É só
uma questão de começar: o animal começa
o
rosto erguido, o olhar cego de terra
- que
a sua santidade é a mais oculta de todas
inevitavelmente mudando e recompondo
as
alavancas, o absurdo respirar das máquinas
na
treva.
O
animal sobe, pois
com o
ombro reluzindo na madrugada
imenso, minúsculo
mais
pequeno que o tempo impiedoso
cheirando a tojo e canela, a voz
inenarrável dos séculos. Talvez os nossos pais
alcancem ver a trémula
luz da
lampada ao longe, talvez
tudo
seja de repente claro e sóbrio
-
arquitectura, objectos perpétuos, um sinal
de
apaziguante secura, a fresca
lembrança da
larga dependencia onde guardavam
os
frutos e a escuridão. Talvez
para
eles haja choros e piedade, a semente
do
silencio.
E
contudo o animal aspira o leve cheiro
que o
circunda
a
chama impenetrável de muitos anos presos
à sua
recordação
O
animal percorre agora os quartos e as salas
o
perfil doloroso das montanhas
o
animal vai existindo no mundo
é o
torso do mundo
o
animal penetra no elemento novo
fala
com as palavras obscuras que se escondem
numa
gaveta duma cidade destruída.
O
animal tem dentro de si vestígios
de
turva dissipação. O animal
sente
o vento nas barbas, contenta-se
com um
logro, um afago, um charco de sangue.
O
animal arqueja, enquanto
a
música se propaga entre os muros e as estátuas.
Talvez
seja, quem sabe, uma aparencia
verdadeiramente santa e tenebrosa. Por enquanto
a sua
memória cobre-se de cicatrizes
parte
copos, perde-se na contemplação
da
alegria, como se
o
animal existisse. É o calor
o
êxtase de reconhecer, visível e subtil
de si
mesmo. O animal
passa
de um lugar a outro, simplesmente
e
recompõe tenaz e sabiamente
a sua
imagem destroçada.
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