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Oficina de Interação Criativa
"A Oficina de Interação Criativa, OIC, propôs-se desenvolver, enquanto
colectivo, uma reflexão sobre a vivência das situações experimentais que
implicam o desenvolvimento sócio-afectivo da Dinâmica Corporal,
despoletando uma sensibilização para uma outra forma de conhecimento: a
consciência da nossa relação com a vida, e os envolventes espaços onde
se concentra a nossa aprendizagem.
Constituída assim numa prática de exercícios de Percepção, Comunicação e
Dinâmica Corporal – com o nome genérico de Situações Experimentais de
Dominante Intercriativa –, aí se viviam situações simultaneamente
enraízadas na experiência de cada indivíduo, e aferidas pela diversidade
dos elementos enquanto um todo.
Este exercício de atitude interdisciplinar e pluridisciplinar (em que a
Percepção Multissensorial despontava enquanto informação, e a Dominante
de Conduta de cada elemento como um Recurso, e do Todo como um
Colectivo) obrigava a uma pesquisa sobre áreas de relevante importância
no domínio da exploração e descoberta das relações: Espaço/Corpo; Corpo/Matéria.
A análise do Espaço/Corpo implica a consciência e percepção de variados
percursos em si, como a morfologia dos seus campos (Espaço Sensoriomotor,
abordando inclusive Experiências Quinestésicas, a análise dos Meta-Sinais,
o Espaço Topológico, passando pela análise de Visões Sincréticas, o
Espaço Projectivo, Euclidiano, Atitudes Transcontextuais e a Percepção
Visual e Háptica.
Fez a OIC realçar também a importância do Exercício do Jogo, assentando
num compromisso constante entre o imaginário e o real (percurso para uma
apologia dos aspectos lúdicos da aprendizagem na relação do corpo com os
materias dos espaços, os quais conduzem a uma compreensão dos valores da
relação do Corpo/Matéria).
A análise ainda sobre os Comportamentos e seus Sinais, mormente os não
verbais que emitimos nas inter-relações em confluência e em paralelismo,
ou em oposição com as palavras que intervêm, afectam ou determinam a
mensagem. Como mesmo os sinais dcorrentes das situações de tensão
provocadas pelos espaços e pelas Relações Interpessoais.
Uma prática do exercício em colectivo, conduziu também a uma
consciêncialização dos factores estruturantes do Espaço Proxémico, ao
compreender a recíproca interferência do ritmo, tempo, sincronismo, na
consecução de uma tarefa individual ou de grupo.
A análise da pessoa como portador e produtor de energia: Energia; Tensão;
Ruptura; Acção. O contacto físico: Proximidade/Distância, e a orientação
e Postura na comunicação interpessoal.
A análise da relação Confiança-Segurança, Desconfiança-Insegurança e a
identificação de Espaços Seguros e Não-Seguros, foram outros dos âmbitos
considerados.
Do estudo e prática nos domínios das acções de conhecimento e
sensibilização, e depois da abordagem dos parâmetros gramaticais,
cumpriu assim, este colectivo OIC, um "fazer-se definir" como actividade
conclusiva, apresentando-se como lugar propedêutico dos domínios da
percepção multissensorial".
Este texto enunciatório da Oficina de Interação Criativa que, a seu
tempo, foi por nós editado – enquanto Corpo Diretivo do Círculo de Artes
Plásticas de Coimbra, CAPC, parte integrante da Universidade de Coimbra,
e para o Ano de Atividade 1979/80 (1) –, resulta distintivo dos valores
fundamentais do domínio exploratório da OIC, e, não menos, da sua
condição identitária capaz. A de uma colegial personalidade para um
coletivo de potencial criativo. Essa humanizante personalidade portadora
de Sentido. Contaminação. E consequentes colateralidades.
Desenhadas que estão as linhas tipológicas para um rosto da OIC – como
modo expositivo primeiro desta Oficina gerada no âmbito das
atividades do CAPC (2) –, é legítimo creditar que, enquanto laboratório
pedagógico de experienciações múltiplas, foi a OIC um objeto social
único e consequente (3).
Os princípios de contaminação foram plurais, mormente na cidade e
colateral moldura académica, mas também na sintonização e partilha de
toda uma investigação desenvolvida em geografias e culturas outras. As
nacionais, mas ainda experiências então em curso ativo noutros países,
ou mesmo as geradas em tecidos de outras antropologias.
Com aplicação dos saberes adquiridos, e como exemplo de exercício
póstumo, à OIC (revisitando premissas ensaiadas na constelação
genomática deste laboratório, mormente aquelas que convocavam razões
ambientais e da relação Corpo/Natureza, num sublinhar dos envolventes
das esferas háptica e quinestésica), foi o trabalho para-cénico e
comportamental: "Claridade dada pelo Tempo", escultura humana
formulada a partir de um texto de Mário Henrique Leiria.
Desenvovido no âmbito das atividades programadas para o "ACTO, Instituto
de Arte Dramática", domínio onde a convite assumi a Direção Pedagógica e
Artística da experiência catalogada – "Claridade dada pelo Tempo", 1996
–, conjugou enquanto operação, cumplicidades múltiplas com o antes
comungado em vivenciações polarizadas na constelação OIC – realidade
aqui sinalizada, mas merecedora de estudo maior.
Com este Testemunho aqui fornecido, tarefa fechada do quanto me
cumpre referenciar na comunicação agora presente, reservo-me à memória
da experienciação singular que a Oficina de Interação Criativa nos
contemplou, nutrindo com a mestria e partilha de saberes que a
generosidade de Alberto Carneiro nos fez saber merecer, e, para quem, do
lugar nacional e da Cultura com as Ciências Pedagógicas, há uma
imensurável dívida de gratidão (4).
A Alberto Carneiro, símbolo de vertical humanidade e mestria, a minha
renovada homenagem ao Pedagogo – Homem de ciência –, ao Escultor – Homem
de Arte.
António Barros
Coimbra, junho de 2012. |
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(1) Corpos Diretivos do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, CAPC,
para o Ano de Atividade 1979/80: Alberto Carneiro, António Barros, Maria
Laranjeira, Rui Orfão e Túlia Saldanha.
Contextualizando, obriga referir que paralelamente à dinamização da
Oficina de Interação Criativa, OIC [Direção Pedagógica e Dinamização de
Alberto Carneiro – resposta a uma proposta de projeto de António
Barros], neste mesmo ano, o CAPC realizou ainda, com direção de Alberto
Carneiro e António Barros, a iniciativa "Dois Ciclos de Exposições:
Novas Tendências na Arte Portuguesa e Poesia Visual Portuguesa". Teve a
iniciativa (com apresentação de Obra e Comunicação sobre as pesquisas
inerentes) a participação de Helena Almeida, Julião Sarmento, Fernando
Calhau, Álvaro Lapa, Ângelo de Sousa, Alberto Carneiro, António Palolo,
José Conduto, Joana Rosa, José Carvalho, Ana Hatherly, António Barros,
E. M. de Melo e Castro, António Aragão, Silvestre Pestana e Alberto
Pimenta.
(2) Não sendo a OIC um programa para-clínico, nem de envolvente forense
ou palco, a Oficina preservava, em todos os comportamentos da sua
prática, o sigilo e o direito à privacidade com anonimato possível dos
seus elementos e utentes. Salvo a diretoria institucionalmente
responsável, este direito ao "não rosto" afirma o respeito pela pessoa e
o seu inerente direito à aprendizagem reservada, e condição sistémica do
saber adquirido num domínio sensível das pedagogias.
A OIC, não sendo um coletivo de produção de Arte mas de Estudo, o "não
espetáculo" (sem ribalta e preocupação expositiva do desenho dos
comportamentos, mas a reserva a uma cintura própria do círculo
laboratorial a convocar Sigilo Profissional), sempre pretendeu cumprir a
atitude contida da proteção de dados num não revelar nominação nem
narrativas particulares. Zelava pela reserva dos referentes de
Autoscopia que as práticas exploratórias e o domínio da pesquisa
conjugam e potencialmente se fazem enunciar. Também por isso, a
centralização testemunhal e documental do histórico fazer-se residir no
Conceito, e não na escrita de vivências na experienciação contidas. O
Direito de Personalidade, protetor da Imagem e seus fazeres, é realidade
latente e a que a matéria de estudo também se obriga.
(3) Num panorama de continuidade e contaminação a partir da OIC, aqui se
enunciam alguns dos múltiplos referentes que geriram aplicação de
saberes sintonizados nesta identidade oficinal:
A• O coletivo, em modo de revista experimental, Artitude:01 [António
Barros, Isabel Carlos, Isabel Pinto, João Torres, José Louro e Rui Orfão]
programa criado por António Barros, surge explorando dinâmicas das artes
do comportamento e desempenho do corpo, matérias que convocam as artes
performativas e princípios onde muitos dos estudos se iniciaram na OIC.
Foi este coletivo, e para além do seu profícuo trabalho autoral nas
artes plásticas, quem dinamizou (com curadoria de António Barros e Rui
Orfão) o Simpósium Internacional: "Projectos & Progestos", plataforma
que apresentou (em Coimbra: Teatro Estúdio CITAC; Lisboa: Teatro da
Graça; e no Porto: Árvore Artística), nomes fundamentais da Arte
Contemporânea de referente para-teatral e performativo como: James
Coleman, Nigel Rolfe, Stathion House Opera, Peter Trachsel, Ernst Thoma,
Basement Group, Gregorz Sztabinski, Erna Njman, Alistair McLennan, Mineo
Aayamaguchi, Frank Na, Plassum Harel, Julian Maynard Smith, entre muitos
outros, e portugueses como: Ricardo Pais, José Ernesto de Sousa, José de
Carvalho, E. M. de Melo e Castro, Alberto Pimenta, António Aragão ou
Jorge Lima Barreto, numa coleção com cerca de 100 autores com trabalhos
apresentados mormente entre 1980 e 1983.
B• Fila K [Luis Fonseca, Mário Jorge, Paulo Fonseca, Rui Mendes e Rui
Orfão – autor e condutor do projeto promotor de uma urban collage
performativa].
C• "Amant Alterna Camenae", a partir de "Causa Amante" de Maria Gabriela
Llansol, direção de António Barros, com Helena Gonçalves, Margarida
Félix, Pilar Mosquera, António Andrade e Paulo Larisch, Exposições
Experimentais da Secretaria de Estado da Cultura, CAPC, Coimbra, 1987.
D• ACTO, Instituto de Arte Dramática – a Operação Estética "Claridade
dada Pelo Tempo" tem Direção Pedagógica e Artística de António Barros.
Despois desta experiência Alberto Carneiro orientou neste Laboratório
também uma Oficina de Dinâmicas Criativas.
E• "Sensurround" de Lúcia Sigalho, com uma Oficina Aberta de Interação
Dinâmica, apresentado no TAGV, Universidade de Coimbra (a convite dos
diretivos de então que integraram Abílio Hernandez, António Pedro Pita e
António Barros).
F• O CAPC, nos anos consequentes à atividade desenvolvida pela OIC,
dinamizou, ainda com Alberto Carneiro, formação pontual enquadrável no
domínio das "Situações Experimentais de Dominante Intercriativa".
(4) Alberto Carneiro foi o artista homenageado nos Encontros de Arte
Coimbra 2000: "Alquimias, Dos Pensamentos Das Artes", uma iniciativa
patrocinada pela Associação Nacional das Farmácias com curadoria de
António Barros.
A retrospectiva da obra do laureado escultor, contemplou a cidade de
Coimbra com uma revisitação das suas obras: "Um campo depois da colheita
para deleite estético do nosso corpo", 1973/76; "Flor e fruto para
Brancusi", 1982/84; "18 citações tiradas da memória do corpo sobre a
terra", 1985/86; "Sobre os rios II", 1997/98, apresentadas no Museu
Nacional de Machado de Castro; "O laranjal-natureza envolvente", 1969; "Operação
estética em Vilar do Paraíso", 1973; "Os sete rituais estéticos sobre um
feixe de vimes, na paisagem",1975; Trajeto de um corpo" 1976/77; "Arte
corpo/Corpo arte", 1976/78; "Marcas do corpo apagadas pela maré", 1978
na Galeria dos Encontros de Fotografia - Pátio da Inquisição [hoje:
Centro de Artes Visuais].
A edição de um livro catalogou o evento, exaltando a obra de Alberto
Carneiro com textos como: "Alberto Carneiro sobre a natureza e a água",
de Javier Maderuelo; "Floresta e sonhos" de José Ernesto de Sousa; "Scultori
Europei", Europalia, Bruxelles, 1985, de José Ernesto de Sousa; "Alberto
Carneiro: A árvore e o mar", de João Fernandes; "A invenção da floresta",
de Delfim Sardo; "Algumas notas sobre espaço, tempo e matéria a
propósito de uma exposição de Alberto Carneiro", de Bernardo Pinto de
Almeida; "Apolo redime-se... e sacrifica-se em Diónisos", de Alberto
Carneiro; "Uma árvore é uma obra de arte quando recriada em si mesma
como conceito para ser metáfora", de Alberto Carneiro e "Sobre os
elementos da escultura – ou sobre 'a imaginação material' de Alberto
Carneiro", por João Lima Pinharanda. Fotografia de João Armando Ribeiro
e registo videográfico: "Momentos", de João Luis Azevedo.
Testemunha esta iniciativa, a consciência de que a presença e contributo
de obra de Alberto Carneiro nesta geografia não se reserva, ou esgota,
no CAPC, mas inscreveu outros círculos de estudo e difusão da Arte em
Coimbra. Nesta contextualidade, e para além de "Alquimias, dos
Pensamentos das Artes", é legítimo referir a presença da Obra de Alberto
Carneiro "O Corpo Súbtil", 1980-81, na revista Via Latina, maio de 1991,
publicação da Academia de Coimbra, com Direção de Francisco Silvestre e
Direção Artística de António Barros.
Diversas edições de Rua Larga, Revista da Reitoria da Universidade de
Coimbra sublinham o valor da obra artística e pedagógica de Alberto
Carneiro na comunidade de Coimbra. Entre outras, é de referir: "Um Voo
em Círculo Antes da Morte" [RL#10, out. 2005, p12-15]; "Intermitências
da Arte Pública em Portugal" [RL#15, jan. 2007, p26-29]; "Depois de A
Vocação do Medo – 'Fui Tirado de Dentro de Mim', peça artística de
Rui Chafes para a Faculdade de Farmácia" [RL#24, abr. 2009, p28-32]; "A
Geração Black Cube" [RL#26, out. 2010, p30-35] textos de António Barros
(assim como outros artigos deste mesmo autor publicados nos anos 70 e 80
nas revistas SEMA e Arte Opinião em Lisboa e Fenda e Fenda Não Ela Mesma
em Coimbra). |