|
Linguajar, ruja para
quem te resista,
pela boca que verseja
com voz alquimista a gíria supimpa;
há já sua língua limpa
ou suja, ou seja,
uma linguagem que
exprima tudo isso que ardente freme,
e que a gente imprima o
que blasfeme.
Aja o som em cada
pranto, haja o rito...
aja o dom em cada santo,
haja o mito...
e o espanto, portanto;
haja o dito... aja o bom
em cada quanto,
haja o grito... aja o
tom em cada canto.
E, com o pendão da má
palavra, liberdade,
em branco e negro ou
poesia tatuados em cada cor: ação,
silenciosa mente arauta
da novidade verbal;
aliás sílaba, fonema
fenomenal da mensagem para vocês,
ou eu, mau selvagem, em
bom português. |
|
Tabuada iníqua que
sempre míngua linda, ou acróstica.
Língua calejada de uma
cobra
que nos linka
acrobática. Broca que me marca a cabeça
como certa cor acústica.
Cigana que grita contra
algum kharma, flor ou suástica.
Caverna que se vinca
bem-vinda
e embarca monolítica.
Queima o meu coração
quando se arma de luz
elástica.
Qual cruz de alguém que
arde ainda,
desilusão estética.
Esquálida crise quente
muito mais sempiterna e
plástica.
Recomeço de seca sem
sombra que se brinda dramática.
Mulher que se quer um
leque
quase ícone,
eufemística. Igual a uma quebra de braço
sem certa dobra
dialética.
Guerra de catarse que
não finda, ou fogueira fantástica. |
|
Caos,
propiciatória álgebra das paixões,
turbilhão
diáfano dos sentidos... o amor
como a
mais intragável das compulsões
e o sexo
aqui e agora é mais, mais ainda:
tragam os
amantes às suas taças de licor,
ouvidos
cheios de luar por estas canções,
agradeçam
ao sonho à noite a sua vinda,
unidos no
líquido serão de sólido torpor
que tomará
este casal, mas antes brinda.
Há um
olhar de relance à meia luz da hora,
então a
pele e um beijo: há carne, mordida,
um ao
outro estranho como um deus adora,
um além do
um mais um se planta nos dois
tocados
pela chance que ao abraço convida;
e aquilo
àquilo chama por arder de demora,
paralelas
cruzando no infinito e não depois
ao
reviverem sua pós-morte recém-nascida
porque
ambos são como somos e como sois.
Até a derradeira
franqueza,
que é úmida e dura...
depois uma fraqueza
sem dúvida e sem
censura;
entretanto renasce a
liberdade perpétua,
solidão que ri
da incomunicabilidade
enquanto mútua
perdição de si. |
|
Perto demais, desde o
canto atrás de mim, filosofal,
que mira-me em rima, sem
fim, o em-aberto trivial.
Rudes olhos de luz,
daqueles que se jogam sobre a gente,
sem pestanejar,
vão dar ali no mais
fundo, sob toneladas de sono bissexto,
por entre o sutílimo
índigo de certas notas, ecos a se tocar,
através de um fogo
abocanhado, antes de tudo, se quente,
como pretexto.
E, penúltima penumbra, é
sombra de sobra,
como em dois dedos de
café, demais de forte,
dos de se cortar usando
o machado,
tal espírito comprido
que se cumpre na cobra,
por ser como é cada
sonho, perdido,
ora lembrado e ora
esquecido,
um cisne negro, verso de
balé,
poema negro, passo de
morte,
ainda memória e já era,
vulgo sólido e certo.
Tom de mau rumor que ao
olvido escuta,
em entonação tatuada,
tom enxadrístico,
eu me lembro, mas
destarte ainda checo,
é um húmus muso, pois
finda novembro,
ultra-sumo de rocha e
enfático em fatias,
ardente de arte,
artístico, quase que nada,
doente, qual russo ou
pior, talvez tcheco,
o ar tísico, roído de
inspiração, sob bauta,
tusso, rastejante sobre
pauta embolorada,
e a lesma medirá ao dó
ardido em males,
entonação para ser sem
partitura, fúngica,
a mofar-se lentamente,
prazer em parte
escura,
a formar-se de
repente, demiúrgica.
Ou enterram na carne,
encarnados, por terra,
na escuridão da
estética, pois há mais depois,
se odiai amantes,
eternos, nós dois,
poética que se encerra,
iniciantes, esqueletos,
cem quaisquer porquês,
sem centro,
eu, vosso trevoso,
trovejo em vocês,
e por perto sempre uns
livros pretos,
pretos por dentro. |
|
janeiro acabou e é quase
dezembro
mas mesmo frio meu café
funciona
no decurso que se
lucidez ocasiona
...nem me lembro
a prata está preta
é um rio turvo, uma
longa história
alianças na minha gaveta
um caminho curvo, outro
lado da memória
nunca se esquece
sempre tece sua teia
que a luz inteira que
alvorece não permeia
se empretece
e se me distraio um
instante de mim,
espetacularmente agora
que estou afim,
fecham-se em barbas as
cortinas da minha cara
e ao se apagar a ribalta
faz-se a platéia clara
depressão que se imprime
relógio que se oxida
impressão que me deprime
glória escondida
o tempo é fogo cujo
rastro cinzento
corrói meu cigarro qual
o câncer lento
a treva é o manto
que sem pressa sobrepuja
qualquer fulgor que eu
urja
prescreva o meu canto
para que polido ressurja
numa época que já brilha
suja
sim, preta a prata, só
silhueta, sem data
obra que se esconde
lira que se escande
reflexão que não
responde
escuridão que se faz
grande
preto que se expande
prata... onde? |