REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 32 | outubro | 2012

 
 

 

 

 

 

MARIA ESTELA GUEDES

Os maçons governam o mundo?

 

Foto: Ed. Guimarães    

 Maria Estela Guedes. Poeta, ficcionista, cronista, dramaturga, historiadora da História Natural e da Maçonaria Florestal Carbonária. Tem umas dezenas de títulos publicados.                   

Publicado na revista Incomunidade (Porto), nº 3, setembro de 2012

EDITOR | TRIPLOV

 
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Captável na televisão, em comentários de amigos, em críticas ácidas de quem não já não reconhece o país, a Europa, nem o globo terrestre, a declaração de que os maçons governam o mundo corresponde a uma hipótese ou a uma realidade? 

Primeiro é preciso saber a que mundo nos referimos. Há maçons em toda a parte, desde a Argentina a Taiwan, desde a Austrália aos Estados Unidos, e faz parte das suas diligências estabelecerem laços de fraternidade com os pares estrangeiros. O maçon é cosmopolita, cidadão do mundo, a sua maçonidade nunca é nacional e ainda menos nacionalista. Dado o relacionamento familiar, de «Bons Primos» e «Irmãos», é claro que ele facilita o estreitamento de alianças entre Ordens maçónicas de diferentes países, primeiro passo para fundamentar a hipótese de que os maçons governam o mundo.

Conta-se que, quando um assunto importante ganha pó nas secretárias de burocratas preguiçosos, certo maçon de alto estatuto, irritado com as pendências, pega no telefone e, fora de qualquer hierarquia responsável pelo seu andamento, obriga-o a saltar para debaixo dos olhos de quem deve assinar o documento em que marinava. Nem todo o poder que governa o mundo resulta de eleições, e mesmo os reis, que se diz nenhum poder terem, exercem o poder da influência. Bem sabemos que uma homilia do Papa ou mesmo de um bispo respeitado pode abalar os alicerces do mundo, pelo menos ocidental. Apesar de a Igreja estar cheia de pedófilos e criminosos menores, não é verdade? Será que a Igreja governa o mundo? Note-se que o número de padres e freiras é muito maior que o dos maçons.

O maçon é cidadão do mundo e a maçonidade paira acima das contingências espaciais e cronológicas, não se deixa aprisionar aqui nem ali por datações. Recordo-me de em Laguna, Brasil, Estado de Santa Catarina, cidadezinha na orla do Atlântico, ter sido confrontada com essa atemporalidade. Laguna é a cidade de Anita Garibaldi (Ana Maria de Jesus Ribeiro, de seu nome de batismo), a carbonária de ascendêndia portuguesa casada com o herói da unificação da Itália que lhe deu o segundo nome. Ali se conheceram e casaram, por ali andaram ambos envolvidos nas Guerras Farroupilhas, visando a independência do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Em Julho de 1839 conseguiram implantar a República Juliana, que durou até Novembro seguinte. Janelas, casinhas de traça portuguesa e museu de Anita assinalam esses acontecimentos históricos.

Anita e Giuseppe constituem o mais famoso casal de maçons carbonários do mundo, para verificarmos que sim, a ação da maçonaria assume com frequência perímetro mundial. E não será Anita Garibaldi a «Heroína dos dois mundos»? Mundos americano e europeu, porque ela viajou do Brasil para a Europa na companhia do marido, e participou também nas lutas pela unificação da Itália.

Isto para dar contexto à circunstância de que Laguna está cheia de símbolos maçónicos, louvor a esses dias de heroísmo, aos contemporâneos e a outros, muito mais recuados no tempo, que remontam mesmo a um período em que só a mitologia e a lembrança dos construtores de catedrais ousam situar as fraternidades maçónicas. Além disto, Laguna é ainda a cidade por onde passa a imaginária linha do Tratado de Tordesilhas. Numa praça dessa encantadora cidade piscatória, debruçada sobre mansas águas lagunares, existe um monumento ao Tratado, ornado com o esquadro e compasso típicos da simbologia maçónica. A placa exibe um texto de que não guardo a letra, mas cujo espírito conservo bem vivo na lembrança. É verdade, nessa lápide louva-se D. João II, por ter recebido dos ideais maçónicos a iluminação que o levou a consumar o Tratado.

Se as luzes da maçonidade esclareceram o rei, como não hão de iluminar todos os príncipes que governam o mundo, admitindo que a maior parte dos príncipes sejam maçons, e que sejam os príncipes e outros líderes políticos quem realmente governa?

Vale a pena comentar que, diferentemente do que se passa em Portugal, em que a Maçonaria é vista como algo de secreto e obscuro, noutras paragens ela exibe as suas insígnias e símbolos nas placas das Lojas, academias, instituições beneficentes, munumentos e edificações mais e menos importantes. No Central Park, em Nova Iorque, tive ocasião de ler a placa de uma estátua que honra Mazzini, um dos três grandes líderes carbonários, a ombrear com Cavour e Giuseppe Garibaldi. De resto, é sabido que a nota de dólar é toda ela uma obra de design maçónico. Logo no átrio luxuoso do Empire State Building, bem visíveis na parede, estão patentes os louvores aos arquitetos, em legenda e no inevitável símbolo do esquadro e compasso. De resto, dizer «maçon» ou «arquiteto» é quase a mesma coisa. Não é segredo que os maçons honram o GADU, isto é, o Grande Arquiteto do Universo. A sigla vale igualmente para a Maçonaria Florestal Carbonária, apesar de ao «Arquiteto» se acrescentar o «Carpinteiro».

E o que é afinal a Maçonaria? – perguntam alguns, sempre desconcertados com o que realmente existe nela de desconcertante. Eu direi que é um colégio, por isso a sua tão grande tradição estudantil. É nas Lojas adstritas às universidades que muitas vezes os futuros presidentes das repúblicas se iniciam. Correm riscos sérios, como se vê nos filmes. É preciso testar a coragem dos iniciandos, confrontá-los com o perigo e o medo correlato. Nos tempos da segunda ou terceira Carbonária Portuguesa, aquela que Luz de Almeida criou a partir da Maçonaria Académica, e cujo principal papel foi implantar a nossa República, muitas iniciações decorreram nos cemitérios lisboetas. À noite, claro. E com trovoada e relâmpagos, de preferência. Não brinquemos com coisas sérias, o maçon não pode ser um cobarde.

As praxes académicas devem ser extensões profanas das provas que é necessário superar para se adquirir o estatuto de Aprendiz e depois ir subindo até aos últimos graus. E como se passa de grau em grau? – inquirem os curiosos. Pondo de parte os que, como fora da Maçonaria, sempre conseguem canudos por vias escusas, o bom maçon, para subir na hierarquia, tem de estudar as matérias do seu grau. É um colégio, a Maçonaria, já o afirmei. Em princípio, as matérias de cada grau são secretas para o maçon de grau inferior, por isso, primeiro, o recipiendário é agraciado com o grau, e só depois é que vai estudar a matéria… Daí que a maior parte deles nunca chegue aos altos graus, mas, aqueles que chegam, estudaram mesmo. E o que se estuda nesses colégios? – perguntem, para eu poder afiançar que nem é política nem finanças, sim a Tradição, os textos e os ritos sagrados das antigas religiões.

Então será que o maçon, dotado deste capital de conhecimentos, está apto a governar o mundo? Conseguirá ele, com a luz dos conhecimentos esotéricos, entender e promover dado orçamento de Estado?

Quem está apto a governar o mundo, espero, é o político ou o economista que chegou à licenciatura ou ao doutoramento por ter estudado as matérias universitárias, e não por ter obtido o canudo sem ter posto os pés nas aulas. O que o maçon conhece do outro lado acrescenta-lhe sabedoria incomum que o ilumina, e ao mesmo tempo lhe permite conduzir as sessões no Templo. No Templo, confirmo a maiúscula e o significado do termo. Aos que imaginam que as sessões servem para decidir assuntos políticos, garanto que é proibido falar de política e de religião no lugar sagrado.

– Então os maçons reúnem-se para rezar? – desconfiam os incrédulos, a olhar para os e-mails que correm no monitor dos seus portáteis, com a lista dos ordenados auferidos pelos nossos parlamentares, sem cortes de décimo-terceiro nem décimo-quarto mês, mais outros escandalosos privilégios que nos deviam obrigar a gritar nas ruas e não a engolirmos sacadas de sapos em silêncio, como se tudo isto fosse normal.

Por paradoxal que a situação se apresente, pois a Maçonaria não é uma religião, a resposta é sim, os maçons são algo como sacerdotes, por isso, quando reúnem no Templo, paramentam-se e praticam um rito. Os Garibaldi, por exemplo, tal como Cavour e Mazzini, praticavam o Rito Florestal, próprio dos carbonários. O luxo dos paramentos, o brilho e quantidade das jóias aumentam consoante a grandeza dos graus. Há mesmo maçons, como certos políticos, que ocupam os seus lugares muito mais pela vaidade das pompas e esplendor dos paramentos do que pelo dever de olharem para o povo, mas que se há de fazer senão denunciar a leviandade? Nem todas as ovelhas dos rebanhos são de brancura imaculada.

Para finalizar, fica o problema de quem realmente tem poder nos nossos dias, pois ele não é exercido pelos nossos representantes, eleitos de forma democrática, sim por agentes anónimos, de rosto muito mais oculto que o dos maçons. Alguns garantem até que vivemos num círculo vicioso, governado já não por pessoas, antes pela inércia das leis do mercado. Quem governa o mundo são poderes desindividualizados que forçam os políticos a escravizarem as populações com desemprego, fome, com impostos e cortes nos salários. Se entre eles existem pressões maçónicas, não é pelos ideais da Maçonaria que nos governam, sim pelos interesses da corrupção e ganância. O ideário maçónico – Liberdade, Igualdade e Fraternidade -, que levou à queda de regimes despóticos, à abolição da escravatura e dos sistemas colonialistas, e por isso conduziu à independência das colónias e à implantação de regimes democráticos, que fomentou a alfabetização do povo e abriu as portas da docência à mulher, que criou grémios e academias para ilustração do espírito pelas artes, não pauta, bem pelo contrário, a conduta dos líderes que têm assento nos governos e parlamentos atuais, entre os quais encontramos desde chicos-espertos até ladrões e assassinos. Se indivíduos desses são maçons, a Maçonaria dispõe de meios para os expulsar da Ordem, e a Justiça para os meter na prisão. Não os queremos nem no Templo, nem no Parlamento, nem no Governo.

 

Casa dos Banhos, 18 de Agosto de 2012

 

 

Jornal InComunidade (Porto)

 

 

 

 

© Maria Estela Guedes
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