|
|
|
REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 29 | julho | 2012
|
|
|
SUELY ALVES DA SILVA
O poema «O Jagudi»
|
|
Trabalho para a cadeira
Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa. Universidade Nove de
Julho, São Paulo, 2012 |
|
|
|
EDITOR |
TRIPLOV |
|
ISSN 2182-147X |
|
Contacto: revista@triplov.com |
|
Dir. Maria Estela Guedes |
|
Página Principal |
|
Índice de Autores |
|
Série Anterior |
|
SÍTIOS ALIADOS |
|
TriploII - Blog do TriploV |
|
Apenas Livros
Editora |
|
O Bule |
|
Jornal de Poesia |
|
Domador de Sonhos |
|
Agulha - Revista
de Cultura |
|
Arte - Livros Editora |
|
|
|
|
|
INTRODUÇÃO |
|
O tema deste trabalho é o
poema “O Jagudi” que integra o livro intitulado “Chão de Papel” da
autora Maria Estela Guedes,publicado em abril de 2009, que trata de
reminicências de sua infância/adolescência, vivida em Guiné Bissau,
África, nos anos de 1956 a 1966.
O livro é composto de 25
poemas que são inspirados por esse período, vividos intensamente e com
olhar encantado de uma criança, que volta para essa terra mágica, agora
adulta, sábia, madura, experiente no manuseio das letras, para decifrar
o encantamento desse tempo,as estórias, lendas,frutas,flores, pássaros e
principalmente seres humanos reais,de todas as idades, que são
retratados de maneira delicada, real, cuidadosa para que não se perdesse
nenhum detalhe. Todo registro da memória desta poeta portuguesa, cuja
nacionalidade se confunde quando se lê em Chão de Papel, um retrato
realista e impressionante de Guiné Bissau das décadas 50/60, que fica
secundário questionar se em alguns versos tudo não passou de lembranças
acrescidas de fantasias, próprias de quem escreve com amor pela sua
arte. |
|
|
|
Contexto Histórico |
|
Em 1884, Guiné Bissau
passou a ser colônia de Portugal, e a luta pela independência marcou o
País, que viveu sob estado de guerrilha até 10 de setembro de 1974,
quando enfim se torna livre.
Esse movimento de
libertação, com ações violentas que destruíram o país, em ruínas até os
dias atuais, e era imperceptível na época à menina Maria Estela, que se
misturava à população amistosa e pacífica, na inocência perdida anos
mais tarde quando alguns sinais dessa guerrilha passaram a fazer sentido
em sua memória. |
|
|
|
Contexto da obra |
|
As recordações daquele
tempo são resgatados quando se transformam em poemas, marcando
conflitos do eu lírico, retratando momentos de extrema luminosidade,
outras obscuras, violentas, somente percebidas pela mulher madura, cuja
lembrança guardada com tanto zêlo, se transforma em sensações,
conduzindo o leitor a um mundo de opostos, onde o enigma é descobrir em
cada verso a presença da criança ou do individuo adulto, que refletem a
oposição, irracionalidade X racionalidade.
O nome da obra “Chão de
Papel” faz um alusão ao nome de uma etnia da Africa, que hoje
corresponde a apenas 10% das tribos lá existentes. |
|
|
|
Contexto da Autora |
|
Maria Estela Guedes nasceu
em Britiande, Portugal, em 1947. Poeta, dramaturga e ensaísta, membro
da Associação Portuguesa de Escritores e do Intituto São Tomás de Aquino. É diretora da revista eletronica Triplo V.
Alguns de seus livros são “Eco/Pedras Rolantes”, “A Poesia na óptica da
Óptica,”, "Herberto Helder,Poeta Obscuro”, etc..
Transcrição um
trecho de uma entrevista concedida por Maria Estela a Floriano
Martins, da revista “Jornal da Poesia”, e que pode nos ajudar a decifrar
a personalidade tão intensa dessa artista.
.”... Desde o
Liceu que escrevo versos, a poesia coincidia em mim com os grandes
conflitos amorosos. Como se a paixão tivesse uma língua natural, o
poema. Usei por isso os poemas como instrumentos de sedução. ..”
“... Mas
olha, eu não cultivo muito a poesia, ela está em mim demasiado ligada à
depressão. É preciso estar na fossa, de coração partido por algum amor
impossível, para ela aparecer cá por casa, toda pintada, de saltos altos
e vestido berrante, a exigir o meu lugar diante do computador para se
entregar aos seus versos. “ |
|
|
|
Resumo do trabalho |
|
O poema “O Jagudi” é
composto por 14 versos, sem rima, e métrica livre, com a utilização do
recurso do encadeamento, enriquecendo sobremaneira o modo como deve ser
lido. Mas, os recursos estilísticos ficam em segundo plano, já que, o
que enriquece, não só esse poema, mas toda composição do livro, são as
confidências que a autora faz, revelando aos leitores as suas mais
íntimas recordações.
O leitor pode se deixar
levar pela doçura e ternura com que o eu lirico relaciona-se com a
criança, descrevendo o cotidiano, as aventuras da infância, e de como
começou uma vida dedicada a literatura, agradecida que está pela
sagacidade, ingenuidade, alegria vividos naqueles anos, como se a vida
se fizesse de pedaços, este em especial passa a ser objeto de uma
reflexão, que generosamente a autora faz com cenário da Guiné Bissau,
que ganha cores , sons, sabores, e convida o leitor, a essa viagem ao
passado. |
|
|
|
Análise do Poema “O Jagudi |
|
Quem ousaria pensar que ao familiar
Abutre, rondando sempre as casas
O poema se inicia com um
diálogo do Eu lírico, evocando um costume comum da época, que era a
presença de um abutre nas áreas habitadas pela população.
Na expectativa de restos de comida
Aqui a inferioridade da
ave que não era capaz de se alimentar senão das sobras de outros. Verso
forte, pejorativo, mostrando que ela sempre estava à espreita para
atacar o lixo, para sobreviver. Essa caracteristica é propria das
situações em que o opressor tem poder sobre a vida de outros de maneira
forçada. Sempre fica com a pior parte, e com a qual o ditador alimenta
seu ego, de maneira inconsciente e impotente.
As asas largas, o voo poderoso
Aquele hábito de planar nos pontos mais altos
Em
oposição aos versos anteriores, nesses uma definição que dá poder a
ave, descrita fisicamente com “asas largas” , “voo poderoso”, há
claramente uma alusão ao colonizador, vigiando a população com olhar
arrogante, que olha de cima para baixo, com menosprezo.
Do céu, o pescoço depenado
O jeito trôpego de andar
Descrição irônica e real da aparência da ave, que não tem nenhuma
beleza, e tem dificuldade de locomoção.
Quem ousaria pensar
Que à majestosa e antropófila rapinácea
Darias um dia o nome lineano de
Trigonoceps occipitalis?
Uma
das atividades da autora foi de bibliotecária no Museu Nacional de
História Natural da Universidade de Lisboa, que lhe deu competência para
pesquisar os nomes cientificos da fauna e flora da Guiné Bissau em que
viveu, de forma a enriquecer os acontecimentos de sua vida.
Aqui a presença do eu lírico, divagando sobre os rumos que tomou sua
vida, justificando com esses versos, a sua evolução intelectual.
O Jagudi – não era esse o nome do jornal
Do liceu, aquele em que se calhar estão
Publicadas as tuas primeiras letras?
Referência ao início da carreira literária, as emoções misturadas entre
a inocência dos primeiros versos, e uma pergunta/resposta de quem está
feliz com suas escolhas.
O poema induz o leitor a
imaginar, através do título, que se trata de um tema regional, ao
descrever uma ave de rapina típica daquele país, mas a surpresa fica
para o final, quando nos deparamos com a presença do eu lírico,
encerrando esse diálogo consigo mesmo, ao recordar como iniciou sua
carreira literária, e mostrar que essa vivência na Africa serviu de base
para sua formação. |
|
|
|
Conclusão |
|
Perceber qual foi a
intencionalidade da autora com esse poema, que se utiliza
metaforicamente do jagudi cujo (hábito de planar pelos pontos mais
altos, verso 5) pode simbolicamente representar o trabalho do poeta
muitas vezes, olhando a vida de cima ou talvez relacionar essa ave ao
momento político da África, com a presença forte de portugueses,
hesitantes em solo alheio (jeito trôpego de andar - verso 7) mas
com a característica arrogância dos colonizadores, ou simplesmente uma
recordação.
Cabe ao leitor adequar a
leitura às suas convicções.
A construção poética é
feita com o diálogo entre os dois sujeitos, sendo que o papel do “tu” é
fundamental para a ação vivida pelo eu lírico, que assume o papel
principal no desenrolar da produção poética, não por vaidade, mas pela
necessidade de assumir seu papel na história de sua própria vida e como
que prestando contas ao “tu”, que foi quem deu os primeiros passos na
literatura.
Há também uma homenagem à
terra africana, buscando resgatar sua identidade que vinha sendo sugada
por colonizadores, ávidos por destruir a cultura desse gente, e que a
autora ressalta ao usar temática tão peculiar à Guiné Bissau. |
|
|
|
|
|
|
|
Suely Alves da Silva (03/02/1955 São
Paulo, SP, Brasil)
Professora de Língua Portuguesa formada pela Universidade Nove de Julho.
Ministra aulas no Liceu Coração de Jesus da Rede Salesiana, na
modalidade Ensino
para Jovens e Adultos. |
|
|
|
© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
|
|
|
|
|
|