REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


nova série | número 29 | julho | 2012

 
 

 

 

CHARLES BUKOWSKI 

Sentar-se e aguentar

Versões para português por

Francisco José Craveiro de Carvalho

 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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  o meu destino
 

como a raposa

fujo com os perseguidos

e se não sou

o homem mais feliz

à superfície da terra

seguramente que sou

o homem com mais sorte

vivo.

   
  sim, claro
 

há coisas piores do que

estar só

mas em geral leva décadas

a perceber-se

e frequentemente

quando  se percebe

é tarde de mais

e nada há pior

do que

demasiado tarde.

   
  sonhando
 

vivo sozinho numa pequena divisão

e leio os jornais

e durmo só na escuridão

sonhando com multidões. 

   
  arte
 

enquanto o

espírito

decai

a

forma

surge.

   
  milionários
 

vocês

sem faces

sem faces

nenhumas

rindo-se de nada -

deixem-me que vos diga

que bebi em quartos esquálidos

com bêbados imbecis

cujas causas eram melhores

em cujos olhos havia ainda alguma luz

e quando  a manhã vinha

 estávamos enjoados mas não doentes,

 pobres mas não enganados,

e estendíamo-nos nas camas e levantávamo-nos

à tardinha

como milionários.

   
  bar Alemão
 

eu sofrera uma derrota enorme na última corrida,

o meu casaco tinha sido roubado

começava a sentir  sinais de gripe

e os meus pneus estavam

em baixo. Entrei num bar alemão

para beber uma cerveja

mas a empregada  estava a ter um fanico

com o coração sufocado por decepção

desgosto e perda.

as mulheres, sabem,  ficam aflitas

de repente.  deixei uma gorgeta

e saí.

 

ninguém ganha.

perguntem a César.

   
  poesia
 

é

preciso

grande

 

desespero

 

descontentamento

 

e

desilusão

 

para

escrever

 

uns

poucos

bons

poemas.

 

não é

para

todos

 

ou

 

escrevê-

-la

 

ou mesmo

 

lê-

-la.

   
  sentar-se e aguentar
 

bem, primeiro morreu Mae West,

e depois George Raft,

e Eddie G. Robinson

partiu

há muito tempo,

e Bogart e Gable

e Grable, e Laurel e

Hardy

e os Marx Brothers

todas aquelas tardes

de Sábado

no cinema

miúdo

acabaram

e olho

em volta deste   quarto

e devolve-me o olhar

e depois para fora pela

janela.

o tempo está suspenso desamparado

do puxador da porta

enquanto um pisa-papéis

de ouro

em forma de coruja

olha para mim

(um velho já)

que tem de aguentar sentado

estas muitas tardes

de Sábado

vazias.

   
  sapatos
 

quando se é novo

um par de sapatos de salto alto

de mulher

colocados

sozinhos

no armário

pode deixar os ossos

em fogo;

quando se é velho

é apenas

um par de sapatos

sem

ninguém a usá-los

e

ainda

bem.

 

 

 

 

 

Charles Bukowski
Poeta, romancista e contista americano, viveu de 16 de Agosto de 1920 a 9 de Março de 1994. Os seus temas incluem a vida dos americanos pobres, a escrita, o álcool, as relações com mulheres e o trabalho que reduz o trabalhador à condição de escravo.Literariamente é considerado como fazendo parte das correntes Dirty Realism e Trangressive Fiction. Os poemas agora traduzidos fazem parte do seu livro
The pleasures of the damned, Poems, 1951-1993.

 

 

Francisco José Craveiro de Carvalho  (Portugal)
Licenciou-se em Matemática na Universidade de Coimbra. Doutorou-se, mais tarde, com uma tese em Topologia e  Geometria, sob a supervisão de  Stewart Alexander Robertson, Southampton University, U. K.. Assume uma posição de alguma marginalidade em relação à divulgação daquilo que escreve. Traduziu poemas de Carl Sandburg, Jane Hirshfield, Jennifer Clement, Linda Pastan, Rita Dove..., publicados em opúsculos discretos, que circularam entre  os seus amigos.

 

 

© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL