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De cinco em cinco anos peregrinam, de todas as partes
do mundo, milhares de artistas e admiradores da arte contemporânea até
Kassel, Alemanha. A documenta foi criada em 1955, em Kassel pelo artista
Arnold Bode que pretendia, com a iniciativa, abstrair das ruinas da
guerra e seguir novos horizontes ao serviço da abstracção. Na primeira
exposição houve sobretudo obras de arte que tinham sido proibidas e
perseguidas durante o regime nazi e intituladas de arte degenerada (“Entartete
Kunst”).
A documenta alonga-se por 100 dias. Nesta altura a
cidade transforma-se num mar de gentes de portes exóticos: um aspecto
folclorístico que faz lembrar os mercados da idade média em torno das
catedrais e, assim, forma, já por si, também uma obra de arte social.
Kassel transfigura-se numa praça de arte que se estende por edifícios,
parques e outros espaços públicos da cidade. A documenta apresenta uma
perspectiva transversal da arte contemporânea e permite fazer o ponto da
situação mundial em questões de arte e ocasionar uma certa orientação de
perspectiva. Na sua história de 57 anos com 13 exposições, documenta as
contradições e ambivalências do Homem e do tempo num currículo de
realização e fracasso em processo de morte e ressurgimento.
A dOCUMENTA (expressão gráfica da documenta 13) vive
da ambivalência e do escândalo na procura dum futuro prospectivo a
partir dum presente impregnado de contradições e inconsistências que se
expressam de documenta para documenta, numa manifestação de diferentes
atitudes artísticas a que assistem diferentes filosofias, teorias,
correntes políticas e sociais contemporâneas.
A documenta13 realiza-se de 9 de Junho a 16 de
Setembro de 2012. A última documenta/2007 conseguiu vender 754.301
bilhetes. O objectivo da actual é atingir um milhão de visitantes. Ela é
ao mesmo tempo o maior festival Open-Air. Kassel oferece possibilidades
ilimitadas: o visitante tem a oportunidade de se alegrar e irritar sobre
a arte.
A documenta (13), foi elaborada sob o lema “Colapso e
Reconstrução” e tem como chefe/gerente a americana Carolyn
Christov-Bakargiev apelidada por jornalistas de “Lady Gaga”. Ela
situa-se nas pegadas e tradição das 12 documentas anteriores
prosseguindo um espírito de continuidade de arte afirmativa e
provocativa. Procura apresentar o válido como inválido e vice-versa,
documentando assim as contradições da actualidade.
A direcção da documenta escolhe para chefe de cada
exposição, um curador/chefe da documenta equipado de poderes absolutos;
este pode pôr e dispor à sua vontade de maneira dogmática a própria
filosofia. Na documenta, aqui em Kassel, a arte arroga-se alvores
absolutistas. Carolyn Christov-Bakargiev encena-se como se fosse a
sacerdotisa da arte, não lhe faltando a estola, o gesto religioso e o
dogmatismo ostentado. O sensacionalismo em torno dela talvez venha do
facto Carolyn Christov-Bakargiev querer, com idiotices mudar o nosso
pensamento, através da documenta. Desta vez participam 297 artistas e
grupos de artistas de todo o mundo. |
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Em torno
da DOCUMENTA 13 tem havido muita discussão na imprensa; a chefe tem-se
revelado como bastante jacobina, não suportado mesmo nada que contradiga
a sua ideologia/visão de arte. Para Josef Beuys artista “ é toda a
pessoa”; para a chefe da documenta, artista é toda a natureza, ponto.
Carolyn Christov-Bakargiev exige o direito de voto também para os
morangos e para os cães; também há três cães da documenta treinados
e colocados à disposição de visitantes que se deixarão conduzir pelos
caninos; o sentido desta iniciativa é levar o visitante a ver a
atitude do cão perante a obra de arte; intenção é inverter os valores
colocando o Homem ao nível do cão e do morango. As suas posições
radicais têm sido muito criticadas, muito embora a sua posição
extremista possa ajudar uma sociedade surda-muda a notar que a natureza
é sua companheira. A exposição paralela à documenta organizada na
igreja católica St Elisabeth, onde o artista Stephan Balkenhol apresenta
(na torre) uma instalação com um homem de braços abertos sobre um globo
dourado, provocou os furores da chefe da documenta que não queria ver o
Homem numa posição superior ao dos animais e das plantas. Sentiu-se
“ofendida” por aquela instalação que questiona a sua intenção niilista
não suportando o optimismo do Homem como senhor e corresponsável da
natureza. Isto não passa dum ultraje invertido pois encontra na torre da
igreja algo irritante para quem quer um mundo plano com tudo sem
moldura, tudo abstrato, que desvie as atenções do humano.
A
documenta quer ser um espelho da arte contemporânea mas negligencia
grande parte da arte e em especial a pintura, o realismo, fotorrealismo,
o realismo fantástico e o surrealismo. Por isso já houve movimentos anti
documenta que foram imediatamente oprimidos. As pessoas não ousam
opor-se ao espírito da documenta sejam cientistas da arte seja o povo. O
doentio, o dilacerado tem sido tematizado em instalações e esculturas.
Contrapõe-se o desastroso, o ameaçador em rituais negadores de ritos
optimistas da religião e da sociedade. Um certo espírito da documenta
quer afirmar-se como religião secular contra o religioso cristão e
passar à margem das pessoas. Parece não reconhecer o facto de vivermos
todos num mesmo mundo plurifacetado feito de muitos universos
complementares.
Numa
perspectiva cristã da arte o ser humano está chamado a mais do que a
gritar. O Homem é o caminho de Deus e deve reconhecer-se como
companheiro adulto da natureza mas sem abdicar de ser sua consciência. A
religião e a arte devem ser os sismógrafos dos problemas. A arte também
tem de se entender como resposta ao mundo na responsabilidade; por isso,
também ela deve questionar os próprios conceitos. Por vezes tem-se a
impressão, em certos meios ideológicos e de certa arte que a imagem de
Homem constitui, já por ela, uma provocação. Esquecem que o olhar cego e
vago da realidade é um olhar de governantes ou de quem se não quer
envolver ou deixar tudo às forças duma natura sem cultura.
A arte
abre novas visões mas precisa da condição humana para tornar não só a
miséria humana visível mas também a parte nobre como a religião pretende
afirmar. Também Dostoievski dizia “o belo libertará o mundo”.
Quando se desiste da religião, o mundo torna-se em ameaça, como
pretendem certas tendências ideológicas. Torna-se importante libertar a
religião e a arte do medo e das ideologias.
A arte
também é importante como catarsis, como crítica, sem ter necessidade de
exilar a esperança. Não se podem tornar cúmplices com os senhores que
roubam o mundo roubando a senhoria ao Homem tornando-o seu arrendatário
e reduzindo-o a indivíduo anónimo numa imagem sem nós, como se uma
árvore não estivesse incardinada num biótopo. Eu sou rei e escravo
soberano, permaneço mistério e tanto a arte como a religião, como a
ciência, a política, não conhecem um porquê da realidade. A arte e a
religião protegem o mistério, aquilo que dá grandeza e perspectiva ao
Homem e à natureza. Seria abstruso que arte e religião não
reconhecessem o mesmo coração donde provêm, do epicentro da intuição que
proporciona o sonho na empatia. Até ao séc. XVIII religião e arte viviam
em relação amorosa, queriam modelar e tornar visível o mistério. Arte e
religião questionam as compreensões imediatas. Com o racionalismo e o
materialismo deu-se o divórcio do sagrado e do profano e dividiu-se o
povo em sábios e ignorantes caindo-se num fundamentalismo de posições.
Hoje torna-se óbvia também uma reculturização, uma nova consciência, à
margem dum normativo racional que aprisiona a realidade em imagens e
caixilhos religiosos, científicos, ideológicos, políticos, etc.
Na casa da
arte, tal como “na casa do Pai” há muitas mansões; seria miopia expulsar
a religião e o Homem do templo da arte e a arte da religião. Realidade e
imagem são imagens!... Fazemos todos parte dum mesmo mundo, numa
realidade complementar do não só… mas também… |
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ANTÓNIO da Cunha
Duarte JUSTO . Nasceu em Várzea-Arouca (Portugal)
Professor de Língua e Cultura Portuguesas, professor de Ética, delegado da disciplina de português na Universidade de Kassel .
Algumas publicações: Chefe Redactor de Gemeinsam, revista trimestral do Conselho de Estrangeiros de Kassel. Editor da Brochura bilingue: "Pontes Para um Futuro Comum – Brücken in eine gemeinsame Zukunft", Caritas, Kassel. Autor de „Kommunalwahlrecht für Ausländer – Argumente“, Kassel, 1987. Co-autor de „Ausländerbeiräte in Hessen - Aufgaben und Organisation“, AGAH e Hessische Landeszentral für politische Bildung, Wiesbaden, 1988.
Colaborador de vários jornais e do programa de rádio semanal de português de Hamburgo.
E-mail:
a.c.justo@t-online.de.
http://blog.comunidades.net/justo
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