1.
Há muitos
anos vi um filme que me marcou definitivamente: “Fahrenheit 451”,
realização de François Truffaut, a partir de um romance de Ray Bradbury.
Assim chamado porque é a essa temperatura que o papel arde. E a história
era uma metáfora terrível: um sistema social muito “bonzinho” e muito
preocupado em garantir a felicidade das pessoas num hedonismo total, sem
dor e sem inquietações, tinha os corpos de bombeiros encarregados de
destruir todos os livros que encontrassem para as pessoas não se
sentirem angustiadas e inquietas a ler coisas que pudessem incomodar. Ao
evocar essa memória percebi a lógica e a “bondade” das programações das
televisões.
2.
Na Feira
do Livro em Lisboa, no dia 25 de Abril, o escritor Francisco José Viegas
lá esteve numa das tradicionais cerimónias de escritores a darem
autógrafos. É legítimo e fica-lhe bem, ao menos aparecer em público, se
público teve. Quando não ninguém se lembraria sequer que há uma
Secretaria de Estado da Cultura: é que fora as medidas de cortes nos
apoios e orçamentos e aumentos nos impostos dos bens culturais, nada
faz, nada diz e nem responde a pedidos de audiências, sequer as que
explicitam que não é para pedir verbas!
3.
Numa
fábrica abandonada na Fontinha, no Porto, numa intervenção da PSP, vi,
pelas televisões e no youtube, livros a voarem, lembrando-me Berlim em
1936. Mas não vi essa mesma diligente PSP noutras dezenas de fábricas
abandonadas onde se passa e se consome diariamente droga. Provavelmente
porque uma comunidade que faz A Es.Col.A é mais perigosa do que a que
consome heroína.
4.
Espantado
pelo número de títulos a saírem constantemente, fiquei a saber há tempos
por um livreiro que a coisa é mais ou menos parecida com a emissão de
produtos tóxicos financeiros: para dilatar o pagamento das encomendas,
por asfixia financeira, os distribuidores impõem a rotatividade dos
novos títulos. Esta semana já houve sinal do primeiro crash: da Atena.
Espera-se uma injecção de capital nas distribuidoras e o fecho das
livrarias, certamente.
5.
Em
contrapartida, por mais do que uma vez, dei-me de caras com diferentes
livreiros ou recepcionistas de livrarias a dizerem-me que a edição tal
ou tal de um título mais “clássico” está esgotada há anos, que muita
gente já lá foi à procura, mas não é reeditada. E reparo que a INCM,
desde que se reformou Braz Teixeira, suspendeu esse tipo de reedições.
Imagino que passe a publicar as obras completas de Corin Tellado.
6.
Não sei se
ainda existe Plano Nacional de Leitura ou não, nem tão pouco a Rede
Nacional de Bibliotecas Escolares. Alguém me pode dizer, por favor? É só
uma curiosidade.
7.
Mas fico
muito contente que a banca continue a ser o garante da existência de
livros… de cheques! É o seu contributo cultural para os milhares de
milhões que recebeu do erário público, mesmo que com empréstimos
ruinosos e à custa da perda da soberania nacional. Guerra Junqueiro foi
muito injusto quando disse que “ninguém diz a Pátria do Banqueiro
Burnay… mas sim a Pátria de Camões”!
*O extraordinário livreiro da “Leitura” no Porto, no tempo em que havia
mesmo Leitura, apesar de e contra a censura…
Castro Guedes, encenador
castroguedes9@gmail.com
“as artes entre as
letras”
16/05/2012
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