Nestes últimos dez dias, tenho viajado pelo
Minho e zona vinhateira do Douro. Primeiro foi o encontro com
poetas e músicos em Vila
Nova de Foz
Côa, e especialmente com Jorge Maximino, organizador, que
projeta continuar a realização do Festival de Poesia com a
presença de brasileiros. É uma excelente ideia e uma
excelente notícia, que me agrada dar em primeira mão. E desde já
aconselho a que a viagem se faça de trem, pela linha do Douro,
pois a
paisagem é de tão soberana beleza que parte da região está
classificada pela UNESCO como
Património da Humanidade, na categoria de paisagem cultural.
Não regressei a casa, saindo na Régua, segui
até Ermesinde, para apanhar o comboio para Braga, onde já vinha
a nossa amiga e bem conhecida colaboradora do Triplov, Ana Luísa
Janeira.
Depois e agora temos visitado Braga, onde nos
receberam Manuela e José Gama. José Gama também é conhecido no
Triplov, assina o
artigo sobre a cabana do santo entre os índios Carajós, sua
participação no VI Colóquio Internacional de Alquimia, que teve
lugar em Guimarães, organizado no local por Francisco Teixeira,
que nos recebe amanhã na Capital Europeia da Cultura.
Guimarães está uma cidade de excelência, por
muito que os vimaranenses critiquem a grade de ferro forjado e a
calçada que substituiram o jardim do Toural, isto e aquilo. Em
Braga também alguns jardins estão a ser substituídos por chão
empedrado. À primeira vista, tudo isso é de lamentar, pois
precisamos mais das árvores que das pedras. Porém de um ponto de
vista estritamente estético, a calçada tem a sua beleza, e no
caso da grade disposta como intervenção estética ao longo da
praça, no Toural, tem encanto e chama a
atenção para um dos elementos ornamentais mais característicos
de Guimarães, o ferro forjado das varandas e das portas, a contrastar com a cal e os caixilhos das janelas de quilhotina.
Maria Teresa Pimentel Seara Cardoso, prima de
Ana Luísa Janeira, melhor guia que alguns profissionais,
levou-nos aos lugares mais relevantes do centro histórico, com
as praças medievais, vielas, palácios, agora museus, e muito
mais. Terminámos a visita na antiga cadeia, a tomar numa
estreita cela um saboroso sorvete. Tem estado muito calor.
Muita coisa em Guimarães faz agora corarem de
inveja cidades bem mais importantes, como é o caso da Rodoviária
e da Plataforma das Artes e da Criatividade, criada esta sobre
projeto de readaptação do antigo mercado. Se grandes iniciativas
como as exposições mundiais ou cidades de cultura não têm no
horizonte melhorar-se, ficar com algo do que foi criado
expressamente para elas, então o desperdício pode ser imenso. A
arte é essencial, mas a sua expressão, em exposições
temporárias, ciclos de cinema ou teatro, é efémera. Em
Guimarães, parece que vai ficar obra construída que constitui,
de resto, infraestrura para a manutenção das iniciativas
culturais permanentes e futuras iniciativas de grande porte,
temporárias.
O Centro Internacional das Artes José de
Guimarães, integrado na Plataforma das Artes e da Criatividade,
constitui precisamente um núcleo edificado para manifestações
temporárias e permanentes. É um edifício magnífico, espaçoso,
desenhado com luz. Coroa de glória de qualquer artista, que vê a
sua cidade natal, e o seu país, reconhecerem de modo tão
evidente a sua obra, o CIAJG exibe neste momento algumas obras
assinadas por José de Guimarães, e ainda o seu espólio, os
objetos de arte que foi colecionando ao longo da vida, em países
vários. Este espólio, muito rico, não só do ponto de vista
estético como etnográfico, ocupa dois dos três pisos do edifício
e constitui o seu acervo patrimonial. É representado por objetos
de registo mágico e sagrado, em especial máscaras e esculturas africanas,
sobretudo de países do Golfo da Guiné. Destacam-se o Gana e atual
Benim, que, através dos escravos, fizeram transportar as suas religiões
animistas para o Brasil e outros países da América Central e do
Sul. Em menor quantidade, também figuram nas exposições objetos
de origem índia e paramentos da Igreja católica. A homologação
simbólica faz-se sentir com alguma força provocatória, nestas
cidades nortenhas tão religiosas, na sala em que figuram ricos
paramentos católicos roxos ao lado de paramentos brancos
africanos constituídos por máscara e saiote de palha. Ao lado,
ocupando toda a parede, entre bandeira da Mocidade Portuguesa e
insígnias relativas a Che Guevara, uma pele de cordeiro manchada
de sangue.
José de Guimarães não está bem representado
como pintor no Centro que tem o seu nome. Na casa dos 70 anos,
ele tem muitas obras dispersas por colecionadores particulares e
museus de todo o mundo. Porém o Centro representa-o de outras
maneiras. Por exemplo, qualquer
investigador que queira trabalhar a sua obra terá
obrigatoriamente de estudar o seu espólio, pois o conjunto de objetos etnográficos e documentação em filme e vídeo dão-nos a
conhecer o perímetro dos seus interesses, influências, partilhas
intelectuais e preocupações. A exposição, vastíssima, dá-nos a
ler a sua mente, em que à pulsão artística se alia a política.
As máscaras e outros objetos etnográficos dão-nos a medida do
símbolo enquanto imperativo de dominação e resistência a poderes
estrangeiros. Aimée Césaire, com o seu ensaio sobre o
colonialismo, junto à mesa de vídeos, é um dos sinais de leitura
mais fortes desta posição cívica do pintor.
Da agenda bem recheada tivemos oportunidade
ainda de assistir a um concerto memorável de Ute Lemper. Na
sequência das tomadas de consciência política de José de
Guimarães, Ute Lemper, uma alemã muito crítica, que a dada
altura teve de sair do seu país para se radicalizar em Nova
Iorque, deu-nos a ouvir canções da Resistência Francesa, bem
como de Jacques Brel e de Edit Piaff. Interpretou as mais
famosas canções de Kurt Weill e da peça "Cabaret", em que já foi
Sally Bowles, tal como Liza Minelli. Umas quinze canções
inesquecíveis, que cobriram uma geografia musical que vai desde
Kurt Weill a George Gershwin e Astor Piazzola. De notar, a par
das qualidades de cantora, as de performer: com a sua voz cheia
de paisagens, ela faz encenações teatrais.
Veremos o que nos reserva amanhã Francisco
Teixeira, outro bom conhecedor de Guimarães, mas disso ficará
certamente memória para outro artigo.
Braga, 29 de Julho de 2012 |