(….)
Não há dia
Terra
não há noite
que o teu suor em (re)construção
não me venha acariciar
o clítoris da saudade em sangue
em figuras de milho e cabra
(….)
Não há manhã
Terra
não há dia
que os meus/teus braços em baía
não se curvam
ao teu/meu abraço de liberdade
assim nascida
assim crescida
em amplo amplexo
qual certeza lavrando-se
na ambiguidade dos Outubros
de novas chuvas
(…)
Venham
vocês das ilhas vulcânicas
Venham
nos lábios das notícias
(…)
Venham
com as mantenhas das tocatinas
e os cânticos à cachupa
Venham
com os salmos ao violão
e as serenatas à lua companheira
Venham
todos
Venham
ó poentes e madrugadas
ó crepúsculos e alvoradas
ó nevoeiros e arco-íris
Venham
ó planaltos e ribeiras
ó achadas e fajãs
ó colinas e cutelos
ó cumeadas e ribanceiras
Venham
ó vegetações de secura
ó florações dos tempos todos
de escassa fartura
Venham
ó vales dolorosos da Cidade Velha
ó praças ruas e largos atónitos das Cidades Novas
(…)
Venham
todos
E tragam as luzes e as sombras desses cenários
os seus choros e risos
os seus ritmos de colexa & coladeira
as suas vozes de finason & serenata
as suas ancas de morna & tabanca
as melódicas e harmoniosas pulsações da tocatina
e encham-me os olhos
com sua luz & sede
e firam-me a retina e a menina
e a belida dos olhos
com sua luz & sede de caminhar
e inundem-me o corpo
e latejem-me a pele vária rebelde
com sua sombra & sonda
com sua sonda de esperança
(….)
Tragam tudo
e a monotonia explosivamente bela
do transe na dança do torno
Tragam tudo
e a sensualidade exaustivamente bailarina
nos lábios carnudos sedutores no morno olhar no velado saracoteio
das ancas no enlanguescido e desafiante modo de andar das mulheres
mulatas negras e brancas das nossas ilhas das crioulas da nossa
imaginação das musas da nossa inspiração das divas dos nativos e dos
forasteiros devaneios
das suas imagens embalando-se embevecidas com a crua irrupção das rochas
nuas das ilhas sobre a ensolarada e dourada aridez das paisagens
e o aconchegante verde-esmeralda do mar próximo e o azul intenso e
destemido do oceano mais além
das suas imagens insinuando-se contrastantes com a humilde e sincera
simplicidade com a festejada iconografia de algumas das figuras
mais marcantes e amadas da nossa inconfundível
e muito estimada gastronomia musical
E tragam também
as toadas e as audácias todas
adivinhadas nos dias laboriosos
das mulheres lavradoras da amargura
e da desolação das lotações todas
do desamparo e do sofrimento
das rotações todas da turbulência
do árduo labor conjugado
com a impertinência dos perfis
e a insolência dos retratos elaborados
na ampla e escura paleta do desprezo e do perjúrio
ainda estigmatizando os lugares
ainda estilhaçando as fontes e as pias baptismais
ainda reféns dos nomes percutindo
infames sobre os rostos rebeldes das badias do interior
e dos míseros arrabaldes das cidades da grande ilha
ainda postando-se também sobranceiros sobre os dias curtidos
das mulheres rurais e suburbanas das outras ilhas nossas
periféricas irmãs na labuta semelhantes na temeridade
das mulheres rústicas da ilha maior dos seus corpos hábeis
entretecidos com os rosários com as suladas
com os lenços amarrados à cabeça
com os meninos trazidos mimados às costas
E tragam também
todas as utopias não formuladas
das mulheres das ilhas silenciadas
nos afectos reduzidas à insónia
da solidão levedando-se
da poeira e do tumulto das pedras
com a azáfama da luta pela sobrevivência
com a aflição da busca do pão de cada dia
com a tessitura das alfaias e dos abrigos
para os andrajos para os tecidos festivos
para as roupas natalícias inaugurais
para os afagos desses anjos de deus
numerosos seus filhos nascidos vivos
do seu sempre bendito e fértil ventre
nesses tempos delas tíbios nestes tempos
delas trívios nesses tempos delas todavia
viris sob a ardência do sol e a inclemência
das pedras da penúria nesses tempos delas
todavia feminis na fecundação do aconchego
dos primeiros risos e dos convulsivos choros
dos recém-nascidos
E tragam também
os ideários todos reformulados
das mulheres das ilhas palmilhando
os dias e as noites do desespero
pulverizando as alvoradas da desesperança
dissecando com os pés nus decifrando
com o corpo todo os poiais as ribanceiras
os cutelos as achadas os leitos secos das ribeiras
os trilhos todos das ilhas circunscritos pela nudez
circundante das soleiras das portas dos terreiros das casas
e de ilusões outras ousadas todavia vívidas das filhos-fêmeas
delas suas aprendizes nos seculares lavores da veemência
da sustentação da casa da conjugalidade e da sobrevivência
das artes todas solfejadas à beira da frescura dos olhos da água
das nascentes dos risos e dos minadores do conhecimento
vizinhos das sombras das espinheiras e das orações dos cochichos
preliminares da locução e da subtileza
e de sonhos outros temerários todavia caminhantes com a exuberância
dos infantes seus próceres precoces dos campos de cultivo e dos
descampados do pastoreio da imaginação crescendo com as chibarras
dessedentando com as cabras e os seus pelos rochosos arquipelágicos
ruminando com as vacas e com a sazonalidade da sua farta placidez
depois rendida à urgência aos tempos dos funcos de vigilância dos corvos
dos tabuleiros de mancarra de açucrinha e de bolos e rebuçados caseiros
dos recreios das escolas dos campinhos de futebol dos polivalentes
e das placas desportivas das letras do alfabeto recitando ilesos
e devidamente trajados de batas azuis celestes sobriamente
identificadas nos seus vários timbres tons e espessuras
as travessuras de lavra própria e as arrelias
e traquinices das lavras dos condiscípulos
e as muitas madrugadas convocadas
nos sons e nas canções dos trovadores
nossos populares brilhantíssimos
e os muitos madrigais tecidos
pelos vates nossos modernos
estampados na atmosfera ambiente distendida
nos livros de leitura no regozijo dos sorrisos
nossos de discentes da geografia dos ossos
nossos das ilhas e dos seus lendários profetas
cultivando os marcos da inocência e outros modos
primevos de escrutação do futuro
e das suas redundâncias e das suas discrepâncias
e das suas relutâncias e das suas protuberâncias
com a fracturante caligrafia
dos lexemas e dos números nossos
gerados no solo nosso pátrio das ilhas
do seu deleite derramando-se sobre o borbulhante leite
das cabras domésticas e outros nutrientes dos risos
das mães dos seus seios sequiosos das correrias das crianças
e dos amorosos desatinos dos seus pais-de-filho
dos seus desassossegos esconjuradores dos pesadelos
das suas crianças confraternizando-se com os pesadelos
de outras crianças confidentes das respectivas mães
e da sua condição de esposas legítimas de papel passado
nas conservatórias de registo civil e juramentos matrimoniais
sacramentados pela igreja e da sua condição de mulheres amancebadas
quase sempre dotadas dos transitórios pergaminhos da comunhão de cama
mesa e prole
e da sua condição de mulheres recentemente comprometidas nos dissolúveis
laços da união de facto e da sua condição de mães-de-filho quase sempre
solteiras quase nunca celibatárias e da sua condição de amantes de
raparigas de amásias de concubinas de namoradas de comborças quase
sempre enfileiradas nas cadeias da poligamia de facto consagrada pelos
tempos
do uso do gozo e da usura ratificada e festejada pelos homens poderosos
pelos homens remediados pelos homens humildes das ilhas
e da sua condição de mulheres chefes de família quase sempre amadurecidas
com os liames e as desilusões da monogâmica e sucessiva poliandria do
seu indelével estatuto feminino herdado da sua ascendência escrava quase
sempre sujeita às vicissitudes da gravidez e da parição quase sempre
subordinada
às estações da escassez e da sobrevivência quase sempre dependentes
dos caprichos dos muitos senhores do seu corpo e das cativas expressões
exteriores da sua alma querida livre dos seus passos trémulos quase
sempre conspurcados pelo abandono das suas vozes atemorizadas quase
sempre fustigadas pelos gestos de ignomínia
e de desprezo do silêncio das suas bocas inertes quase sempre devastadas
pelas palavras da humilhação e pelas muitas outras ofensas dos seus
cônjuges dos seus amantes dos seus namorados dos seus companheiros
dos seus parceiros dos seus homens dos seus pais-de-filho
E tragam também
toda a desmesura
das intermináveis estações da solidão
das mulheres viúvas em vida
dos seus maridos e companheiros embarcadiços
todavia sempre trajadas
com as cores garridas
das suas peculiares indumentárias
de mulheres de emigrantes
aguardando a reforma esperando a velhice sopesando
os semblantes todos dos dilemas matrimoniais superando
a asfixiante potência e dos desafios e desaforos extra-conjugais
conjecturando sobre tantas outras imponderabilidades amorosas
dos seus homens embarcados nas Américas na Europa
nas terras continentais da Mãe-África no lato Mundo
do derredor das escoriações da dor e dos afectos
irremediavelmente adiados desses seres
imprescindíveis imprescritíveis e viris
delapidados na distância acabados em nada
nos longínquos horizontes do além-ilha
todavia permanecidos viçosos e soberbos
todavia conservados varonis e formosos
todavia petrificados como bons pais de família
nas lágrimas da saudade
das suas esposas envelhecidas
com as meninências dos filhos
com as minudências da edificação
dos urbanos alicerces das futuras
moradias familiares com as inaugurações
das coberturas em betão das quatro águas
de telhas importadas dos azulejos e dos jardins
das casas novas com as celebrações e as festividades
da chegada ao inóspito fundo das ribeiras natais
das primeiras carrinhas de passageiros e mercadorias
vindas do estrangeiro para o baptismo com os nomes deles
desde há muito acalentados com outros nomes nossos telúricos
desde há muito conhecidos e reconhecidos com o regozijo
e os festejos sobrecarregados das colheitas das hortas
recém-adquiridas com dinheiro ganho de riba de água do mar
da terra-longe
acompanhadas como aguerridas mães-coragem
dirigidas como solitárias mães-de-filho
orientadas como solícitas chefes-de-família
mas também com os partos não acontecidos
com os prantos morosos espantados
com o manancial de águas jorradas
por mor da muita e intransponível lonjura dos transactos tempos
do antigamente dos incertos e precários tempos de agora
sobrevividos pelos seus companheiros de uma vida pouco inteira
dessas criaturas nossas das ilhas
e das suas famílias precocemente órfãs
providas dos nutrientes da sua pequena realeza guarnecidas
dos ingredientes todos da sua ostensiva nobreza aldeã
sorvidos no trabalho árduo da terra-longe de dia de noite
no sono agitado do além-mar à chuva ao sol ao frio
e ao vento com geada neve insultos e calafrios
com solidão e amargura sob todas as tempestades
açoitando essas criaturas nossas das ilhas
do seu inesgotável imaginário transpirando temperança
exalando bem-estar destilando orgulho e vanglória
infundindo-se auto-estima injectando autoconfiança
a si e aos parentes e afilhados orgulhosos
nos retratos sépia dependurados
solenes e engravatados nas salas
de estar e nos salões de visita
dessas criaturas nossas das ilhas
exiladas do torrão natal e doméstico reverenciado
do reconforto e da segurança dos seus lares da cumplicidade
do seu chão de terra batida das suas paredes de pedra e barro
das suas coberturas de palha da antiga precariedade
do seu parco reboco
dessas criaturas nossas das ilhas
afastadas dos trabalhos das hortas das regas nas periódicas madrugadas
que lhes couberam em sorte da magreza dos pastos crestados sob os céus
de pouca ou nenhuma chuva dos (con)fiáveis latidos dos cães-de-guarda
das várias ressonâncias exalando da fome e da fartura das alimárias
dos alaridos das aves de capoeira esgaravatando livres nos campos
esparsos no seu escasso verde todavia solidários das diversas entoações
dos cantos dos pássaros da germinação dos coqueirais e dos bananais
das florações dos milheirais e dos cafezais e das plantações de
cana-sacarina do extasiante odor da calda para as fornalhas dos cantos e
desafios
das almanjarras dos terreiros do trapiche e dos alambiques
dos bois e dos touros saudosos
dessas criaturas nossas das ilhas
retiradas das empenas das casas rurais desterradas das esquinas
dos quarteirões suburbanos das suas estórias das suas confidências
das suas intrigas dos efeitos relaxantes e apaziguadores dos seus
crepúsculos adormecendo docemente solares sobre as suas peles anteriores
de soberbos símios humanos
E tragam também
todas as exculpações das mulheres abandonadas das ilhas
e os seus enleios digeridos e reprovados nos comentários dos sarcásticos
transeuntes do quotidiano nas habituais prédicas e homilias dos padres
católicos nos sermões e hinos dominicais dos pastores protestantes nas
prelecções morais dos sacerdotes de todas as seitas e credos religiosos
das ilhas e nas suas ameaças com o eterno fogo dos infernos contra os
prevaricadores contra a lei de deus nos ditos apocalípticos dos
adventistas
do sétimo dia e dos desvairados profetas do fim eminente deste e de
outros mundos
e as suas âncoras estilhaçadas entre os móveis vistosos enviados das
ricas terras da emigração e os seus brincos colares e braceletes de ouro
e os seus prateados anéis e os seus outros reluzentes sinais exteriores
de conforto e bem-estar e as suas cartas de longe seladas com os carimbos
das estações postais dos bairros marginais das grandes cidades
ocidentais e peri-ocidentais mil vezes relidas na intimidade dos quartos
conjugais na roda de parentes vizinhos e amigos na atroz salinidade
dos maus pressentimentos
e os seus sentimentos espartilhados entre os deveres de recato e pudor
as obrigações de fidelidade aos bem-amados e saudosos maridos embarcados
e as solicitações e as fraquezas da carne assídua e infalivelmente
assediada por familiares próximos compadres padrinhos
de casamento padres confessores guias e orientadores espirituais
procuradores mandatados com plenos poderes gestores de negócios
municiados de especiais faculdades de transigir intransigir e alienar
e outros cúmplices do silêncio e outros garantes da discrição nos
proibidos tráfegos da concupiscência e da paixão carnal e outros
(re)construtores dos inamovíveis alicerces do sacramento do matrimónio e
outros artífices
dos indispensáveis redutos da integridade da família da moral e dos bons
costumes e outros artesãos dos inexoráveis fluxos das remessas
dos emigrantes e outros artífices e outros partícipes da platónica troca
de fluídos amorosos com as suas mulheres
quedadas em terra firme doméstica
E tragam também
todas as apuradas e todas as presumíveis culpas
das mulheres adúlteras das ilhas
e as suas viciosas visões e as suas impudicas alucinações pejadas
de fantasias sexuais e de outras obscenas recordações da noite de núpcias
inaugural do (des)floramento e da (re)floração das suas sequiosas ânsias
do primevo atiçamento dos ventres seus fogosos depois libidinosos em
outras muitas núpcias vividas na clandestinidade de enxovais alheios
atormentados pelo prazer e pelo remorso
e os seus frágeis enredos desdobrando-se pela implacável rotina
dos hábitos adquiridos na satisfação dos desejos intrusos interditos
sob os véus dos polidos e frugais gestos do pesar sob as cambraias e as
cortinas dos muitos artifícios da saudade sob as câmaras escuras do
indizível arrependimento e as suas cãibras e os seus oníricos tremores
resguardando-se sob os meticulosos lavores da sustentação dos pilares
da casa do lar e do património do rigoroso cumprimento da tábua
dos mandamentos conjugais do vigoroso preenchimento do calendário dos
deveres próprios de esposas honestas
e fidelíssimas
e os seus inconfessados enlevos amiúde devassados pelos poderes ocultos
da intriga e da inveja e os seus escultóricos e almejados relevos amiúde
devorados e corroídos pelas munições engatilhadas nas irrenunciáveis
obrigações da honra e da desonra e as suas catarses engolidas
pela assassina devastação da vingança e do desengano dos depositários
dos sagrados sacramentos do casamento dos fulminados
pelos conspurcados paramentos do amor traído chorado
amaldiçoado e para sempre enterrado
E tragam também
todos os disfarces todas as máscaras todas as artimanhas todas
as astúcias todas as simulações e dissimulações todo o viperino arsenal
todas as bíblicas predestinações
da Eva e da Serpente inoculadas
nas mulheres adúlteras das ilhas
nos seus revisitados paraísos nos seus teatros de sombras nas suas lições
apedrejadas pela mão colérica dos candidatos a vítimas futuras dos males
do amor nas suas asserções rejeitadas pela má-lingua das comborças suas
rivais nas suas ilações enjeitadas pelas maldições e excomunhões
das beatas suas vizinhas nas suas não ditas penitências nas suas não
penitenciadas confissões nas suas não confessadas premonições nas suas
secretas asseverações nos seus dissimulados desdéns nos seus íntimos
segredos causticados pelos estritos ditames puritanos
da moral patriarcal dominante
E tragam também
a lata ousadia
das mulheres dos tempos de outrora
emboscadas entre os recessos do dia-a-dia
e as altas penedias de Ribeirão Manuel e da Serra Malagueta
a sua temeridade e a sua sonante valentia
percutindo contra as sombras insalubres do latifúndio
assolando e sitiando as achadas as encostas e as ribeiras
da ilha toda da ilha de Santiago
ondulando com os esguios corpos dos mamoeiros
dos Engenhos de Sedeguma e de Jaracunda
os seus novembrinos prenúncios
os seus imponderados prelúdios
da festa e do júbilo futuros setembrinos
compostos na vasta e esverdeada planura
de Achada Falcão e Achada Além
e as anciãs marcas das suas purgueiras
expurgando o medo e o temor do mando
purgando o alto preço da coragem e das suas cantigas de esperança
trauteadas com o sibilar das pedras repetidas com a prontidão dos maxins
afagados nas suladas marchando com os pés nus informes todavia conformes
com a macieza da terra bufa e a dureza das pedras dos calcorreados
caminhos amotinados contra as temerosas hostes policiais e os impiedosos
cascos da cavalaria da repressão claudicados defronte de Bombolon de
Melo e de outros lendários nomes de Ana da Veiga e da sua imaginária
cavalaria de amazonas recolectoras de nozes silvestres e de outras
aguerridas folhas da pertinácia e do destemor para as lavagens da dor e
da penúria para a combustão das candeias incendiárias das noites insones
para o expurgo das sombras amofinadas da espoliação e da covardia para a
escrutação dos tempos vindouros nossos dos tempos novos antecipados
virtuosos nomeando-se pelos nomes da terra tais Naia Nair Nhara Munana
Muntura Donana Tanha Maninha Manaia Mana Júlia Fidjinha Noca Xandinha
Canda Dada Tutuxa Tutuca Luluxa Mento Bonga Fuca Teteia Zita Bia Dina
Guta Tuna Tina Mita Luna Tujinha Dóia Jova Veninha Sábu Fonga Fatiti Nha
Cumá Nha Ana Procópi Salibana Nha Tututa Nha Guida Mendi Nha Bibinha
Cabral Nha Násia Gómi Nha Mita Prera Nha Manina Bórji Nha Balila di
Tira-Xapéu
E tragam também
os outros tempos todos
passados e presentes das ilhas
renascidos do tenaz bolor dos odores podres
das reminiscências dos tempos fétidos de outrora
do patriarcalismo colonial-escravocrata do patriarcalismo
mercantil-agrário do patriarcalismo clerical colonial-fascista
das suas sequelas querelas e mazelas
do seu húmus sedimentado
no quotidiano e anónimo patriarcalismo
das gentes simples e humildes das ilhas
dos seus resquícios persistindo imperceptíveis
nos lugares cativos da saga libertadora no patriarcalismo heróico
da oratória emancipatória dos antigos combatentes da liberdade da pátria
e do verbo insano e dos gestos inflamados dos puritanos militantes
da proclamada moral revolucionária dos tempos de antanho da sua sanha
autoritária da sua saga persecutória castradora dos tempos novos
da reversão dos tempos de outrora desses infaustos tempos intactos
rancorosos desses antigos tempos deles eriçados paternalistas sobre
os perfis leais das suas cúmplices e correligionárias políticas
desses antigos tempos deles camaradas depois conluiados
dirigistas machistas ou silenciosamente indiferentes sobre os ombros
(im)pacientes das suas companheiras de vida e de luta
das sementes da sua subversão condimentando-se e multiplicando-se
às portas das escolas nos ginásios e corredores dos liceus nas filas dos
hospitais nos átrios das repartições públicas nas células políticas nos
debates parlamentares nos seminários sobre a promoção da mulher
e a sua escassa visibilidade entre a nomenclatura do partido e do estado
nas crónicas jornalísticas e nos poemas panfletários de louvação da
emancipação da mulher nos grupos cénicos das associações comunitárias
nos grupos corais das igrejas e das organizações de massas
nas consultas de planeamento familiar e protecção materno-infantil
nas palavras e nos actos disseminadores dos benefícios da pílula
e de outros contraceptivos nas arengas contra o aborto clandestino
e as obscurantistas e retrógradas pregações de padres catequistas
e irmãs de caridade sobre o alegado valor sagrado da vida intra-uterina
e a sua hipócrita ignorância das atribulações da gravidez indesejada
da maternidade precoce e da paternidade irresponsável
na quotidiana demanda
dos horizontes submersos
na metade sonegada dos céus
todavia reiteradamente indagada
à beira dos chafarizes e dos fontenários
na cata da lenha para o lume de todos os dias
cozinhados com a têmpera da (ir)resignação
entre as três pedras do antigo destino das ilhas
da sobrevivência das suas gentes dos seus casebres
de pedra solta das suas enxadas laboriosas dos irrequietos arcos
de ferro das brincadeiras dos seus meninos
na rocega da palha para as alimárias na apanha
clandestina das areias das praias moribundas
na debulha do milho e do feijão no padecimento com a sede
dos trabalhadores das faimo nas morosas esperas das embarcações
perdidas ou demoradas nas fainas de pesca nas vigílias das suas precárias
e clandestinas habitações disseminadas cinzentas nas ribeiras
atafulhadas de lixo espalhadas desoladoras obre as encostas abandonadas
das urbes nas periódicas dores
de parto na parição do que virá a ser
E tragam também
as trancas das portas as lâminas cortantes os punhais
afiados as pedras afiladas as palavras efervescentes s águas ferventes
os óleos incandescentes os tempos escaldados inumados
dos muitos meandros da vergonha e da humilhação
a ardência não mais latente e resignada da impaciência
dos traumas dos hematomas das cicatrizes dos gestos feridos
e de outros sinais de alarme dos corpos sofridos das madonas das ilhas
os ódios calados a raiva contida as candentes reticências as lágrimas
explosivas as palavras refiladas ebulindo inflamadas e outros
pronunciados gritos das almas doridas das mulheres das ilhas
E tragam também
a elegância das vestes impolutas
das mulheres juristas e parajuristas
sobraçando os manuais feministas da predicação
e do combate soletrando os panegíricos da resiliência
em função do género desfiando os articulados todos
dos códigos de boa e produtiva conduta em tempo
(des)velados e fundamentados na consistência
da resistência cívica e moral politicamente correcta
(obviamente que também baseada no género)
E tragam também
a luminosidade das vestes afirmativas
das outras mulheres cientes e senhoras de si
elaborando os projectos de lei do divórcio
da revogação das discriminação dos filhos nascidos
fora do casamento da interrupção voluntária da gravidez
da igualdade entre homens e mulheres nas esferas familiar e privada
da paridade dos géneros no acesso a cargos políticos e a funções públicas
na dotação da palavra oportuna e fulminante da palavra devastadora
nos comícios nos seminários nas sessões de esclarecimento
nos ateliers nos workshops nos brainstormings
E tragam também
a neutralidade das cores solenes
das vestes inconfundíveis
das mulheres magistradas
e a severidade das sentenças punitivas dos agentes
dos delitos de violência doméstica e maus-tratos contra
as respectivas companheiras e seus rebentos e dependentes
e a severidade das sanções aplicadas aos autores dos crimes
de rapto de moças virgens para os reprováveis fins do concubinato
de sedução de estupro de abuso sexual de jovens de assédio sexual
de violação de agressão sexual contra mulheres maduras e idosas
e a severidade dos castigos aplicados aos agentes de outras infracções
perpetradas contra a autodeterminação sexual das raparigas
e das mulheres das ilhas e contra outos bens jurídicos tutelados
pela Constituição e pela Lei e situados na esfera de liberdade
de irrenunciável autodeterminação da mulher emancipada
E tragam de novo
a imparcialidade das cores solenes
das vestes monocromáticas
das mulheres magistradas
levantando os cadáveres registando a comiseração sua
e a extensão das feridas e a superveniência da dor e da revolta
autuando os infractores do principio das igualdade entre machos e fêmeas
no trabalho no salário nas mordomias nos débitos e créditos da carne
lavrando os despachos redigindo as sentenças refundindo e aprimorando
os acórdãos de outorga das casas de morada da família e dos afectos
dos filhos menores às mulheres separadas às mulheres divorciadas às
mulheres desunidas de facto coligindo os completos fundamentos e as
concretas estipulações do montante das pensões e as exactas cláusulas da
obrigação de prestação de alimentos aos pais-de-filho renitentes todavia
sempre reincidentes na litigância de má-fé nas ameaças e nas pugnas
extra-judiciais na reivindicação de iguais afectos e de outros estranhos
privilégios e de outras esquisitas regalias e de outros idênticos
direitos
de progenitura reconhecidos e outorgados às suas mães-de-filhoE tragam
também
a rústica simplicidade
das roupas tradicionais
das mulheres profetisas nos tons herdados e nos improvisos
da finason e da curcutisan
das mulheres afinadeiras das turbações
da história e dos ecos azuis do mar
derramados sobre as fissuras das montanhas
ciosos e cientes das trágicas peripécias e do conturbado destino
da multissecular penitência das criaturas das ilhas
ecoando na txabeta e nas muitas e indecifráveis
reminiscências musicais do batuco
e das suas mulheres cantadeiras da sambuna do rabolo e do rafodjo
e das suas mulheres dançadeiras do torno da mazurca da contradança
do colá sanjon do lundum do talaia-baxu da coladeira da morna
do funaná repicado da gaita e dos ferrinhos
e de outras não inventariadas e de outras não musicadas
e de outras não identificadas e de outras não pronunciadas
e de outras não registadas e de outras não conferenciadas
cantigas de angariação dos ânimos e dos alentos
da alma nua e desabrigada
dessas mulheres nossas das ilhas
amiúde interpeladas
com a prole toda e inteira
pelas cartas de chamada
dos seus homens
ausentes na Terra-Longe
impacientes na dispersão da diáspora
carentes delas em estado de necessidade do feminino aconchego delas
em estado de precisão da comprovada resiliência delas
das suas legítimas mulheres
nas precárias barracas dos bairros degradados nos modestos compartimentos
dos bairros periféricos de realojamento de imigrantes nos prédios de
apartamentos de há muito sonhados de há muito sopesados no seu perfilo
de cimento e de solidão nas vivendas hipotecadas à usura e à ganância
dos bancos nos lares desconsolados aguardando os imprevisíveis
desfechos
da burocracia e do reagrupamento familiar
dos desfeitos e refeitos laços de afecto dos imigrantes
e das suas mulheres
amiúde desafiadas pelo chamamento dos baixos salários das fábricas
dos parcos ganhos das feiras dos precários lugares de venda dos produtos
feitos à moda da terra natal à porta das estações de comboio no bulício
dos bairros periféricos de gentes de cor e dos seus periclitantes
preçários foragidos dos fiscais da câmara municipal dos polícias de
segurança pública dos vigilantes dos caminhos de ferro e de outros
agentes da lei e da ordem vigentes nunca indiferentes às denúncias dos
comerciantes estabelecidos na praça às delações dos vendedores
ambulantes seus concorrentes e dos gestos e silêncios comprometidos dos
tremores
dos suores frios dos ardores
do claro e escuro dessas mulheres sempre atarefadas
com as necessidades de limpeza dos escritórios das escolas
dos centros comerciais das torres de apartamentos dos condomínios
suburbanos dos lares de idosos das quintas afidalgadas das casas dos
solteiros da classe média das moradias burguesas das buliçosas alamedas
das grandes urbes das diurnas ruas e vias das pacatas
cidades-dormitórios
E tragam também
a cativante simplicidade
das roupas informais das mulheres poetisas
das roupas alternativas das mulheres poetusas
das roupas impetuosas das mulheres prosadoras de ficção
das roupas tempestuosas das mulheres letristas cronistas e jornalistas
das roupas presunçosas das mulheres académicas
das roupas deslumbradas de cores sempre berrantes
das mulheres pintoras das mulheres escultoras das mulheres
ceramistas das mulheres compositoras e intérpretes musicais
das mulheres artistas das mulheres artesãs da cor
do ritmo das muitas prazerosas melodias da vida
das mulheres poetas artífices das muitas redundâncias
da paixão das inesgotáveis atribulações e arritmias do dia-a-dia
E tragam também
o bom gosto dos trajes
e a lisura dos gestos estudados
das mulheres professoras primárias
das mulheres professoras liceais
das mulheres docentes universitárias
das outras mulheres todas progenitoras da luz
também elas genesíacas
também elas nascituras
com o nascimento dos mundos novos divisados
divisando-se nos olhos abertos nos rostos
saciados nas fantasias rejubilando insones
nas perplexas pupilas dos seus pupilos
E tragam também
a higiénica compostura
dos trajes e dos gestos cuidados
das mulheres enfermeiras das mulheres
médicas das mulheres parteiras
das outras mulheres todas
também elas genitoras
também elas parturientes
do corpo e do espírito lavrando-se
maduros renascendo sempre recompostos
das criaturas das nossas ilhas
E tragam também
a virtuosa simplicidade dos trajes
e dos gestos articulados eficientes e profissionais
das mulheres engenheiras das mulheres arquitectas das mulheres
economistas das mulheres sociólogas e psicólogas sociais das mulheres
agrónomas das mulheres silvicultoras das mulheres assistentes sociais
das mulheres monitoras das creches e dos jardins de infância
das mulheres planificadoras da congruência e da funcionalidade
das paisagens dos orçamentos e dos afectos caseiros
do tempestivo estancamento do seu desuso da exclamativa indagação
da sua usura delineando-se sobre os corpos sôfregos das povoações
deleitando-se na domesticidade dos lares nas ardentes delícias
do prazer buscado e saciado
E tragam também
a elegância do vestuário formal
e dos gestos convincentes
das mulheres gestoras das mulheres empresárias
das mulheres dirigentes da administração pública
ungidas pelos tempos revoltos de agora cingidas
pela apreensão e pelo bom senso
na crisma e no manuseio
da complexidade e da simplicidade
das contas - correntes do estado-nação
e dos pequenos dramas familiares
de todos os dias
E tragam também
a soberba dos gestos convencidos
e dos trajes vistosos discretos neutros camaleónicos
das mulheres governantes das mulheres autarcas
das mulheres deputadas das mulheres comissárias
e conselheiras políticas das mulheres dirigentes
associativas e líderes comunitárias das mulheres
estrelas da comunicação social
deslumbradas com os arco-íris estampados
sobre os seus rostos absortos rememorativos
da saudade de elas meninas nos jogos das escondidas
dos seus corpos curiosos transbordantes de mistério
das suas primeiras e avassaladoras paixões amorosas
de elas flores juvenis ardendo com as primeiras iluminações
das suas maçãs devoradas com a festa e a sofreguidão
que antecedem a ressaca e pressagiam os infernos
e os arruinados paraísos de depois
E tragam também
o brilho e a argúcia dos seus argumentos
a comovida subtileza dos seus raciocínios
exumados do secular confinamento
das suas antepassadas latifundiárias
das suas antecessoras pequeno e grã-burguesas
no delineamento dos cuidados para um radioso presente
dos filhos varões aos arranjos de um futuro garantido e confortável
para as filhas casadoiras aos afazeres do ordenamento
do sossego da paz e da estabilidade da instituição familiar
à governação das domiciliárias mordomias das suas casas
senhoriais e das suas serventuárias e das serventuárias
dos desejos todos dos senhores delas do seu corpo
dos seus nocturnos tempos de descanso
dos seus diuturnos tempos de trabalho
dos seus diurnos tempos de exaustão
dos seus tempos todos de servidão
e de violada formosura
E tragam também
a convicta firmeza dos seus propósitos
os seus rudimentos desenterrados da secular condição
das mulheres suas predecesssoras das mulheres suas contemporâneas
nas ilhas os seus fundamentos rebuscados no persistente estatuto
das mulheres comuns das ilhas nas suas anódinas jornadas
de mães esposas e trabalhadoras delimitando-se nos tráfegos
domésticos do fogão da lavandaria dos cuidados dos filhos
e nas suas outras rotineiras jornadas de escravas e fadas do lar
a um só e lotado tempo dilatando-se à lavoura dos dias agrestes
dos campos a um só e pesado tempo alargando-se à lavoura
dos horários e da arbitrária cronometria dos tempos das cidades
e das suas suburbes a um só e (des)lavado tempo expandindo-se
na lavra dos maduros tempos da satisfação dos desejos seus
e dos parceiros dos seus (des)compassados tempos de recreio
de estrito cumprimento das consignas bíblicas dos preceitos legais
dos mandamentos costumeiros para a reprodução da espécie
e do clã para a desejável perpetuação da humanidade
e dos apelidos familiares tempestivamente reconhecidos e perfilhados
E tragam também
os trajes vários e diversos
e os gestos decididos
das mulheres (re)fundidas com os tempos plúmbeos
dos campos ressequidos das mulheres temperadas
nos tempos insossos dos bairros miseráveis
das mulheres chefes- de-família
das mulheres mães- de- filho das mulheres
anónimas das nossas ilhas e diásporas
das mulheres desde sempre apalavradas
com a rude simplicidade dos enigmas do destino
das mulheres desde sempre ateando-se
no pranto e na resignação atadas à dureza
da busca diária do sustento dos filhos
E tragam também
os gestos desalentados
e os trajes puídos das mulheres
desempregadas das mulheres sub-empregadas
das mulheres definhando nas faimo nos seus desvendados
códigos de frentes de alta intensidade de mão-de-obra
e de muita penúria de esperança das mulherres sobre-exploradas
entre as quatro paredes do dia- a- dia familiar das mulheres
sobre-alimentadas na servidão do serviço doméstico
diariamente desposado nas casas das famílias
abastadas e remediadas das nossas ilhas
das mulheres multiplicando-se na exaustão
do serviço domiciliário diariamente expendido
nas moradias das famílias burguesas
das terras alheias das nossas diásporas
E tragam também
os gestos e os trajes esquecidos
das mulheres das tardes (des)afogadas no tédio
das mulheres dos bairros nobres apanhadas pela solidão
e por outras crises existenciais das mulheres dos bairros chiques
armadilhadas pelo spleen e por outras insolúveis altercações
com a rotina da vida de todos os dias das mais que (in)certas previsões
dos horóscopos das cartas das bolas de cristal das mãos estendidas
para os augúrios para os presságios para os prognósticos para as sinas
lidas das cartomantes das quiromantes das tarólogas das teólogas das
predestinações da sorte e do azar das alongadas precisões dos abalizados
diagnósticos e relatórios dos psicanalistas
das graves recomendações dos curandeiros dos exorcismos dos padres
confessores e outros peritos da magia branca das obscuras recomendações
e instruções das bruxas da terra dos cordeiros
e de outros mestres da magia negra nossa sincrética
consultados de emergência
e deles dos professorais curandeiros vindos da Costa de África
e das suas enigmáticas encomendações e providências
procuradas com clandestina solicitude
E tragam também
os gestos tímidos e os trajes famintos
das mulheres ainda moças supostamente virgens
exaurindo-se intactas nas ânsias
e nos sonhos intocados
sob a causticante e imberbe vigília
dos húmidos e lascivos lençóis
E tragam também
os traços e os cortes ainda indecisos
dos trajes e dos gestos prematuros
semeando-se sementes prementes no coito
eclodindo enrubescidas na cópula púrpura
das mulheres estudantes e afagos universitários
E tragam também
os gestos maliciosos
e os trajes gastos todavia ainda provocantes
das mulheres inquilinas das esquinas solitárias
das mulheres com residência fixa nos becos amaldiçoados
das mulheres moradoras de bares esconsos das mulheres com domicílio
conhecido nos bairros de má fama das mulheres com poiso certo nas rixas
e nas altercações com chulos rufias polícias delegados de saúde pública
clientes pouco abonados parceiros ocasionais de dúbia generosidade das
mulheres oradoras nas proficientes interlocuções com as muitas sombras
de outros fantasmas das ruelas imundas inundadas de nocturnicidade e de
outros reconhecíveis lugares de predilecção das mulheres meninas de vida
das mulheres mocratas das mulheres putecas das mulheres putéfias das
mulheres prostiputas das mulheres prostitutas das mulheres serviçais do
sexo outrora disputadas borboletas do riso e do vício depois
escanzeladas depois roídas pela miséria e pelo desmanzelo das mulheres
herdeiras de Olívia Varela das mulheres testamenteiras de Xica Doida e
de outras antigas princesas das noites murchas das urbes e sub-urbes das
nossas ilhas e diásporas
E tragam também
os gestos e os trajes bem costurados
no preçário da sedução e da volúpia
e os caríssimos e luxuriantes acessórios
das mulheres residentes das boîtes das discotecas dos motéis
das pensões dos bares e dos átrios dos hotéis de muitas estrelas
das mulheres acompanhantes de turistas de homens de negócios
de gestores públicos de políticos de artistas conferencistas e
congressistas de traficantes de assassinos por encomenda e de outros
endinheirados e de outros gentios e de outros gentis e de outros
manhosos visitantes
das ilhas
e das suas mulheres ainda quatorzinhas e das suas mulheres marcadas como
pixinguinhas e das suas mulheres menininhas de boa vida e das suas
mulheres pitangas maduras e das suas mulheres maduras e das suas
mulheres sumarentas e das suas mulheres saborosas e das suas mulheres
aromáticas e das suas mulheres pecaminosas e das suas mulheres fogueiras
e lareiras e das suas mulheres incandescentes nos braseiros
da libido e da luxúria ínsita
na tropical luminosidade das ilhas
e das suas mulheres cúmplices da boémia e da náusea e das suas nunca
nauseabundas circunscrições e das suas mulheres de pose pouco moribunda
e das suas mulheres de postura pouco furibunda e das suas mulheres de
reputação pouco pudibunda e das suas mulheres de aparência assaz
meditabunda velando os trejeitos lascivos
desses singulares repositórios femininos
do desejo e da beleza delas das suas mulheres ardentes
que vêm igualmente atormentando os espíritos e os corpos
tanto dos homens rurais recatados e precavidos como também
dos espavoridos homens das pequenas médias e grandes urbes
das nossas ilhas e diásporas
e espoletando a sua imaginação e as suas muitas morosas paixões
de criaturas másculas quer dizer maiúsculas
na ostentação da sua palavrosa masculinidade
E tragam também
todos os demais gestos e trajes
os vulgares os tímidos os desinibidos os possessivos
os comuns os estranhos os inauditos os lésbicos
os generosos os escaldantes os frementes os reluzentes
os tremeluzentes os dormentes os relutantes os concomitantes
os consabidos os consumistas os consumados
das mulheres mercadoras do prazer e da luxúria
e os seus assumidos acessórios cosmopolitas
de mulheres sucessoras legítimas da Preta Fernanda
também chamando-se também escrevendo-se Fernanda
do Vale também olvidando-se também rememorando-se
no anónimo chamamento islenho de Andreza do Nascimento
das rítmicas ondulações da sua lascívia oitocentista
as suas síncopes e acrobacias as suas escreventes devassas
perorações e devassidões sufragando todas as imprevisibilidades
da servidão doméstica escalando com os pés nus e terrosos com os pés
doridos e disformes com os pés rebeldes os pedestais e as pétreas
sombras das estátuas por esculpir
galgando as escadarias dos restaurantes dos palacetes das mansardas
dos salões burgueses dos teatros de ópera dos espectáculos de revista das
casas de prazer das suas ancas de batuque e pilão do sôfrego ritmo do
seu espírito inquieto vagueando tempestuoso atravessando escrupuloso as
arenas do toureio e da presunção os ringues dos torneios sexuais e dos
confrontos da arrogância os botequins dos duelos gastronómicos os
entardeceres dos desafios da maledicência as barreiras dos preconceitos
classistas racistas das perenes pré-disposições sexistas machistas dos
antiquíssimos pré-juízos eurocêntricos reinóis metropolitanos
ainda vigentes acamados
nas delícias do prazer
dos nossos contemporâneos estrangeiros
ainda vigiando acordados
na insónia do exigível remorso
dos nossos conterrâneos ilhéus….
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