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Este ano, a minha participação pictórica
ou estética no Salão Convívio da Sociedade Nacional de Belas Artes não
vai ser uma pintura a guacho ou um desenho da minha série “Teoria das
Multidões”, como costuma acontecer, mas, sim, uma pequena instalação, em
termos volumétricos, na qual misturo, provocantemente, objectos de
leitura, entre si, contraditória, e contraditórios na sua (deles) massa
e funções.
Entreguei os objectos isolados há uma
semana, inscrevi-me para o certame e, tendo em vista que não era certo
se a SNBA dispunha ou não de uma vitrina que contivesse, em altura, a
minha instalação – assentou-se que iria lá, ontem, para saber de novas e
mandados.
Na
verdade, com vitrina, isto é, com segurança, o espectáculo visual a
criar seria, será um; no caso de os objectos ficarem em contacto directo
com o chamado público (o público que somos nós todos), a instalação
será, necessariamente, outra. E por quê?.
Não vale a pena correr riscos.
Entretanto, como atrás frisei, desloquei-me
às Belas Artes, levava comigo mais dois objectos, para juntar àqueles
que deixara anteriormente, e, confrontado agora com a existência da
vitrina, antes, em dúvida, estavam criadas as condições para desenvolver
a minha visualização estética.
O espaço a circunscrever era pequeno. A
altura, alguma, não muito famosa. Os objectos a trabalhar espacialmente
não eram muitos, não permitiriam um grande puzzle.
Quando cheguei, um dos executores obreiros, por graça ou por que os
ditos objectos deviam ser colocados em algum lado, dispô-los junto do
minúsculo móvel com que, em certa madrugada de chuva gélida, eu tinha
deparado no lixo junto ao rodapé dos vidrões do meu bairro. Era um
objecto bonito, abandonado por alguém de bom gosto, que teve,
porventura, remorsos de arremessar aquela possível obra de arte para o
bandulho do contentor-tubarão.
O objecto belo mas normal, pragmático,
ganha agora outra leveza, passa a ser da raça da torneira do Duchamp,
segue as pisadas dos Surrealistas quando propunham o encontro de um
guarda-chuva e de uma máquina de escrever numa mesa de anatomia… Pode
ser uma sombrinha de senhora esgalgada e conflituosa… ou as cuecas
emporcalhadas, às bolinhas azuis, de um solteirão… É o contraponto.
Em cima do móvel minúsculo, os dois
operários da SNBA já tinham depositado em sítio certo a banana que,
anteriormente, eu trouxera de casa. Aceitei a “sugestão” utilitária dos
obreiros. Assim se prova que (á semelhança da poesia) a escultura, a
intervenção estética e os espaços cinéticos… -- de grande ou pequeno
formato -- também são feitos por todos.
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FERNANDO José da Costa GRADE
(Portugal, 1943)
Poeta, pintor, cronista, ficcionista,
crítico de arte, jornalista, escultor e dinamizador cultural. Poeta com vasta obra publicada,
constituída por 29 títulos, de onde sobressaem "O VINHO DOS MORTOS" (em
5ª. edição), "SAUDADES DE SER ÍNDIO" e a antologia "25 ANOS DE POESIA"
(1962,1987).
Como artista plástico -- desenhador,
pintor, colagista, escultor e ilustrador --, expõe desde 1965.
Participou em 388 exposições colectivas e realizou 16 individuais. Foi
três vezes premiado, em Desenho, com primeiras medalhas de prata, nos
salões da Junta de Turismo da Costa do Sol (XI e XV Salão de Outono e
no VIII Salão de Arte Moderna), e obteve, conjuntamente com Carlos
Calvet, o PRÉMIO DE AQUISIÇÃO do VI Salão de Arte Moderna de Luanda. Foi
critico de arte do "Jornal de Letras e Artes", "Século Ilustrado"e
"Diário de Notícias". Assinou balanços anuais de artes plásticas para o
jornal "O Século". É o presidente do Comité Directivo do
Movimento de Intervenção Cultural (MIC/Edições Mic), desde o inicio --
1976/1977.
www.fernando.grade.webnode.pt
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