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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
nova série | número 29 | julho | 2012
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JOÃO SILVA DE SOUSA
Aquilino Ribeiro:
D. Afonso Henriques |
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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No momento em que penetramos no
domínio da Nova História, é obrigação de cada historiador dar atenção,
em primeiro lugar, ao aviso feito pelos seus criadores revolucionários
da Ciência em causa, Há, pois, que estar atento à ambivalência do termo.
Na realidade, estivemos
suficientemente afastados da acepção unívoca desta noção. E as regras,
hoje em dia, já são de tal modo mecânicas, que, ao escrevermos a
História, nem sequer nos detemos a pensar nela. Para todos nós, há que
abandonar a Crónica, a exaltação, a fuga à realidade das conjunturas e à
exegese ou interpretações mais aceitáveis e deitarmos mãos à
História-Ciência, mesmo que deixemos para trás as correntes marxistas
que, de momento, não fazem falta alguma. Ponhamos de parte as lendas e
as tradições e oiçamos os documentos que, não apócrifos, falam por si.
Por outro lado, como qualquer
outra ciência, a História escreve-se de forma corrente, perceptível, mas
não enjeita as suas palavras próprias, uma terminologia cujo uso depende
da época sobre que trabalhamos. Poucos são os que a conhecem. Por isso
há Dicionários Filológicos, Dicionários da História e Histórias Gerais
que fazem constante uso delas mas explicam o seu significado. Somos,
inclusivamente, alertados, para o facto de utilizarmos, frequentes
vezes, um certo número de termos que ainda hoje estão em uso, mas que o
vulgo desconhece. Sucede assim com qualquer outra Ciência: o Direito, a
Medicina, a Biologia, a Filosofia, a Arte, a Arqueologia, entre todas as
que possamos estar a pensar ou não.
Há autores menos esclarecidos
das várias fases e situações por que passou a vida humana e que afirmam
despudoradamente que há que evitar empregar nomes e verbos sem precisar,
previamente, o que se entende por eles (1).
Pelo que já acima, nestas
poucas linhas, afirmámos, não concordamos com o leitor, pois existem
manuais que esclarecem o significado daqueles. No entanto, não será
assim tão simples de aceitar, se estivermos a fazer uma alocução ante
uma plateia de interessados, os quais têm, de imediato, de
entender o que estamos a comunicar e/ ou a enunciar. Mas, como a escrita
foi sempre muito mais cuidada do que a oralidade, nela temos a obrigação
de fazer uso de terminologia apropriada e cuidada e, inclusivamente, de
nos colocarmos na época e no papel ou acção daqueles que intervêm, sejam
o rei, os áulicos da corte, os legistas e administrativos, a clerezia, o
povo de mercadores, artesãos e lavradores. Nenhum historiador que esteja
a fazer a história de Portugal do século XI, escreverá palavras como
indústria que nunca houve, nem “Estado” ou “Nação”, ou “Soberania”… que
são termos com conceitos próprios, saídos da Revolução Francesa (finais
do século XVIII).
Por outro lado, existem textos
muito anteriores a nós, que, basta consultar, para ver até que ponto
estes avisos são pertinentes (2).
Efectivamente, as acepções
teóricas que, infelizmente, superam a prática, são diversas e, mais
ainda, contraditórias, por isso mesmo, que, numa dada época, as palavras
serviam de toque de chamada de atenção, num sentido deveras positivo
para uns, e negativo para outros. Prescindir de conceitos e termos de
época em História é, sem dúvida, defraudá-la totalmente. Vejamos como,
em Medicina, há uma tendência absoluta de criar novos termos que surgem
no dia-a-dia, apagando outros que, na maior parte das vezes, só servem à
História da Medicina pois caíram em desuso. Na História, o mesmo pode
ser verdade também. Mas, como relato correcto do passado humano, terão
sempre de existir como léxico prtóprio, de fazer-se uso delas,
acompanhando a evolução dos tempos, não tendo havido necessidade de
fazer surgir tão numerosos novos termos como para a primeira.
Todavia, por menor número que
eles sejam, nem numa fase nem noutra, na História, seria impossível
renunciar à sua terminologia. Eles tomaram, com tal firmeza, os seus
direitos que os não podemos eliminar, sem que arrisquemos a ter de
recorrer a uma linguagem estranha para a época. É, além de tudo o mais,
cómodo; e são designativos de casos concretos e pontuais, perfeitamente
ajustáveis a cada tempo, pois eram neles que os mesmos se usavam com a
devida propriedade nos documentos. E quantos não foram e são por nós
trabalhados até hoje?! … O mesmo sucede com o cuidado a ter, para
sairmos da fantasia e do impossível que registamos nas Crónicas e saber
passar para a realidade, não de hoje, mas dos tempos em que os factos se
inserem.
Assim, autores há, nos nossos
dias – ou precedendo-nos um pouco – , que, não pretendendo fazer
História, utilizam o método da narrativa e vão buscar fontes por vezes
inadequadas, não aceites pela Ciência, mas perdoadas pela fantasia,
advinda de lendas e tradições demasiadamente abrangentes. No entanto, é
impossível, ao nível mais geral, deixarmos de considerar que toda a obra
literária tem dois aspectos: ela é, simultaneamente, uma história e um
discurso. É história, no sentido em que evoca uma realidade,
acontecimentos, factos, se serve duma época e tende a caracterizá-la, se
preocupa com o valor intrínseco do homem, sobrevalorizando-o em relação
aos demais… Por isso, pode resultar de relatos acerca de personagens
que, deste ponto de vista, se confundem com as da vida real, feitos
imaginários, sem sustentação, mas que decorrem de uma certa verdade
básica, só que impossível, mesmo assim, de aceitar. O narrador relata-a,
o leitor incauto aceita-a o outro, esclarecido, não. Em a narrativa pura
e simples, pode existir a lógica. Por vezes, nem isso. A narrativa é
convincente, algumas vezes não o é. É um romance, assim a poderemos
aceitar melhor, contrapondo-a à História e à lógica factual e temporal
dela. Deste modo, estamos a pensar no conto popular e no mito.
Recordemos Alexandre Herculano que soube separar as águas: a História
de Portugal e os Opúsculos, por um lado e as Lendas e
Narrativas, por outro. Mas a narrativa literária é, assim mesmo,
mais saudável do que possa pensar-se habitualmente. Contudo, perante a
História, a mera narrativa, o romance tal como o entendemos, pode
segui-la, sem se preocupar com a sua verdade, com a lógica dos factos e
com o modo como uns prepararam os vindouros. Mesmo que, em a narrativa,
a sucessão das acções nos possa parecer que não é tão arbitrária,
obedecendo, pois, a uma certa lógica, o surgimento de um projecto pode
provocar a aparição de obstáculos que mais não são que deleites para o
vulgo, a que os eruditos que conhecem o valor da realidade, ou pensam
conhecê-lo, oferecem uma consequente resistência ou mesmo uma fuga ao
que lêem e uma entrada estativa de revolta, na Ciência com que estão
habituados a conviver de perto. Para estes últimos, não há ecletismo
nunca. Podem ler um romance histórico e deliciar-se com o texto, como
modo de escrita, com as várias personagem entrelaçadas no enredo, mas
apontando sempre para a unidade ou convergência, nem que seja apenas no
seu espírito, os erros que detectaram como investigadores, historiadores
e leitores dos trabalhos de seus mestres, verificam que nada se passou
exactamente como o narrador escreveu, por muito bem que tenha construído
as frases e apresente certa lógica que só por acaso poderá, por vezes,
configurar-se com a História, tal como os documentos que ele ou outros
interpretaram. Havendo documentos que o neguem e falta de racionalidade,
o romance parece perdido e o autor rejeitado. Não mais será lida nenhuma
das suas obras. |
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2. O discurso, porém, não pode dissociar-se da primeira. Mas, como nos
apercebemos, é-lhe lícito conter formas variadas de comunicar. E façamos jus a Aquilino Ribeiro
que pretende contar a “história” de D. Afonso Henriques, desmontando,
todavia, a razoabilidade das conclusões documentais que constroem uma
História séria. Vejamos, pois, que créditos poderíamos dar ao autor, ou
se é preferível entendê-lo na sua narrativa, através do absurdo, mesmo
do erro primário. Tiremos a roupagem do historiador e usemos a do
constante incrédulo que se delicia com a anedota, a graça, as
“histórias” factíveis, na base do irreal, mas não deixando de apontar os
factos mais característicos e alguns de maior impressionismo na vida do
nosso primeiro Rei.
Vasco Graça Moura que fez à
nova Edição um Prefácio que intitulou “Dois Modos de Ver a História de
Portugal”, devia, se me é permitido opinar, retirar os “Dois” e ficar-se
pelo substantivo mais amplo, “Modos”. Tão-só, já que apenas, no D.
Afonso Henriques, Aquilino faz uso de uma mão cheia deles. Mas
compreendemos o apresentador dos textos, entre eles este a que nos temos
vindo a referir, pois, por certo, era isso mesmo o que pretendia
transmitir-nos. |
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(Documento
de doação da Igreja de S. Bartolomeu de Campelo por D. Afonso Henriques
em 1129. Este é o documento em que
aparece, pela primeira vez, a palavra-sinal "Portugal". Reproduzida a
partir de A Monarquia Portuguesa, Lisboa, Selecções do Reader’s
Digest, 1999, p. 39). |
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“A
História é proveitosa para adquirir prudência, poderosa para despertar
virtudes, saudável para sanear as feridas da República”.
“D. Jerónimo Osório
(1506-1580) ” |
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À clara certidão
da verdade que Fernão Lopes refere como orientação da escrita dos
últimos anos do século XIV e dos primeiros do seguinte, o humanista João
de Barros, na Década III,
deixa bem clara a sua própria concepção de História, de que realçamos os
três seguintes objectivos, já enunciados num outro nosso trabalho
anterior:
1.º A História, como tal, deve
falar verdade, mas sem que infame as pessoas;
2.º Tem de ser uma verdadeira
lição de Moral;
e, em 3.º lugar, a História
deve ser contada com uma correcta ordenação e um bom estilo.
Assim, a História deve
seleccionar a verdade.
No Prólogo da referida
Década, Barros diz que “a primeira e mais principal parte da
historia é a verdade dela; e, porem, em algumas cousas, não há-de ser
tanta, que se diga por ela o dito da muita justiça que fica em
crueldade, principalmente nas cousas que tratam da infamia d’algum,
ainda que verdade sejam”.
João de Barros vai, então,
narrar sobretudo verdades edificantes e ocultar as que possam redundar
em desfavor dos Portugueses, embora condene os exageros, bem como a
lisonja, sonegando também defeitos físicos, como o pintor o fez a
Filipe, pai de Alexandre Magno.
A História deve ser ordenada e
retórica. Ordenada, racionalmente, nos assuntos que expõe e tem ainda de
ater-se à justa proporção, na sua exposição escrita. Escolherá, como
tenciona fazer, apenas “palavras lavradas e polidas dos mais ilustres
feitos”, não dando qualquer importância a coisas miúdas, a fim de “nom
fazer mui entulho”.
E, de tudo, só falará o
essencial, pondo de parte o anedótico e o que for particular e
demasiadamente circunstanciado.
Todavia, acerca do modo de
redigir, conclui:
“Tem tanto poder a força da eloquência, que mais doce
e aceite he na orelha e no animo uma
fabula composta com
ho decoro, que lhe convem, que, ua uerdade, sem ordem, e
sem ornato, que he uma forma natural
della”
3. Não é exactamente assim com
Aquilino Ribeiro. Mas os erros históricos e a efabulação estão no seu
“Afonso Henriques, O Fundador” dos Príncipes de Portugal pois
escreve a sua história como um romance sem a preocupação de Fernão
Lopes, de mistura com um léxico que é e foi sempre o seu, num estilo
único, como todos o sabemos(3)
Aquilino mostra desconhecer o
ano do nascimento de Afonso Henriques e da morte de seu Pai, pois segue
a informação de Duarte Galvão que viveu quatrocentos anos depois de ter
escrito a Crónica de D. Afonso Henriques (4)
Numa efabulação romanciada,
dota o Infante com uma inteligência única capaz de aos três anos de
idade poder reter na memória e compreender as palavras do Pai moribundo
e entender os ajustes técnicos da governação de um País que lhe há-de um
dia cair nas mãos. Futurologia também a faz o Cônsul D. Henrique, no seu
leito de morte, dado que para ele tudo cessa, recomeçando, como ele
quer, com os uso dos mesmos princípios e objectivos pelo seu sucessor e
filho primogénito, entre os vivos.
Aquilino diz, então, que o Conde D.
Henrique, sentindo a chegada da morte, se dirigiu ao filho, nestas
palavras, “de muito cavaleiro entendido e esforçado”:
“Filho
esta hora derradeira que me Deos ordena para te haver de leixar com a
vida deste mundo me faz, que te veja e fale com dobrado amor […] o
Senhor Deus neste mundo ordenou […] que os máos sejam constrangidos, e
os bons vivam entre elles em paz, assocego, porque conservação é dos
bons, e pungimento dos máos, pelo qual filho more sempre em teu coração
vontade de fazer justiça […] e dá igualmente seu direito que é o maior
louvor, e merecimento que os Príncipes em seu regimento podem alcançar
[…] em prémio, e em pena [… e nem] leixes de fazer justiça […].
Trabalhe-se muito de saber se os que tem carrego fazem justiça e direito
compridamente [… ]”: era a velha sentença goda “rex eris si recte
faceris”: rei que não faz justiça, não pode reinar (5). A realização
da Justiça era uma obrigação fundamental de qualquer caudilho, de tal
maneira que, se este a não cumprisse, era indigno da sua função. O rei
era, pois, o supremo juiz. A outra obrigação está também patente nos
conselhos do Conde a seu filho: o desenvolvimento e a integridade
territorial.
Digamos
que nem um génio entenderia de tudo isto fosse o que fosse.
Oiçamos,
como prossegue:
“O que
tiveres, e de toda esta terra que te leixo Destorgua até Lião não percas
della um palmo que eu a ganhei com grande fadiga e trabalho. Toma filho
do meu coração um pouco; porque sejas esforçado, e sem medo: aos
fidalgos sê companheiro e dá-lhes dos teus dinheiros, e aos Conselhos
faze gazalhado, e trata bem, […] e mandarás que te façam logo menagem da
Villa [de Astorga] e dês que me levarem a enterrar logo se torna, e não
a percas, e daqui conquistarás toda a outra terra adiante, ou manda-me
com alguns meus vassallos e teus que vão enterrar a Santa Maria de
Braga, que eu povoei”.
Este
segundo princípio teria de ser o inevitável desenvolvimento e a
integridade do território, que, mais tarde, Lúcio II (1144) e Alexandre
III (1179) continuarão a referir, na letra e na bula, como consequência
da luta contra os Sarracenos infiéis. É impensável que D. Afonso
Henriques, aos 35 anos e depois aos 70, se lembrasse do quer que fosse.
Nem D. João Peculiar lhe poderia contar as últimas palavras do Pai,
pois, em 1109, nem constava ainda dos relatos e tramas da História do
nosso futuro Reino.
Vejamos,
então, a ausência total de entendimento das palavras do pai, para uma
criança, – e por esta – que lhe iria suceder em Portugal e Coimbra, e
que tinha menos de três anos de idade. É totalmente fora de propósito e
de razão uma passagem deste modo, à hora da morte, excepto se fosse para
ser ouvida, entendida e obedecida pelos seus pares e, posteriormente,
estes delas falassem ao Príncipe, fazendo-as recordar e ensinar como
deveria proceder o herdeiro, em idade própria. E que forças teria o
Cônsul para falar daquele modo, nos últimos instantes de vida?
Aquilino Ribeiro inicia o seu
texto, revelando-nos as útimas palavras do cônsul portucalense, no Paço
de Astorga, nestes termos:
“ - … Desta terra que te deixo,
não percas um palmo, Ganhei-a à custa à custa de muito esforço e
trabalho. Convoca os Conselhos que te prestem menagem, e leva-me depois
a enterrar a Santa Maria de Braga, que eu povoei. Mas torna depressa,
que esta vila [a de Astorga] deves guardar a todo o preço, pois daqui
podes romper adiante à conquista da terra. Se te parecer mais seguro,
manda-me com alguns vassalos meus e teus. E eu te abençoo, filho do
coração, para que sejas sempre ao serviço de Deus com muita e prosperada
honra” (6).
Aquilino omite o dever de
Justiça – cremos que mais confuso e difícil de explicar-, mas contempla
a segunda parte dos pedidos do Conde ao Infante, como vimos.
Tendo Afonso Henriques nascido
por inícios de Agosto de 1109 e falecido seu pai a 24 de Abril de 1112,
tinha seu filho, dois anos e 9 meses, seria absolutamente impossível que
o Infante tivesse ouvido tais conselhos e entendesse o quer que fosse.
Já seria de aceitar se, acaso, D. Henrique, falando ao filho, no seu
leito de morte, transmitisse os seus votos ao Aio, D. Egas Moniz de
Ribadouro que era o seu tutor, por desiderato próprio e concessão de
Teresa e Henrique, frente aos principais conselheiros e outros
funcionários menores da corte, a fim de saberem que, por um lado, seu
filho lhe devia suceder no mando e que era seu desejo indiscutível que
tudo se processasse daquela maneira. Formalmente, a quem devia ditar
aquelas palavras? Se fosse possível dizê-las, só a quantos o servissem
de então em diante para que tomassem as devidas medidas a fim de
concretizar os seus desejos. Se assim foi, lamentamos que não as fizesse
ouvir à mulher, D. Teresa, para que não fosse necessário, em 1128, o
filho “a ter acorrentado e expulsado do Reino, como a uma criminosa”.
A forma romanceada é deveras
muito bela, digna de um romance de cordel, mas nem aproveita sequer aos
nossos governantes de hoje. No século XVI, fora por de menos aceite pelo
Historiador, não fosse Duarte Galvão ter feito o mesmo, proferindo
palavras de sentido idêntico, como se viu, quatrocentos anos depois da
morte do Cônsul e quatrocentos anos antes de Aquilino.
Que têm estas palavras de
historicamente correcto e outras de aceitável? Que o Cônsul ou dux
Henrique da Borgonha morrera. Morremos todos. Que seu filho já era
nascido. Que o primeiro falecera na “cidade” de Astorga. Que D. Afonso
Henriques estivesse presente na derradeira hora de seu pai, Egas Moniz e
outros áulicos da corte que se encarregariam de auxiliar o Infante no
seu governo.
De errado e, por isso,
totalmente posto de parte e para esquecer, constatamos que era
impossível o herdeiro, que não teria ainda três anos feitos, percebesse
alguma coisa que lhe transmitia seu pai: “No seu leito de agonizante,
voz sumida e entrecortada, olhos gázeos de quem está a passar as
alpodras para as paragens de que nunca mais se volta, o conde D.
Henrique ditava ao filho as últimas vontades” (7).
Pedindo conselho sobre se havia
de acompanhar a Braga os restos mortais do pai ou não, foi avisado de
que deveria ir e que mal algum aconteceria na sua terra. Regressando tão
célere quanto possível deu conta de que seu primo Afonso VII havia
tomado conta de Astorga. Tudo isto aos três anos.
A partir de agora, teremos de
começar a aceitar o romance tal como ele é e esquecer os dados
históricos, propositadamente, sujeitos a serem desmontadas as notícias
informadas por Aquilino.
Afonso Henriques teria os seus
12 a 14 anos, pressupomos que seria a idade que lhe dava Aquilino, para
mais e não para menos, quando regressou a Astorga, em território Leonês,
em 1112 ou 1114, datas entre as quais os autores situavam a morte do
Conde, seu pai. Sua mãe tê-lo-ia dado à luz, quando muito, porque
nascera em 1180, com 20 anos ou menos, não batendo certo nenhuma das
datas, excepto a do nascimento da “rainha”.
Também não acerta com o ano em
que Afonso VII retirava o senhorio de Astorga a D. Afonso Henriques,
dado que só veio a ser rei de Leão em 1126 e o Conde D. Henrique teria
falecido em 1112. Neste último ano, o sucessor de Urraca, irmã de D.
Teresa, só detinha ainda o governo da Galiza. Juntou a esta os reinos de
Leão (1126) e de Castela (1127) e fez tratar-se de Imperator
totius Ispania em 1135.
A pobreza de Afonso de Portugal
era tanta, nada condicente com as últimas palavras de seu pai, que nem
choupana achou onde se pudesse acolher – di-lo Aquilino. Cristo, pelo
menos teve uma, onde pôde ver a luz do dia, pela primeira vez. E nem os
milagres em Cárquere e depois em Ourique, deixariam de o penalizar anos
antes.
Entretanto, as mulheres são
muito mal tratadas. D. Urraca dava muito maus exemplos às consortes dos
seus fidalgos, pois tecera uma teia em que homem que nela caísse era
experimentado no seu consolo de alcova, para descrédito do próprio; e D.
Teresa casara duas vezes, ainda o corpo do marido não havia arrefecido.
O facto é que, casasse ou não com algum, embora não possamos nem devamos
apostar que a nossa Infanta não tivesse saboreado os prazeres da carne
sempre que quisera. Mas Bermudo e seu irmão Fernão Peres de Trava, 2.º e
3.º maridos – será que o foram? Bermudo casara-se com uma filha de
Teresa e Henrique, de nome Sancha. E Fernão era casado, quando chegou ao
condado, com uma senhora galega que veio a morrer muito anos depois de
D. Teresa.
Seriam ambos filhos do grande
fidalgo galego, Pedro Froilaz de Trava, que, com o bispo Diego Gelmírez,
foram colaboradores importantes da política Galega, ao cuidado de
Afonso, filho de Urraca e Raimundo. Mas, o facto é que de Bermudo Peres
de Trava, dito filho daquele importante senhor da Galiza, nem consta dos
Anais, nem, naturalmente, do seu casamento com Sancha Henriques que se
matrimoniou com D. Sancho Nunes de Celanova e, no seu segundo
matrimónio, com D. Fernando Mendes, senhor de Bragança. A história neste
ponto, como em muitos outros, terá ainda de ser acertada.
Aquilino remata esta confusão,
questionando-se que “as origens são por vezes turvas como os rios que
brotam dos pântanos. E a Roma Augusta não nasceu de uma caverna de
ladrões?”. |
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Aquilino Ribeiro, um
republicano dos cinco costados, sem propriamente ofender a pessoa e o
significado de D. Afonso Henriques para o País que muito honra, para a
região beirã que viu nascer ambos – autor e majestade -, para as suas
gentes, quais blocos de granito, que nem dobram não quebram…, brinca
jocosamente com quatro personagens representativas da época, da
Península e da Europa, como se, sem todos no seu conjunto ligadas por
laços desafectos, não pudessem na sua história passar umas sem outras.
Vejamos:
1.º grupo: D. Teresa, D. Henrique e os
Travas (não coloca muitos destes em cena, mas um a mais em quem não é
hábito repararmos).
2.º Grupo: Uma Galiza austera, com o seu
rei Afonso, futuro Afonso VII, dito já de Leão e Castela, um tanto
extemporâneo, o qual veio a ser, no entanto, tudo isso, um pouco mais
tarde, com os seus acólitos à espreita de abusivas investidas dos
Portucalenses.
3.ª Urraca, Raimundo e umas boas dezenas
de favoritos, uns usados ainda em vida do marido. A autoridade da rainha
e as guerras para onde partia o conde, deixavam-na muito esgotada no
comando da terra que tinha herdado do pai e havia de legar ao filho e
muito triste, antecipando as personagens vicentinas e as de hoje, por
motivos mais difíceis de justificar.
4.º Os Muçulmanos, em geral, que queriam
o que lhes não pertencia, quais ladrões assaltantes dos bens dos outros.
Como podemos verificar,
Aquilino é de uma actualidade espantosa e, conhecedor da História
Medieval de Portugal, nos seus primeiros séculos de existência, tudo
combinado com a experiência que colhera da actualidade lusitana,
espanhola, francesa, brasileira e germânica, com o seu camartelo em
acção, retrata, desapaixonadamente, como o fez tantas vezes aos
titulares dos governos, mesmo entre estes, aos mais primitivos. São
quadros deliciosos. Ver D. Afonso Henriques perder Astorga e procurar
uma palhota onde pudesse reunir os seus iguais, faz lembrar Cristo antes
de ser crucificado – porque assim lhe há-de aparecer para lhe dar a
vitória em Ourique –, que nasceu, sem que perdesse os seus pergaminhos,
numa manjedoura, filho de uma Virgem e de um carpinteiro que aceitara a
situação sem demandas.
2. Foi aquela a dura lição aos seus
crédulos e inexperientes anos – conclui Aquilino.
Mas, rápido iria experimentar
outras. Se fossemos capazes de crer que um filho se revoltasse contra a
própria mãe (o amante desta estava, de facto a mais) e a pusesse a
ferros para lhe tomar ao terra e o poder, tudo estaria explicado. E com
a ajuda dos Santos, antes e depois, o resto ficou entregue à força do
Povo de que nem se fala.
Após um rápido diálogo com
Fernão Peres de Trava, recusando-se a sair de Portugal, a sua terra que
lha deixara o pai (bem o tinha ouvido, ainda pouco mais que
recém-nascido a aconselhá-lo e dar-lhe o que tinha e o que ainda não era
dele), decide, após uma zanga com a mãe, pelejar contra a hoste desta,
nos arrabaldes de Guimarães, com a ajuda de Egas Moniz que estava sempre
no sítio certo, qual Camões pensou que seria ainda tempo de fazer virar
a roda da Fortuna invocada, sobremaneira, mais tarde, por Mozart,
atacando o conde que fugiu de Portugal e agrilhoando a mãe que lhe
atirou com juras e imprecações, que viriam a saldar-se numa acção
parecida, em 1169, quando teve de prestar contas ao genro do ataque a
Badajoz e onde partiu uma perna que, quanto a nós, realmente, só lhe
facilitou a conquista do título de Rei que usava sem direito próprio,
desde… não se sabem bem quando. Será que a perna partida e a
consequência diminuição física, fora o verdadeiro veículo para atingir a
tão ansiada independência? |
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Notas |
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JOÃO SILVA DE SOUSA
Prof. do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Membro Correspondente da
Academia Portuguesa da História, Membro da Sociedade de Genealogia |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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