ASSIM QUE PASSEM QUINZE ANOS…
Foi nesta data,
19 de agosto, 15 anos
atrás, que por um acaso fortuito propiciado pela cordialidade da
minha colega de trabalho Maria José Maçãs (responsável pelo museu de
José Régio “Casa do Poeta”, em Portalegre) vi pela primeira vez o
autor de “Vestígios”.
Ele estava, vindo de Ciudad
Real, de passagem com dois familiares e demandava os Açores, que
Michel Dorion lhe creditara como um lugar incontornável para quem se
maravilha com paisagens surpreendentes – e a Maria José referiu-lhe
que “também temos cá um colega que escreve”.
Subidas as escadinhas que
levavam ao Centro de Estudos adstrito, o encontro foi amável, foi
cordial e, em seguida, foi estimulante.
E agora que finalmente saíu
no Brasil, por mim levado e traduzido (e com a sua complacência
fraternal, doada e sem usura) o seu livro citado acima, creio que
fará sentido – ainda que todos, é uma maneira de falar, estejamos em
férias – dar aqui um trio de poemas, bem como a capa da edição a que
faço referência.
(Gérard
André Loison Calandre nasceu em 1952, na Bretanha,
França. Viveu na Itália, leccionando na cidade de Messina. De
formação científica, tem-se mantido afastado do mundo das Letras.
Autor do livro “Vestígios”,
traduzido por NS e de textos esparsos sobre o seu ramo
profissional e, ainda, no tomo work in progress “No Outro Lado”.
Visitou Portugal em 1992 e 1997. Após o falecimento de sua mulher
Jeanne Vaillon Remise foi viver para o Canadá francófono.
Tem
colaboração nas revistas “Diversos” – dir. José Carlos Marques,
“Bicicleta” – orientada por Manuel Almeida e Sousa, “Agulha” – dir.
Floriano Martins & Cláudio Willer, ”TriploV” - dir. Maria Estela
Guedes ,”Abril em Maio” - dir. Eduarda Dionísio, “Carré Rouge” -
dir. Alex Centeno, “Fanal” e, finalmente, no “Ablogando”.
Avec
toi j'ai vu les vers de Virgile
les
couleurs élémentaires d'un torse de Piranesi
Je
peux simuler que je vois comme dans un rêve les arbres
et les
maisons qu'entre elles se dissimulent
Dans
un manuscrit très ancien
Combien plus de temps cela me sera donné
le
pédoncule d'une magnolia
l'oeil d'un poisson d'eaux profondes
le tournoyer d'une foudre dans une page occasionnel
Une nuit elle m'abandonnera la poésie
Verre
et métal et dans des minutes
Je
t'approche des lettres et voici
Ils
grandissent comme des troncs Comme des troncs ils disparaissent
Et
déjà il reste seulement la mémoire d'une fiévreuse minute.
Contigo vi os versos de Virgílio
As cores
elementares dum torso de Piranesi
Posso simular que vejo como num sonho as árvores
e as
casas que entre elas se dissimulam
Num
manuscrito muito antigo
Quanto
tempo mais isso me será dado
o
pedúnculo duma magnólia
o olho
dum peixe de águas profundas
o
cirandar de um relâmpago numa página de acaso
Abandonar-me-á uma noite a poesia
Vidro e
metal e em minutos
Aproximo-te das letras e eis
Crescem
como troncos Como troncos desaparecem
E já só
resta a memória dum minuto febril.
La
femme qui avec le bras mi-soulevé
ouvre la corolle de sa main Son visage
moitié blanche
moitié
foncée Le pouls un peu gonflé
De la taille en bas il ne se voit pas Une trace noire
la
scinde, la ravage, la dévore.
Le vieux monsieur dévie un pied Je
m'arrange
Je
déteste le Mètre mais c'est ici qui habitent des séraphins des
chérubins
Les huit maisons du trésor La place où
l'on tue la soif
C'est
mien le peu de que tous se revendiquent
Le frayeur la joie merveilleuse cadeau
Un visage coupé dans plusieurs angles
par la
grâce de Dieu L'obstination d'un maître d'école
que
Galilée s'appelait Je marche autour de la Terre
Je
suis un fragment de montagne
Le
vieux monsieur qui j'n'avais jamais trouvé
Il
regarde le toit Ébloui Il reste trés calme Il soupire.
A mulher que com o braço meio erguido
abre a
mão em corola A face metade branca
metade escura O pulso um
pouco inchado
Da
cintura para baixo não se vê Um traço
negro
cinde-a destroça-a devora-a
O velho senhor desvia um pé Ajeito-me
Detesto o
Metro mas nele residem serafins querubins
As oito
casas do tesouro O lugar onde se mata a sede
É meu o
pouco de que todos se reivindicam
Susto
alegria maravilhosa dádiva
Um rosto
cortado em vários ângulos
pela
graça de Deus A obstinação dum mestre-escola
que
Galileu se chamava Ando à volta da Terra
Sou um
fragmento de montanha
O velho
senhor que jamais encontrara
Olha para
o tecto Deslumbrado Fica muito quieto Suspira.
UNE POUPÉE DESSINÉE PAR UN ENFANT
Il y a quelque part quelque chose qui nous échappe
Ce nez qui se rétrécit Une jambe qui vole
Un chiffre dessiné Ce n'est pas bien un
chiffre
Petite étoile du nord regarde bien
celui-ci est le bras pour beaucoup
d'âges
l'âge du sud et de l'ouest
les mains qui sont des plantes
nocturnes
Beaucoup d'années plus tard quelqu'un
trouvera
le papier froissé dans un tiroir perdu
Regarde c'est le visage du cousin
Florentin
Florentin est un vieux Il sourit
Pendant un moment il se rend
nostalgique
Pendant un moment tout est immobile et
indemne.
UM BONECO
DESENHADO POR UMA CRIANÇA
Há
algures qualquer coisa que nos escapa
Este
nariz que se retrai Uma perna que esvoaça
Um
algarismo desenhado Não é bem algarismo
Estrelinha do norte repara bem
este é o
braço para muitas idades
a idade
do sul e do oeste
as mãos
que são plantas nocturnas
Muitos
anos mais tarde alguém encontrará
o papel
amarrotado numa gaveta perdida
Olha é
a cara do primo Florêncio
Florêncio
é um velho Sorri
O seu
olhar fica saudoso Por um momento
Por um
momento tudo fica parado e incólume.
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