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No início denominada pesquisas psíquicas (psychical research),
termo consagrado pela primeira sociedade especializada nos estudos
parapsicológicos, a Society for Psychical Research, (S.P.R.), em
1882, na Inglaterra. Dois anos mais tarde surge sua coirmã americana a
American Society for Psychical Research, (A.S.P.R.) dando
continuidade ao termo psychical research, que predominou até o
final do século XIX, ainda utilizado por muitos estudiosos na
atualidade.
Em 1905, o Nobel de medicina, Charles Richet, primeiro tratadista
oficial sobre a matéria, propôs o termo metapsíquica, aceito com
sucesso, excetuando-se os países anglo-saxões, que mantiveram o uso do
termo psychical research, segundo Inardi (1977,17), "por razões
de ordem sentimental". Mas, não parou por aí.
Por orientação do Congresso Internacional de Parapsicologia realizado em
Utrecht, no ano de 1953, foi instituído o nome parapsicologia,
adotado do termo alemão Parapsychologie, cunhado por Max Dessoir
em 1889, em substituição aos anteriores. Esse termo se mantém até os
dias atuais.
Sem a preocupação em definir-se a área, podemos dizer seguramente que a
parapsicologia é um campo de estudos cujo interesse reside em investigar
determinadas ocorrências que fronteirizam com a religião e o ocultismo.
O que é vasto: materializações de "espíritos", movimentos de corpos
pesados aparentemente sem contato, sons de caráter variado emanados de
móveis, assoalhos e paredes, entre tantos outros que nos conduzem a
pensar em forças e personalidades inteligentes que habitam um mundo
desconhecido para nós, daí a mais estreita proximidade com diversas
crenças, religiões e ocultismo.
Tais ocorrências apresentadas como fruto da participação de entidades
incorpóreas, num determinado momento, chamaram a atenção de grupos
seletos, ligados a Academias e Universidades, que exigiram verificação
dos fatos. Assim, através de árduo trabalho investigativo, novas
respostas se impuseram. Em linhas gerais, assim nasceu o novo campo de
estudos: a parapsicologia.
Essas novas respostas criaram um divisor de águas. De um lado os
aficionados pelo espiritismo, que defendiam a participação dos espíritos
nos fatos observados e, do outro, os pesquisadores da nova área de
estudos acusados de a priori negarem a existência dos espíritos
nas ocorrências investigadas. Há, contudo, outra maneira de se ver a
questão.
Diferentemente do que muitos ainda hoje pensam a nova área de
investigação não negou, a priori, a existência das personalidades
incorpóreas nas ocorrências investigadas. O que de fato ocorreu é que à
medida que os estudos evoluíam e as técnicas de investigação avançavam,
os desencarnados não se faziam convincentes. A razão: eles, os
"espíritos" dos mortos, não eram os senhores das manifestações. A origem
de tudo, após longos períodos de observação, experimentação e análise,
foi evidenciada no próprio médium. As intrigantes materializações, os
movimentos de mesas e cadeiras, sem contato ou com contato insuficiente
para produzi-los, os mais variados ruídos, que pareciam originarem-se
nas entranhas dos móveis e paredes, luzes coloridas flutuantes, e tantos
outros perturbadores fenômenos, evidenciaram serem produto do complexo
psiquismo humano.
Mas, a reação a esse entendimento não tardou. Os resultados positivos
das investigações foram atribuídos a erros de metodologia, fraude,
descontrole, e até acusou-se a nova área de investigação de ser um
instrumento do diabo para afastamento da fé; coisa que nos atuais dias
ainda se ouve dizer em igrejas que diariamente apresentam, via
televisiva, seus espetáculos de horror, viraram lugar comum na boca
daqueles que se recusavam a aceitar os resultados apresentados,
arvorando-se contra a nova área de pesquisa.
Mas, se devemos admitir os erros metodológicos, e isso é certo, também é
necessário que se admita que, quando apontados, foram corrigidos. Basta
para isso lembrarmos o embate ocorrido entre William Crookes e George
Stokes, este, à época, secretário da Royal Society.
"A ocorrência deveu-se quando Crookes submeteu à Royal Society,
um trabalho contendo suas anotações sobre as experimentações realizadas
para a constatação da alteração de peso de uma tábua, pela utilização de
uma força psíquica. O dispositivo, ao que tudo indica já havia sido
utilizado por Robert Hare, o que também não passou despercebido pelos
seus críticos.
Mas, o fato é que Crookes recebeu um não da Royal Society, em
virtude de George Stokes (...) ver falhas na experimentação.
Em virtude disso, o cientista escreveu a Stokes mencionando a construção
de um novo dispositivo, que eliminaria a possibilidade, apontada por
Stokes, de transmissão mecânica do movimento da tábua. Assim, em 28 de
junho de 1871, a Royal Society recebeu uma versão atualizada do
trabalho, já com todas as modificações realizadas.
Novamente Stokes opõem-se comentando que os novos resultados obtidos
poderiam ser atribuídos a outras causas, em virtude de existirem pontos
fracos no experimento que poderiam conduzir a uma interpretação
inadequada do fenômeno. Novas adequações foram feitas, contudo, não
foram suficientes para a publicação do artigo, o que indignou
Crookes."(BAPTISTA:2007,41-42)
Parece-nos bastante clara, contudo, a disposição de Crookes, que reflete
inclusive a de outros investigadores, em considerar as críticas e
replanejar suas experimentações.
De outro lado, segundo os estudos realizados pelos pesquisadores Juliana
Mesquita Hidalgo Ferreira e Roberto de Andrade Martins, "as falhas
notadas não criaram um abismo intransponível entre estudos aceitos como
científicos e o estudo de Crookes sobre a força psíquica."(FERREIRA e
MARTINS:2001,198)
Quanto às fraudes este é um capítulo à parte no contexto das pesquisas
psíquicas. Já o disse em artigo anterior, que pode ser encontrado nesta
mesma revista sob o título de Dai a César o que é de César: os
críticos e a parapsicologia (BAPTISTA:2007), que não podemos
deixar cair em esquecimento o fato de que foram os próprios
investigadores metapsíquicos, desde o início, os primeiros a levantarem
a questão da fraude, não os seus críticos. E volto a dizer que o
diabo não reza pedindo ajuda a Deus.
Da mesma maneira não podemos insistentemente dizer que as investigações
metapsíquicas cujos resultados foram negativos, nunca foram divulgadas.
Aos incrédulos e desinformados, que visitem o Tratado de Metapsíquica,
de Charles Richet, que lá encontrarão um número enorme de relatos
recusados por não terem comprovação suficiente para serem colocados,
pelo menos temporariamente, no rol dos fenômenos metapsíquicos, ou
parapsicológicos, como modernamente os chamamos.
No que diz respeito às críticas de ser a parapsicologia um instrumento
para afastamento da fé são risíveis. A parapsicologia não se envolve com
questões de fé. Os fenômenos parapsicológicos não estão à mercê da fé.
Ao contrário, a parapsicologia traz uma contribuição relevante à medida
que nega a crença supersticiosa e, muitas vezes, mentirosa e apresenta,
com base nos fatos, um outro lado da questão. A fé não pode ter por
base uma mentira. Isso não seria fé. Nem me atreveria a dar um nome para
isso.
Da mesma maneira a parapsicologia sempre se esforçou para livrar-se de
tudo que possa conduzir ao oculto, ao espiritual etc. A parapsicologia
trabalha, como já o dissemos, com ocorrências que fronteirizam com
religião e ocultismo. Mas, do lado de cá da fronteira, do lado da
investigação e do uso de uma metodologia severa. É do outro lado que
habita a crença, o oculto, a superstição. E este esforço de separação
sempre esteve presente, desde os primeiros passos das pesquisas. Richet,
o primeiro tratadista da matéria, como vimos, já se manifestava nesse
sentido. Na abertura de seu Tratado de Metapsíquica, podemos ler:
"Não verão os seus propósitos realizados aqueles que neste livro
esperarem encontrar considerações nebulosas acerca dos destinos do
homem, da magia e da teosofia. Tudo fiz para escrever um livro de
ciência e não de devaneios." (RICHET:sd)
Também Rhine esforçou-se para isso:
"A parapsicologia também precisa ser diferençada dos conceitos
populares correlacionados com certas áreas de prática ou crença, com as
quais algumas vezes se vê confundida ou associada. Ocultismo é
uma delas. Este termo, que designa o estudo de artes ou princípios
ocultos, não se aplica ao tipo científico de investigação que
caracteriza a parapsicologia. Espiritualismo é outro termo que
tem sido amplamente associado à parapsicologia. O espiritualismo,
contudo, é uma religião, cuja ênfase central repousa na crença da
existência de um mundo de personalidades desencarnadas, supostamente
capazes de entrar em comunicação com os vivos, especialmente através da
mediunidade. Também se acredita que elas são capazes de fenômenos de
assombração e de uma espécie de casa cheia de agitação atribuída a
espíritos turbulentos. Como em todos os sistemas religiosos de crença,
há certas doutrinas no espiritualismo que se baseiam na presunção de
certas capacidades que não têm sido verificadas por método científico na
parapsicologia."(RHINE:1966,12-13)
Rhine também faz referência a termos como médium e
mediunidade.
"Falando
estritamente, o termo médium implica uma teoria da sobrevivência
do espírito e da comunicação de personalidades desencarnadas com as
vivas por intermédio de pessoas conhecidas como médiuns. Esta é
uma doutrina da fé espiritualista e não um fato estabelecido
cientificamente na parapsicologia." (Idem,13)
Essas posições fruto de mentes esclarecidas, contudo, foram deixadas no
esquecimento quando interesses particulares se agigantam e veem, em
razão dessa zona fronteiriça que falamos em que trabalha a
parapsicologia, uma oportunidade de usá-la em defesa da fé. Por essa
razão vemos pérolas como:
"é provável que, através da parapsicologia, possamos dar uma resposta à
velha e angustiante indagação da humanidade acerca da sobrevivência
'post-mortem'. Além disso, ela descortina horizontes tão amplos ao
futuro do conhecimento científico, que é lícito admitir venha o homem a
descobrir um mundo mais importante e vasto do que pode esperar-se com a
exploração do espaço cósmico." (ANDRADE:1976,21)
Mas, a questão não está limitada aos mestres do espiritismo.
Também o não menos respeitável Oscar Gonzalez-Quevedo, um dos mais
destacados parapsicólogos em atividade no Brasil, quando perguntado
sobre a utilidade da parapsicologia, assim se refere:
"É tão útil quanto ou mais que a medicina, a psicologia e outras
ciências, pois ela é essencialmente libertadora. O homem moderno vive
cercado de medo de demônios, espíritos, de homens com poderes,
extraterrestres, de forças secretas, de ameaças cósmicas, de fantasmas,
de visões e de comunicações do além etc. E mostrar a esse homem que tudo
isso é proveniente do próprio homem, de suas energias psicofísicas, de
suas faculdades espirituais, é libertá-lo de temores, é torná-lo
consciente e senhor de si e de sua vida, que deverá ser mais feliz, e
paralelamente, pela prova dos milagres, trazê-lo à verdadeira Religião
Revelada". (g.n.) (1)
É nosso entendimento, com base naquilo que expusemos anteriormente, que
esse tipo de comportamento, vindo de respeitáveis representantes da
parapsicologia, apenas a desviam de seu reto caminho. Prestam,
consciente ou inconscientemente, um desserviço à parapsicologia à medida
que trazem para dentro de suas fronteiras viajantes não autorizados.
Aproximam-se, ainda, de realidades não constatadas nem pela
parapsicologia, nem por qualquer outra ciência, apesar de suas defesas
insistentes, associando-a mais uma vez, a valores místicos, ou melhor
dizendo, a valores místico-religiosos, que denunciam anseios
ideologicamente comprometidos.
Essas questões, contudo, que podem parecer menos importantes, à primeira
vista, são, no nosso entendimento, extremamente comprometedoras e
desviantes à medida que conduzem a um não entendimento do objeto de
estudos da parapsicologia apresentando-a como uma verdadeira colcha de
retalhos, uma área de estudos não delimitada em que tudo cabe.
Parafraseando Dawkins, ao referir-se ao darwinismo, em relação à
parapsicologia é como se o cérebro humano tivesse sido especificamente
concebido para não entendê-la. (2) E os espíritos e demônios continuam a
multiplicar-se. Mas, "por que a natureza estaria tão interessada em
multiplicar e renovar os indivíduos se eles devessem ser imortais".(3) |