minerais fusíveis e
sulfurosos”, “metais” e “sais”, com base nas características externas
directamente observáveis (cor, forma e brilho) e nas propriedades
físicas determináveis, entre as quais a fusibilidade. Esta classificação
é considerada a primeira sistemática dos objectos do “Reino Mineral”,
numa época em que não se fazia distinção entre minerais e rochas. Nessa
época dava-se o nome de terra
aos minerais e rochas decompostos e/ou desagregados pelos agentes
atmosféricos, de aspecto mais ou menos arenoso (terroso) e pulverulento
(barrento). É na manutenção deste conceito que nós, com toda a
propriedade, chamamos “terra” à fracção mineral, desagregada, do solo e,
até, ao próprio solo. É ainda nesta tradição que se chamava “terra de
infusórios” ao diatomito, “terra fulónica” à bentonite e
terra rossa à argila vermelha
residual da dissolução dos calcários, no modelado cársico. Pela mesma
razão, os franceses usam terre
e os ingleses, earth, para se
referiram ao barro.
Em França,
Marbodus (1035 - 1123),
bispo de Rennes e mestre em Angers, registou o conhecimento dos
minerais no seu “De Gemmis”.
Escrito entre 1061 e 1081, é o mais antigo lapidário conhecido, de cujo
manuscrito existem mais de cem cópias em diversas línguas e de que há
catorze edições impressas entre 1511 e 1740. Os lapidários são pequenos
livros manuscritos ou impressos, onde, entre outros, estão registados os
conhecimentos de mineralogia acumulados durante os séculos XI a XVII. No
geral, apresentam os minerais e outras pedras por ordem alfabética, com
destaque para as suas “virtudes” medicinais e mágicas; são, por isso,
considerados, por alguns estudiosos, como manuais de medicina e magia.
Das cerca de seis dezenas de pedras referidas no
lapidário de Avicena, distribuídas por cinco grupos, muitas são puras
fantasias e apenas pouco mais de vinte correspondem a minerais, entre os
quais muitas gemas, como adamans (diamante), achates
(ágatas), crystalus
(quartzo hialino), selenites,
topazius (topázio),
carbunculus (rubi, espinela vermelha e granada vermelha),
smaragdos (esmeralda) e,
ainda, saphirus, nome que
referia, não a safira que hoje conhecemos como uma variedade gema de
corindo, mas sim o lápis-lazúli, então com aquele nome e considerada a
mais preciosa e de maiores virtudes medicinais e espirituais, dada a cor
azul forte, celestial.
Bem perto de nós,
nascido em Córdova, então território moçulmano, viveu o grande filósofo
de origem árabe, Abu al-Walid Muhammad Ibn Ahmad Ibn Munhammad Ibn Ruchd
(1126-1198), mais conhecido por Averróis (distorção
latina do seu cognome
árabe).
A Andaluzia era, então, um dos mais notáveis centros de sabedoria da
humanidade, e aí teve lugar um movimento intelectual notável que acabou
por ser aniquilado pela reconquista cristã. Muitos dos textos dos
filósofos gregos salvos das bibliotecas de então, foram ali traduzidos.
Durante a última metade da Idade Média, mais de quatro séculos, o árabe
foi a língua dominante na filosofia e na ciência embrionária europeias.
Embora não tenha
abordado temas directamente relacionados com as ciências da Terra, a
intensa defesa que fez do pensamento científico e da sua independência
relativamente aos dogmas da Igreja, deram sustentáculo ao avanço, tantas
vezes difícil, levado a cabo, primeiro, por naturalistas e, mais tarde,
por geólogos. Ao afirmar que, “com excepção do sobrenatural, o
pensamento se deve sujeitar à força da razão”, este muçulmano ibérico
deve ser considerado um precursor do pensamento científico e, neste
sentido, a sua influência foi grande e decisiva na evolução da ciência, em geral. Seguidor do
aristotelismo, que soube fundir com uma parcela de platonismo, Averróis
afirmava que, a par da verdade óbvia do dia-a-dia, observável e aceite
pelo povo, e da verdade mística da fé defendida e propalada pelos
teólogos, há a verdade científica, fruto da razão, podendo estar em
desacordo umas com as outras. Num tempo em que a
teologia dominava sobre a
filosofia
natural, as suas ideias alastraram entre a comunidade de estudiosos
cristãos da Universidade de Paris, criando uma corrente de pensamento
científico puro e independente das crenças religiosas, oposto à
envelhecida tese de Santo Agostinho (354-430), segundo a qual havia uma
única verdade, a dos santos evangelhos. Para Averróis, uma dada
afirmação pode ser teologicamente verdadeira e filosoficamente
(cientificamente) falsa e vice-versa.
Este, que foi o mais afamado pensador islâmico da Idade Média, viveu
muito à frente do seu tempo, abrindo o caminho para o Renascimento e
influenciando, significativamente, a filosofia europeia. Intelectual
de grande ecletismo, Averróis foi médico, astrónomo, jurista e
teólogo. Estudioso do direito canónico muçulmano, foi um dos maiores
conhecedores e comentadores do pensamento de
Aristóteles,
tendo ficado conhecido na história da filosofia pelo cognome de “O
Comentador”.
Durante parte da sua vida, Averróis contou com a
protecção dos califas locais, até que foi desterrado por Abu Yusuf
Ya'qub al-Mansur
que, na mesma linha das hierarquias do catolicismo, considerou as
suas opiniões desrespeitadoras e em desacordo com o Corão. Muito da
sua obra acabou também por ser condenada pela Igreja Católica.
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O alquimista. Pintura do flamengo David
Teniers, o Novo (1610-1690)
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Ao tempo dos nossos reis Sancho II e Afonso
III e do rei
de Castela e
Leão,
Afonso X (1221-1284), o Sábio ou o Astrólogo,
a corte deste monarca foi uma autêntica academia científica
no espaço mediterrâneo, tendo marcado um período excepcional no culto da
sabedoria, conhecido por Renascença do século XIII. Judeus, árabes e
cristãos conviveram nesta corte em absoluta harmonia e respeito pela
cultura e pela ciência. Este, que também foi o imperador eleito do Sacro
Império Romano - Germânico (mas que não exerceu esse cargo), realizou a
primeira
reforma ortográfica
do
castelhano, língua que
adoptou oficialmente, em substituição do
latim. A histórica
escola de
tradutores de
Toledo, reunindo
cristãos,
judeus e
muçulmanos, traduziu grande
parte dos textos da
antiguidade clássica, obras
que foram consideradas as principais responsáveis pelo renascimento
científico de toda a
Europa
medieval.
Visto como o mais
ilustre professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Paris, o
dominicano alemão Albrecht von Bollstädt (1206-1280), ficou conhecido entre nós por
Alberto, o Grande, ou Alberto
Magno e, também, por Maître Aubert,
ou simplesmente Maubert, o
Doctor Universalis, como
era citado. Tendo
dedicado muito do seu tempo em domínios da alquimia e estudado a
filosofia de Aristóteles e a dos filósofos árabes, produziu uma das mais
importantes sínteses da cultura medieval e defendeu a coexistência
pacífica da
ciência e da
religião, tendo sido
particularmente eficaz na aplicação das ideias aristotélicas no
pensamento cristão. Mas não se limitou a repetir a obra do grande
filósofo. Procurou recriá-la com a sua própria experiência e as suas
observações. No propósito de subordinar o aristotelismo à fé cristã, o
Papa Gregório IX incumbiu Alberto dessa tarefa.
Em resultado do seu trabalho, a física e a metafísica, a lógica,
a ética, a psicologia e a política do estagirita[2]
passaram a fazer parte da escolástica. Lembrado como o maior filósofo e
teólogo europeu da
Idade Média, foi também figura de grande prestígio
no mundo da ciência do seu tempo, em domínios mais tarde incluídos na
química e na mineralogia que realizou na sua qualidade de alquimista.
Após concluir os seus estudos em
Pádua e em
Paris,
Alberto optou pela vida religiosa, ingressando na Ordem de São Domingos,
em 1223, tendo chegado à dignidade de
Bispo de
Regensburgo (Ratisbona).
Do outro lado do
Canal, considerado o mais admirável cientista da Idade Média, Roger
Bacon (1214-1294), filósofo e alquimista
inglês, foi pioneiro na estruturação do método experimental, como
forma de validação do conhecimento científico. O seu papel nas ciências
da Terra decorre da sua visão sobre a ciência em geral. O seu nome ficou ainda ligado à matemática
(trabalhou na correcção do Calendário Juliano) e, principalmente, à
óptica. Estudou em
Oxford,
tendo sido professor nesta
Universidade, bem como na de Paris. Frade franciscano, viveu um período
onde o influxo de obras escritas dos filósofos gregos, vindas através
das já citadas traduções, revolucionava a vida intelectual do ocidente
europeu. Bastante influenciado por estes textos, foi um dos principais
europeus do seu tempo a ensinar a
filosofia de
Aristóteles. Colocando ênfase considerável sobre os
procedimentos empíricos, lutou contra as chamadas ideias inatas. Face a
esta sua acção inovadora, ficou na história com o título de
Doctor Mirabilis (Doutor
Admirável, em latim). Propondo novas metodologias de investigação
científica, colocou em causa os métodos de ensino praticados por
franciscanos e dominicanos, o que o tornou impopular perante as
autoridades eclesiásticas. Consciente de que a escolástica fora
concebida como uma via para conciliar a razão com a fé, não deixou de
salientar as virtudes desta disciplina medieval, mas apontou-lhe os
vícios, em especial os que misturavam os dogmas da Igreja com a
filosofia, defendendo a separação entre a teologia e o saber científico,
numa atitude coincidente com a dos comentadores árabes de Aristóteles,
entre os quais, Averróis. Esta atitude de Bacon germinou mesmo no seio
da Igreja e teve aí seguidores que defendiam a separação da filosofia da
teologia, afirmando que esta não é uma ciência, uma vez que as suas
deduções não assentam em dados concretos, observáveis e experimentáveis,
mas em premissas sustentadas e, tantas vezes, impostas pela fé.
Na medida desta nova
atitude perante o conhecimento científico, as ideias sobre a origem, a
história e a natureza da Terra começam a apontar o caminho que as
afastou das crenças ancestrais e as conduziu às preocupações, em
primeiro lugar, dos naturalistas e, mais tarde, dos geólogos. Deve-se a
Bacon a criação e divulgação do conceito de "leis
da natureza", facto
importante num período em que, como se disse, estavam ocorrendo
modificações no pensamento filosófico, em geral, e na filosofia natural,
em particular.
Restrições censórias e perseguições movidas pela
Ordem Franciscana que, em 1272, proibiu a divulgação dos seus livros,
afectaram uma parte importante da sua criatividade intelectual. Esta sua
dissidência face à hierarquia e a sua actividade nas práticas alquímicas
(entre outras, descobriu a combinação perfeita da pólvora) levaram-no à
prisão por mais de uma década.
Contemporâneo de
Bacon, o dominicano italiano Tomás de Aquino (1225-1274), distinto aluno
de Alberto Magno e autor da influente obra
Summa Theologica,
ficou na história da filosofia e da teologia com o título de
Doctor
Communis
ou Doctor Angelicus. Considerado um dos principais expoentes da
escolástica,
foi o criador do Tomismo, a doutrina adoptada oficialmente pela
Igreja Católica, que, sem
deixar de valorizar o pensamento de Platão e o misticismo de Santo
Agostinho, visou, sobretudo e uma vez mais, integrar o filosofia
aristotélica nos textos bíblicos, criando uma outra, inspirada na
fé, numa
espécie de
teologia científica.
Não irmanado com
qualquer ordem religiosa, ao invés da grande maioria dos intelectuais da
Idade Média ligados quer
aos
franciscanos, como Bacon, quer aos
dominicanos, como Tomás
de Aquino, o francês Jean Buridan (c.1300-1360), reitor da Universidade
de Paris, foi um clérigo e filósofo liberto das amarras impostas pela
religião o que lhe permitiu o avanço em domínios da ciência que marcaram
a sua obra. Como professor na mesma Universidade ao longo de uma vida,
ensinou e escreveu sobre Lógica, Metafísica, Ética e Filosofia Natural
numa metodologia e numa prática entendidas como
seculares, isto é,
distintas da
teologia. Considerado o filósofo francês mais influente, no século XIV e
nos dois ou três que se lhe seguiram, desenvolveu o conceito físico de
impulso, dando, assim, o
primeiro passo no sentido do moderno conceito de
inércia, inexistente no
pensamento de
Aristóteles.
Com interesse na
história do pensamento geológico,
Buridan reformulou uma ideia vinda da Antiguidade, ao escrever: “Onde
hoje se encontra o mar foi outrora terra e, inversamente, onde a terra
firme está no presente, esteve o mar e aí voltará”. Uma outra afirmação sua, que
demonstra ter compreendido a globalidade do ciclo de erosão, diz: “A
erosão torna mais leves os continentes que, aplanados, tendem a
erguer-se, e torna mais pesados os oceanos, pela deposição de
sedimentos, que tendem a afundar-se”, o que, não obstante algum
desconhecimento próprio da época, revela ter ele tido a percepção da
isóstase.
Buridan falava, ainda, de ciclos na história da Terra com 120 milhões de
anos, uma ousadia face às ideias tradicionais impostas pelas Escrituras
Sagradas, o que mostra que tinha a percepção da imensidão do tempo
geológico.
Noutro plano, dizia ele que os movimentos dos
céus estão submetidos às mesmas leis dos movimentos dos corpos na Terra.
Para ele havia uma única mecânica que regia todos os corpos, desde a
esfera do Sol ao pião que se põe a rodopiar.
Alvo de uma campanha
encorajada por Roma e concretizada por partidários do franciscano e
escolástico inglês,
William Ockham (1285-1347), a obra escrita de Buridan foi proibida
pela
Igreja Católica e colocada no
famigerado
Index Librorum Prohibitorum,
promulgado pelo
Papa Paulo IV, em
1559, com
uma versão revista e autorizada pelo
Concílio de Trento,
em 1563.
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Na corte de Afonso X (o Sábio)
de Castela e Leão
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[1]
- Salermo, Bolonha, Paris, Oxford. Montpelier, Arezzo,
Salamanca, Pádua, Orleães, Roma, Siena, Lisboa, entre muitas
outras.
[2]
- Designação que era dada a Aristóteles pelo facto de ser
natural
à antiga cidade de
Estagira (hoje
Stavro), na Macedónia.
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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