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Roberto foi o primeiro a
chegar. Eu morava no primeiro andar, num pequeno apartamento no
subúrbio, com uma escada tosca de acesso. “A festa ainda não começou?” –
perguntou já adentrando na sala. “Que festa? Eu lá estou a fim de
festa?”. Nesse momento escutei um ruído de motos e o vozerio de rapazes
à minha porta. A campainha toca e um galeguinho parecendo marginal, com
cinco ou seis motoqueiros atrás dele, indaga: “É aqui a festa do Paulo?”
. E todos entraram fazendo uma tremenda algazarra. Eles trouxeram como
colaboração uma pizza média de muzzarella e algumas latas de cerveja.
Isso está me cheirando a curra e não a festa, pensei um pouco assustado.
Ainda bem que Roberto,gordo e alto, estava ali para me defender.Mas o
pior ainda estava por vir: um cadillac rabo de peixe cinzento buzinou lá
fora e dele desceram duas velhotas com vestidos pretos e chapéus
emplumados, pelerines de pele de raposa em torno dos pescoços cheios de
sobras e dobras. Elas subiram a escada com alguma dificuldade, ajudadas
pelo motorista fardado usando um quepe e de Roberto, que estendeu a mão
para amparar a mais velha. “Êtes -vous Paule?” “Oui, madame, enchanté”
– respondo, embaraçado e submisso. Elas se sentam nas duas poltronas da
sala e com olhar desaprovador olham em volta. “Poderia me servir um
champanhe?” – pergunta a mais bem vestida (a outra devia ser sua dama de
companhia). Pego um champanhe nacional, que estava no carrinho de
bebidas ao lado, Roberto abre a garrafa e serve a bebida às damas em
duas taças de cristal de bojo largo, herança da Casa Azul.
Assistindo à cena
com ar de galhofa, o galeguinho marginal pergunta: “Quem são essas
múmias, sua avó e tia?”. Não lhe respondo e coloco um disco de vinil de
Edith Piaf na vitrola.A velha se anima um pouco: “Você tem bom gosto,
mon petit”. Mas os rapazes protestam irritados: “Não viemos para um
enterro, mas para uma festa. Por sinal meu chapa, onde estão as garotas?
Estamos a fim de boceta ou de cu de boiola”. E um deles põe pra fora a
rola grande e meio flácida. “Que horror!” - exclama a dama se abanando
com seu leque de penas de avestruz. E acrescenta dirigindo-se para a
porta de saída: “Isso não é uma festa, é um bacanal!”. O jovem de
pau de fora, a agarra com força e lhe diz raivoso: “Chupa logo, velhota,
é isso que você quer, não é?” . Os colegas dele riem enquanto eu afasto
o rapaz de pau de fora para um canto da sala e lhe digo para meter o seu
cock já duro para dentro do jeans. “Tá bem, mas então é você que vai
chupar, pois fiquei a fim de gozar”. Nervoso e excitado, nem lhe
respondo. No meio de toda aquela bagunça, Edith continua a cantar com
sua voz estridente Ne me quitte pas. Quando as velhas já estavam para
sair, a campainha tocou de novo e um casal amigo da vizinhança chegou.
“A festa está bem animada” – diz o jovem ao meu ouvido. Sua noiva,
bastante assustada, pede-lhe para ir embora. Com efeito, o clima
estava pesado, mais para curra do que para uma festa trivial. Meu amigo
dá uma desculpa e se retira às pressas com sua garota.
Um dos jovens então me
agarra por trás e sussurra no meu cangote : ‘Quero comer este
cuzinho ali no quarto”. Os companheiros dele riem e me perguntam se não
tenho algo mais “quente”, como Elvis ou os Rolling Stones, para animar a
festa. Eu tiro o disco de Piaf da vitrola e coloco o long-playing dos
Rolling Stones em seu lugar, enquanto as velhotas se retiram enfim,
furibundas, de meu flat. A essa altura, Roberto, que não perde tempo em
serviço, já estava bolinando o cacete de outro motoqueiro. Com a saída
das damas, eu também me agachei para chupar o pau do galeguinho,
enquanto os companheiros voyeurs olhavam a cena , excitados e se
masturbando. “Agora é minha vez, coroa” – diz um deles também botando a
pica com gosto de graxa para fora.
Bem, para encurtar a
história, a festa terminou como eu estava temendo. O pau quebrou no meu
flat, os rapazes me prenderam no quarto, junto com Roberto, e fugiram
levando nosso dinheiro e as poucas coisas de valor que encontraram por
ali. Para deleite da vizinhança, que estava no sereno de minha festa
suburbana, a Polícia chegou com a estridência de costume e eu e
Roberto fomos -- mais como acusados do que como vítimas -- prestar
queixa na delegacia do bairro no velho camburão. “Bichas! Bichas!” --
gritavam em coro os vizinhos.
E assim terminou
minha noite de sábado,justamente a noite em que pretendia terminar a
leitura de Édipo Rei escutando a bela Sonata a Kreutzer ,de
Beethoven. E em absoluto deleite pela leitura da tragédia e pelos
acordes da música que deveria ter embalado aquela minha noite
“tranquila” de sábado. Mas ao invés disso: “Boiolas!” – gritavam os
sádicos policiais na delegacia de Jardim São Paulo. E ali ficamos os
dois, maltratados, sujos, ofendidos até alta madrugada, quando fomos
liberados para voltar (a pé) para nossas respectivas casas.
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PAULO AZEVEDO CHAVES (BRASIL)
Advogado, jornalista e poeta,
assinou no Diário de Pernambuco, nos anos 70/80, a coluna cultural
Poliedro, e de meados dos anos 80 até 1993, a coluna Artes e
Artistas, especializada em artes plásticas. Livros publicados:
Versos Escolhidos,Ed. Pirata,1982, traduções);Trinta Poemas e Dez
Desenhos de Amor Viril (Pool Editorial Ltda,1984, traduções); Nu
Cotidiano (Grupo X,1988, poesias); Os Ritos da Perversão (Ed.
Comunicarte, poesias, 1991); Nus (Ed. Comunicarte, 1991,
poesias). Em 2003, participou de uma coletânea de artigos publicados na
seção Opinião do Jornal do Commercio, com o título de Escritas
Atemporais (Ed. Bagaço). Em 2011, lançou um livro de prosa, poesias
e traduções de poemas com o título de Réquiem para Rodrigo N (Ed.do
Autor). Poemas Homoeróticos Escolhidos (em parceria com Raimundo
de Moraes) e Os Ritos da Perversão e Outros Poemas foram
lançados, em 2012, em edição digital, no site ISSUU.Todos os livros de
Paulo Azevedo Chaves tiveram seus projetos gráficos assinados pelo
designer pernambucano Roberto Portella. |