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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 33 | novembro | 2012
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ADELTO GONÇALVES
O romance da geração de 70
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade
de São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira
(Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002) e Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).
E-mail: marilizadelto@uol.com.br |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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I |
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Depois de publicar, em 2005,
O Viúvo (Brasília: LGE
Editora), definido por este articulista como um das poucas obras-primas
do romance brasileiro do começo do século XXI, Ronaldo Costa Fernandes
(1952) volta a incursionar no gênero, desta vez com
Um homem é muito pouco (São
Paulo: Nankin Editorial, 2010), que pode ser considerado o romance de
uma geração, a geração que começa agora a chegar a seis décadas de
existência e viveu convulsivamente o pesadelo das décadas de 1960 e
1970, a longa noite do terror direitista (1964-1985) que infelicitou a
Nação. E que como legado favoreceu o fortalecimento de um conluio de
antigos esquerdistas arrependidos com arrivistas e oportunistas de todos
os matizes que, hoje, saqueiam a não mais poder os cofres da República.
Dividido em quatro partes aparentemente desconexas e
independentes, este romance, se tem um fio-condutor, este é um
anti-herói nada simpático – um homem da antiga comunidade de
informações, o capitão Vaz, ligado aos órgãos repressivos do regime
militar (1964-1985), uma figura semelhante a Alfredo Astiz, o famoso
Anjo da Morte, um dos símbolos macabros da ditadura argentina, que por
estes dias acaba de ser julgado e condenado à prisão perpétua.
A diferença é que os anjos da morte brasileiros que ainda restam
por aí são fantasmas que se esgueiram pelos salões da sociedade, com a
certeza de que nunca serão punidos por seus crimes. Até porque um dos
economistas mais poderosos daquele tempo é, hoje, um venerando consultor
de grandes empresas e do próprio governo, ainda que, àquela época, até a
própria presidente de hoje fosse uma das integrantes do bando que o
queria seqüestrar e, provavelmente, eliminar. São as voltas que a vida
dá.
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II |
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Como é um romance de uma
geração, Um homem é muito pouco
traz à lembrança um livro daquele tempo que também marcou época, aos
menos para aqueles jovens intelectuais de então,
O afogado (Rio de Janeiro, Editora José Álvaro, 1971), de Abel Silva
(1943), lançado no auge da repressão política. Formado em Letras,
ex-líder estudantil, ex-morador do Solar da Fossa, residência coletiva
localizada no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, que reuniu em
determinada época os compositores e cantores Caetano Veloso, Gal Costa,
Rui Castro, Torquato Neto e outros nomes conhecidos, Abel Silva
enveredou pelo conto e fixou-se como poeta-letrista de compositores e
intérpretes como Raimundo Fagner, Capinam, Luiz Gonzaga e outros.
Como O Afogado,
romance hoje esquecido, que, ao que se sabe, nunca teve reedição, a obra
de Costa Fernandes é também o retrato daquela mesma geração desesperada,
que não sabia muito para onde ir, mas que sabia muito bem que não
pretendia seguir por aquele caminho que a horda de fascistas que haviam
empolgado o poder queria levar o País. Era uma época de muitas ilusões
em que se acreditava que a espécie humana podia ser reformada de cima
para baixo, talvez por influência dos soviéticos. Hoje, quem anda pelas
cidades da Rússia constata que o legado que deixaram são grandes
edifícios de linhas retas em meio a largas áreas verdes na periferia em
que viveriam os operários e que, hoje, não passam de pardieiros mal
ajambrados. É o que se vê nos arredores da velha Moscou. Foi por esse
“paraíso” que essa geração lutou. Se não chegou até lá, também não se
perdeu grande coisa.
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III |
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De título enigmático, Um homem é
muito pouco, de Ronaldo Costa Fernandes, se não pode se equiparar a
O viúvo – afinal, nenhum
autor é capaz de escrever só obras-primas –, é um romance que exige
fôlego do leitor – e não só em razão de suas 488 páginas. E que por isso
mesmo não deve atrair o leitor médio de hoje, que só se interessa por
livros de auto-ajuda que contam a história de executivos bem-sucedidos
chegados a episódios esotéricos e temas afins.
Até porque, como diz o crítico Ramiro Teixeira, em artigo
publicado no quinzenário As Artes
Entre as Letras (Porto, 26/10/2011, pp. 6 e 7), hoje, “a Literatura
é apenas um negócio e, sendo assim, possui um marketing indiferente ao
valor do produto, mas extremamente sensível à mais-valia que retira do
acessório ou do perfil social do autor”.
Segundo essa visão mercantilista, escritor bom é aquele que se
expõe ao ridículo das noites de autógrafos, imita os bobalhões
estrangeiros autores de
best-sellers, faz da História um espetáculo circense
e dá declarações estapafúrdias às vésperas do lançamento em busca de
visibilidade na mídia, tal como fazia o José Saramago dos últimos anos,
já beirando a senilidade, que, como observa Ramiro Teixeira, tratava de
preparar efeitos polêmicos, a partir da falta de respeito com as regras
da pontuação. Imaginava-se talvez um
Deus ex-machina que pudesse
dar sentido à História.
Como afirma Valentim Facioli na apresentação que escreveu para
este livro, Um homem é muito
pouco é constituído por narrativas que “experimentam variações do
ponto de vista, em terceira ou em primeira pessoa e a identificação dos
narradores é sempre um exercício de descoberta para o leitor”. Mas, uma
vez identificado o narrador, o que exige um pouco de atenção do leitor,
o caminho fica aberto para a compreensão da narrativa.
De caráter existencialista, esta obra procura resgatar o mundo
subterrâneo dos tempos sombrios da ditadura militar, mas não por meio de
personagens desajeitadamente heróicos que arriscaram a própria vida para
desafiar o poder armado daqueles anos, militando em (des)organizações
esquerdistas, como o fizeram alguns militantes que, mais tarde,
tornaram-se escritores de ocasião e hoje são políticos profissionais bem
postos na vida.
Os personagens de Costa Fernandes são pessoas comuns que vivem no
Rio de Janeiro daqueles “anos de chumbo”, sem maiores aspirações, exceto
sobreviver. Gente que se odeia ou se ama com a mesma intensidade, alguns
com boas intenções e bons sentimentos e outros decididamente cruéis e
insensíveis. A partir desses personagens, o autor tira algumas reflexões
que surpreendem o leitor e o faz pensar, como quando, a propósito de um
personagem embarcadiço por profissão, diz que “o pior clandestino é o
sujeito que anda pela vida como se não pertencesse a nenhuma
embarcação”. Ou, então, quando observa que “o sujeito pode trabalhar
todo o dia como pedreiro ou carpinteiro, mas a alma continua vadia”.
Só por frases assim pode-se dizer que este romance não é “muito
pouco”. Pelo contrário.
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IV |
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Ronaldo Costa Fernandes publicou, entre outros romances,
O viúvo (2005) e
O morto solidário (1998).
Ganhou vários prêmios, entre eles, o Casa de las Américas, Revelação de
Autor da APCA e o Guimarães Rosa. Além de ficção, publicou poesia e
ensaios, sendo um dos últimos “Considerações sobre um poeta: Lêdo Ivo”,
publicado na Revista Brasileira,
da Academia Brasileira de Letras, nº 56, ano XIV, fase VII, jul.-set.
2008. Dirigiu por nove anos o Centro de Estudos Brasileiros no Venezuela
e, de volta ao Brasil, a Coordenação da Fundação Nacional de Artes
(Funarte), do Ministério da Cultura, em Brasília.
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UM HOMEM É MUITO POUCO,
de Ronaldo Costa Fernandes. São Paulo: Nankin Editorial, 2010, 488 págs,
R$ 50,00. E-mail:
nankin@nankin.com.br Site: www.nankin.com.br
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
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