REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | Número 27 | Maio | 2012

 
 

 

 

JOÃO SILVA DE SOUSA

Viseu

e o Infante D. Henrique

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
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Dir. Maria Estela Guedes  
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“Abramos as janelas que os nossos avós sistematicamente
cerraram, […] na educação da futura humanidade: uma
humanidade mais livre, mais nobre, muito mais harmonio-
sa, mais justa. […] só, então, teremos feito coisa de real,
e poderemos dizer que entendemos, e sentimos, a bela dou-
trina da redenção pelo esforço e pela cultura, pelo trabalho
e pela luz”.

(António Sérgio)
 

 
 

1. Lições e estudos de actualização de conhecimentos constituem múltiplos labirintos, mas também revelações fascinantes para a construção de ideias. Cada tema terá, naturalmente, em consideração a necessidade do desenvolvimento do saber, mas nunca em termos absolutos. Procura despertar no investigador – que trabalhe in solidum ou em grupo –, as suas faculdades latentes, o seu potencial de raciocínio, de síntese e crítica, à medida que vai inovando as suas conclusões. É uma meta, por demais difícil de explicar, tanto quanto é estranha, quando o mesmo pretende conciliar opiniões que fizeram Escola, e tem depois de destruí-las ou, pelo menos, contradizê-las. Quanto a nós, temos, sem dúvida alguma, de fazer o pleno dos lados da questão, considerando também o tradicional, popular, enfático, alegórico e exagerado…, embora em nada se coadunem, com a realidade dos tempos em que estamos a trabalhar.

          Expliquemo-nos melhor, numa pequena frase. No nosso laboratório, onde não trabalhamos com químicos que modifiquem as células e moléculas e nos dêem a transparência do produto, cabe-nos reagir ao que nos pareça falacioso, e sustentar a nossa verdade, desta feita, porém, atendendo ao que pensamos, hoje, acerca da realidade que construímos do passado, num tempo longo… de séculos.

          Assim, julgámos ser de referir a importância da cidade de Viseu, no século XV, as actividades do Infante D. Henrique e do prestígio devolvido à cidade, como moeda de troca. Isto é, se o Navegador foi importante para Viseu, também a cidade não o foi menos para o seu 1.º Duque. Referir-nos-emos à realidade dos factos e dos resultados e poremos de parte muito do que se escreveu e disse, empolada e circunstanciadamente, pelos anos Sessenta do século XX. E, mesmo assim, cheios de boas intenções, continuamos a temer estarmos a ficcionar. Só que, hoje – e não como ontem –, temos a consciência disso, limando arestas e pensando, repetidas vezes, na explicação mais óbvia dos factos. 

 

          2. Viseu apresenta-se-nos, nos inícios do século XV, como um centro urbano de categoria abaixo de algumas das vilas portuguesas, como, por exemplo, a de Santarém. Diferente, no conceito actual, na Idade Média, esta não era cidade porque não tinha bispo, Viseu era cidade porque o tinha. E teve-o, desde Remissol [572-585], com o domínio dos Visigodos.

          Conta, à época, com 6 000 e poucas almas, que vivem da agricultura e de uma indústria, a dos tecidos – a única conhecida como tal. Tem uma boa produção de lã, linho, estopa, sisal, bragal, couros… mas tem também, por esta altura, poucos braços que possam dispensar-se a estas e a outras actividades novas, mais rentáveis e desenvolvidas, menos penosas porque menos cansativas, capazes de abrirem portas ao comércio interno e, sobretudo, às trocas com o Exterior.

          O facto é que, depois que um dos filhos de D. João I foi feito seu 1.º duque (1) – falamos, naturalmente, do Infante D. Henrique –, Viseu passou a ser tida como centro de uma série de feudos que, desde 1411, fizeram parte do património territorial da Coroa, sob administração do Navegador, os quais se estenderam num espaço geográfico, à época, um dos maiores do Reino: a Comarca da Beira. E, dentro desta, nos três almoxarifados, isto é, Guarda, Viseu e Lamego, e, num triângulo ainda mais preciso, definido pelas linhas Tarouca e Lalim ao couto do Guardão e deste a Viseu.

          Poderá parecer, pois, a quantos não se familiarizaram ainda com os séculos IX a XV, mesmo nestes tempos de transição para a modernidade, termos empregado várias noções que se afiguram contraditórias. Falámos de feudos, como terras da Coroa, e referimo-nos ao facto de eles figurarem sob a administração pessoal do Infante. E para que, de uma vez por todas, possamos esclarecer o que pretendemos afirmar ou para que queremos, na realidade, chamar a atenção, há que assentar o facto de ninguém ter, então, nada de seu, sendo tudo, por consequência, bens da Coroa. Esta distrai de si, veicula a posse para terceiros, mas lembra e por escrito, segundo conceitos muito precisos, que a cada um apenas caberá ir tão longe quanto o rei de Portugal autorize, o que, então, passamos a ver explícito nas cartas de doação régia e na lei que daquele dimana, após promulgação. Esta situação jurídica é tão antiga quanto a primeira configuração do minúsculo Condado de Portugal.

          Com a carta de ducado, D. João I outorga ao filho direitos reais. Entre os mais significativos, o direito de jurisdição, pelo qual o Infante detinha estabelecimentos prisionais próprios em Viseu, nomeava os ouvidores com direito a correição, onde não interviriam ouvidor ou corregedor régios. As apelações, nos feitos crimes, subiam do Senhor Infante – quem primeiro as apreciava – aos correspondentes oficiais da Corte, se fossem casos de pena capital ou de amputamento de membro. Mas os feitos cíveis eram todos da exclusiva competência dos desembargadores de D. Henrique, pelo que as coimas lhe eram devidas e distribuídas pelo juiz e pelo saião viseenses. Às viúvas, órfãos e indivíduos economicamente mais debilitados, residentes em Viseu, que, pela Ordenação, tinham o privilégio de elegerem, por seu juiz, o corregedor da Corte ou sobrejuízes da Casa do Cível, era-lhes assistido o direito de se dirigirem ao ouvidor do Infante ou ao seu desembargador, substituto ou sobrejuiz do rei, ou, então, ao juiz ordinário. São vários os casos referidos a Viseu e que dizem respeito ao modus operandi nos juízos da cidade  (2).

      Ainda o relego dos vinhos de Viseu. Em 1416, D. João I doara a D. Henrique todos os direitos e rendimentos do centro urbano e seus termos, à excepção das sisas gerais, imposições ou sisas dos vinhos e o serviço novo dos judeus (3). Ao passar a dita carta de ducado ao filho, o rei não excluiu dela o relego régio que se teve, consequentemente, como constitutivo de mais uma importante prerrogativa do Infante.

      Em princípios do séc. XV, os vinhos representavam, naquela vasta zona, uma substancial fonte de receitas que, por este feito, transitavam para o fisco henriquino. Como as carências do Infante eram múltiplas – assim o veremos –, ele parece ter exorbitado nas cobranças do imposto, o que levaria os homens-bons do concelho de Viseu às cortes de Lisboa, em 26 de Março de 1455, onde afirmaram constituírem aqueles uma das principais riquezas da região, em capítulos especiais. D. Afonso V respondeu, pois, “que nos praz e mandamos ao corregedor que faça guardar a dita convençam e custume”. Ora a convenção ou acordo era a que, antes, o rei tinha com os viseenses, e que se traduzia num pagamento quase simbólico; e sobre o costume, o monarca avançava com o princípio de que o Infante deveria respeitar o Direito que protegia os privilégios dos vizinhos da cidade queixosa (4).

          O plantio das cepas cruzadas e apuradas, as belíssimas uvas que se produziam e o fabrico do bom vinho eram produtos com que a cidade se mantinha, que os seus moradores se empenhavam e recolhiam da sua lavra e que, desde sempre, foi costume guardado que ninguém lhe levasse vinho de outras terras, de outros concelhos, sob pena de perderem o vasilhame (5).

          Como duque, o Infante havia permutado, pelos anos de 1420-1430, com a Câmara de Viseu o referido relego régio, ou seja a primazia no fabrico e venda do vinho e, antes, da venda das uvas, daquela região particularmente próspera. O rei, seu pai, concedera-lhe, como vimos, ao atribuir-lhe a carta de ducado (6) e, de resto, são em grande número os textos coevos, como diplomas de doações, prazos e confrontações, relativos a Viseu e aos seus termos, em que se faz referência às vinhas e ao vinho.

          O Cronista, ao descrever as festas aí promovidas por D. Henrique, em 1413-1414, informava que também lá chegavam pipas de malvasia e muitos outros vinhos brancos e tintos da terra, por certo vinhos do Douro, cujas uvas, para o seu fabrico, se adiantavam no amadurecimento, devido ao clima, e, como vinho-novo, estaria pronto e em óptimas condições, logo a partir de Agosto. Com efeito, terá o Infante aproveitado para os folguedos, os vinhos do Dão e aqueles já de fama sustentada (7).

          A outorga de direitos reais a este senhor feudal dava-lhe a possibilidade de mandar fazer executar as suas ordens, a seu bel-prazer, porventura de modo distinto daquele que era usual, até porque o soberano, na maior parte dos casos, não indicava normas a seguir. Razão por que, só décadas depois, se observa aquela reacção, por parte dos vizinhos e moradores da cidade de Viseu e dos seus alargados arrabaldes.

          D. Henrique fica, então, como proprietário de todo um grupo de terras que se acercam de Viseu, e começam a contribuir para a importância em crescendo deste centro urbano. Mesmo com os seus topónimos específicos, quando tratamos de algumas mais longe, como Tarouca, a honra de Lalim e Valdigem (8), – das quais tomou posse a 1 de Março de 1413 – elas não deixarão de entregar géneros alimentares no erário do Infante, cujo centro patrimonial e administrativo é aquela cidade.

          Deste modo, graças a D. Henrique, o espaço urbano vai florescendo com a agricultura, pecuária, pesca, aproveitamento de baldios e charcos por meio de arroteamentos e secagens, com indústrias como a da lã que já referimos, a que adicionamos a tinturaria, colas e cardas, além de outras matérias primas que podem colher-se diária e gratuitamente nas florestas que são de todos, e que lhes estão à mão, com a maior das facilidades. Há ainda a ter em conta a tinturaria do pastel, introduzida no Reino pelo Infante, o qual veio a receber o seu exclusivo, a 28 de Agosto de 1445 (9). O Infante dava, ainda, de sesmaria, a quem lhe aprouvesse ou lhe solicitasse, na zona de Viseu e nos seus termos, – assim procedendo para com outras vilas e lugares da Beira –, certas terras suas e da Ordem de Cristo, que se perderiam à míngua de amanho, a fim de serem cultivadas e aproveitadas, como ordenava a lei fernandina de 1375, mais tarde publicada nas Ordenações do Reino (1448), com aditamentos de D. João I e de D. Duarte, já rei (10).

          Os arroteamentos levavam-se a termo nos densos bosques, que se alongavam por aqueles espaços imensos, por entre serras e vales, fornecendo a madeira tão necessária à construção civil e, sobretudo, à naval.

          No que se refere à criação de gado, à pastorícia e transumância, desde cedo, o rei de Portugal nomeia oficiais que têm a missão de encontrar e dar destino ao gado do vento e, como escrivães, passam a encarregar-se dos gados que vão pastar a Castela. Para este efeito, por exemplo, por carta de 6 de Agosto de 1456, D. Afonso V nomeara Gil Álvares, escudeiro e criado do Infante D. Henrique, para aquelas funções, na comarca da Beira (11), existindo ainda, na cidade, uma casa de registo de todo o gado que se perdia, se anunciava e cujo dono não tinha sido encontrado.

          Havia também juízes das sisas gerais, vinhos e panos da cidade e seus termos, nomeados entre os seus escudeiros (12), que operavam em gabinetes no centro urbano viseense.

          Dos cerca de 6 000 habitantes com que o Infante recebeu Viseu da parte de seu pai, passamos, repentinamente, a um número muito mais elevado de almas, a calcular pela subida de 8 freguesias para 14 (hoje são 34), muito longe ainda – como se vê – do número actual.

          Muito mais gente significa necessariamente aperfeiçoamento nos sistemas de cultivo, progressos na produção agrária e artesanal, instituição de um mercado, por semana, e uma rápida reabertura a uma feira (13) que vai pautar-se pelo melhor modelo criado, até então, no País pelo rei: a feira de Tomar, um bom exemplo estabelecido, a 2 de Outubro de 1420 (14), dado que esta vila era sede da Ordem de Cristo, e que, a partir deste ano, seria gerida pelo Infante como seu 1.º administrador laico (15).

 
 

A Cruz da Ordem de Cristo, nas Descobertas, on line

 
 

          A 26 de Agosto de 1435, D. Duarte autoriza seu irmão a fazer feira anual, a começar três dias antes da festa do Corpo de Deus e a acabar três dias depois (16). A 13 de Janeiro de 1449, D. Afonso V, já de posse do governo, com os do seu Conselho, confirma a carta de feira anterior (17). Entre estes dois momentos, foi muito importante a carta da regência de 22 de Fevereiro de 1444, quando o Infante D. Pedro concedeu feira anual na cerca da vala da cidade de Viseu, a pedido de seu irmão D. Henrique, com os privilégios da de Tomar, dando àquele o exclusivo da montagem das boticas na mesma, com aplicação do respectivo aluguer à sua capela do Mosteiro da Batalha, porquanto, em outros locais existentes na Beira, havia feira à excepção desta cidade, o que leva e concluir que, em 1435, não deve ter sido dada importância à carta do falecido irmão, o rei D. Duarte.

          O período de realização do certame restaurado ia de oito dias antes de Santa Iria, começando a 12 de Outubro, até oito dias depois, terminando a 28 do mesmo mês. Temos então 16 dias ao todo.

          E, tal como para a feira de Tomar, em seu testamento, dispôs o Navegador das receitas da de Viseu. De 18 de Abril de 1461, já um ano depois da morte de D. Henrique, datou a tomada de posse pelo Cabido da Sé da cidade das barracas da feira, a ele legadas pelo Infante (18).

          O Príncipe deteve também a exploração da lã, no Reino; moinhos de água nas fozes do Tejo e dos rios de seus feudos; madeiras resultantes da exploração das matas do Ribatejo; o sabão preto e branco do País, com a instalação progressiva de saboarias exploradas por pessoal seu, impondo-se a publicação de um Regimento das Saboarias, indústria que tinha ligado, de perto, à caça aos lobos marinhos que davam os óleos necessários para o fabrico dos sabões. E ainda dele era o exclusivo da tinturaria do pastel, que substitui com êxito a grã, até então mais usada para o efeito.

          Ora, entre 1411 e 1420, D. Henrique, aquando do restabelecimento de pazes com Castela, é nomeado fronteiro para Viseu, dado que se aguardava, então, a vinda a Portugal, de uma embaixada do reino vizinho, para juramento por parte do rei D. João I e dos seus filhos das respectivas cláusulas do convénio de 31 de Outubro de 1411, o que só veio a verificar-se três anos depois (19), aquando do alvoroço causado pelos preparativos dos Portugueses de um assédio não sabiam bem onde nem a quê. Foi ratificado por João II de Castela a 30 de Abril de 1423 (20), confirmação esta que chega à Beira e à Câmara de Viseu, a 4 de Setembro desse ano, tal como as pazes firmadas em Medina del Campo, em 1431-32 (21), ratificadas em Almeirim por D. João I, a 27 de Janeiro deste último ano (22).

          Após as festas – já antes ditas – organizadas a mando do Infante e onde estiveram presentes seus irmãos, incluindo o herdeiro do trono, o Príncipe parte para Ceuta, é bem sucedido como a maior parte dos outros, e é feito duque em Portugal, sendo já senhor da Covilhã, como, aliás, é tratado pelo pai na carta de ducado.

          Quem foi com ele a Ceuta em 1415? Quem o acompanhou nos socorros ao Norte de África em 1418, 1419, 1424, 1437-38, neste último caso a Tânger, começada a preparar a sua tomada ainda antes de 1418 (23) e, por último, a Alcácer Ceguer (1458)? A resposta é óbvia: foram os seus homens e, naturalmente, aqueles que tiveram de abandonar os seus serviços regulares, para passarem ao manejo das armas. E depois que D. Henrique foi ao Porto preparar a armada, e “auiou todas suas gentes e armas e mantijmentos” (24), esta levantou ferros, maioritariamente com homens seus e das suas terras. Ele próprio o diria: ”eu mandey rrequerer os meus e aquelles a que eu fiz dar e dey ofiçios pêra auerem de hir comjgo na armada” (25) e, noutro passo, reafirma: “pello mandado meu, que ouue [Afonso Eanes] pêra rrequerer aquelles que meus eram e chegados a mym ou tijnham ofiçios que per mym ouuesse, que se fezessem prestes pêra hirem comigo na armada” (26).

          Rui de Pina também o refere: - “assy forom muitos Cavalleyros e Comendadores da Hordem de Cristo, e outra muita e nobre gente que ho Ifante Dom Anrrique tinha em sua casa e pello Regno, que foy a mais e melhor que atee seus dias, nenhum Príncipe destes Regnos de Portugal sem Coroa teve” (27).

          Viseu não se furtou às suas ordens, nos socorros empreendidos logo a seguir, continuando a aparecer no mapa como uma cidade com história própria, porque a que sempre teve, não estava esquecida.

          A cidade passou a pagar impostos dobrados ao seu senhor que, por carta de 16 de Fevereiro de 1416, havia sido indigitado como seu alcaide-mor, com todos os rendimentos que daí adviessem, governando e dispondo dos seus homens, infra-estruturas e capacidades, a partir de então, e com a obrigatoriedade de mandar reparar a sua fortaleza (28).

 
 

Muralha da cidade, pronta ao tempo de D. Afonso V [1438-1481] (29)

 
 

        Quer dizer, Viseu, militarmente, com o Infante D. Henrique, como alcaide-mor, aumentou o seu protagonismo e tornou-se numa das mais importantes cidades do Reino, quanto mais não fosse porque a guerra, a constante praga da humanidade, passou a contar com gente e géneros para serem liderada e usados, nos assédios a espaços extra-muros (30).

          A alcaidaria deu ao Infante uma importância imensa, na área, pois das cidades – que eram todas do rei de Portugal –, se apartava esta, juntando-se também ao património henriquino. E ainda, porque nos pareceu que o Infante, sabendo bem geri-la, associou-lhe a grande valoração que lhe dava o cargo à administração de um vasto patrimómio imobiliário por perto e, além disso, a sede de ducado, o que dele faria o principal rico-homem do País. Se assim não fosse, como se justificaria a sua nomeação mais tarde, a 9 de Maio de 1440, para fronteiro-mor da Beira (31) e, entre as duas datas, como responsável pela planificação única em Portugal, da vasta e complexa empresa dos Descobrimentos, os quais, também cedo, se iniciaram a partir de Lagos, muito à custa de Viseu, de mulheres e homens, das suas terras pessoais, e outros bens? Viseu e Lagos, cidades gémeas, estavam ligadas, desde cedo, pelas suas posições geográficas estratégicas, de Norte ao Sul de Portugal, tal como estabeleciam ambas o contacto do Litoral com o Interior e vice-versa. Além disso, ambas as localidades tiveram o seu grande período de apogeu, em tempos recuados; ficaram, depois, esquecidas no mapa do Reino; e regressaram ao seu tempo áureo, no século XV. Só que Viseu “chegou” para ficar e Lagos voltaria a apagar-se com D. João II, quando os Descobrimentos a libertaram e passaram a sua poderosa máquina para Lisboa. A função das cidades e, entre elas, a de Viseu, manteve-se.

          A frontaria-mor da Beira, associada às consequentes missões militares que dela dependiam, fazia com que se adscrevesse a D. Henrique um sem-número de ofíciais que protegiam a área comarcã, de Lamego a Viseu, daqui a Castelo Branco e, numa vertical a Nascente, seguia às terras de Ribacôa, sensivelmente. Desta feita, o novo cargo comportava enormes responsabilidades que seus homens na região, conhecendo-se uns tantos de Viseu e das vilas e lugares do termo, passavam a ter na defesa e prevenção de investidas castelhanas e aragonesas, depois do afastamento de D. Leonor, viúva de D. Duarte, da regência do Reino (1439).

          Mas não poderíamos, neste caso vertente – adentro do poderoso sector da Economia/Finanças –, omitir a já acima referida indispensável isenção dos direitos de relego de Viseu a D. Henrique, nem – no que se refere ao intrincado campo político –, a nomeação de homens de sua Casa para serviços já ligados ao mar. Outros, à Administração. Um ouvidor, por exemplo (32) Indigitado, a 20 de Dezembro de 1415, para a escrivaninha dos homens do mar, pertencente ao concelho de Lisboa, fora Martim Anes, seu criado, “bõo mancebo, jdoneo, perteeçente para o dito oficio” (33), e João Martins – mais um, entre vários –, que era mestre dos treus, ou seja, das velas latinas, em 1416 (34). Todos estes e os demais eram vizinhos de Viseu.

          Aqui – e a partir da cidade –, deu-se, de pronto, vida particular, pública e política ao Reino, reforçando o protagonismo do seu 1.º Duque, não apenas no Mar Oceano, como tem sido considerado, mas também em terra, estabelecendo contratos e apresentando indigitações de homens da sua Casa para lugares de prestígio. O cabido da Sé de Viseu foi também assíduo interveniente. Homens da cidade começavam a ter os seus nomes inscritos na Chancelaria régia, os quais podem ser recolhidos dos Pergaminhos do Cabido, do Arquivo Distrital: João Gonçalves Farto, criado, é apenas um de 54 que intervieram, a seu modo ou a mando do Infante, na ligação de Viseu com a sede da Coroa (Lisboa, Sintra ou Santarém) e com o País em geral (35); Luís Dias, escudeiro, residente em Mesquitela, era meirinho nas terras da Beira, em Viseu, inclusive  (36).

 

          3. De entre 1419 e 1429, com o seu proémio estabelecido em 1415, remonta, sem qualquer dúvida, o início da tarefa ultramarina do Infante D. Henrique, com o redescobrimento, por pessoal da sua Casa, do arquipélago atlântico da Madeira e, depois, dos Açores. Esta liderança continuada nas conquistas e descobertas teve de contar com orçamentos sustentados e de fazer pensar numa maneira de a Coroa poder subsidiar o líder das empresas. Para o efeito, o trono recorreu a doações de terras com rendimentos próprios e à atribuição de monopólios de fabrico, e exclusivos na venda dos produtos por parte da máquina, cada vez mais complexa e actuante, do Navegador.

          É indiscutível que se trata de uma Empresa, em termos modernos, com rendimentos próprios e estabelecendo secretarias que visassem objectivos muito concretos: cartografia, instrumentos e Geografia; cultura, com trocas de saberes entre nacionais e estrangeiros, mais experimentados no Mediterrâneo e no Oriente; armazéns de guarda e restauro de apetrechos de navegação e guerra; plataformas de construção e reparação de embarcações; uma escrivaninha financeira e outra voltada para o arrolamento de navegantes – mestres, capitães, pilotos e outros mareantes, aos quais se associavam filhos segundos da nossa nobreza e, com idênticos objectivos, membros do clero e mercadores.

          O rei recebia o quinto e o País cada vez ia aditando, com maior visibilidade, à sua característica agrária, uma outra – a mercantil. Contavam-se os homens que, de todo o lado onde D. Henrique detinha terras e, muito especialmente, de Viseu e da Beira, em geral, enviavam bens comestíveis, se deslocavam a Lagos com suas mulheres e filhos capazes de trabalhar, uns para proverem as embarcações com tudo quanto era necessário às viagens, outras fabricando o biscoito, talhando e fumando as carnes e secando e salgando o peixe que chegava no dia, enchendo os tonéis de água que transportavam dos rios e ribeiras mais próximos e o vinho, branco e vermelho, que vinha do Dão e de outras partes mais chegadas. As mulheres coziam o alinhado velame, e os homens encarregavam-se dos remos, das redes de pesca, dos ferros, dos mastros e da colocação das velas – eram tanoeiros, carpinteiros, calafates e petintais das galés, caravelas, e de outras tipologias de embarcações. Eram lavradores e valadores, mestres de treus e escrivães dos portos. Com o símbolo da Ordem de Cristo pintado nos panos alvos, sabiam todos os que partiam e por cá ficavam, que, a par da tomada de riquezas, se ia para propalar a cruzada em terras que desconheciam a existência de Cristo.

          Disse o próprio Infante ter constituído o Cabo Não como ponto de partida dos descobrimentos no Oeste africano e, por conseguinte, o Cabo transposto, em 1434, por Gil Eanes. Até 1436, a devassa marítima atingiu o Porto ou Pedra da Galé, no Rio do Ouro. As descobertas passaram o Cabo Branco, em 1441, depois o promontório do Cabo Verde e a Ilha Gorrée, partindo da Guiné para a Serra Leoa e desta até à Libéria.

 
 
Caravela Portuguesa, on line  
 

         4. Antes ou logo após o restabelecimento da feira de Viseu, o Infante recebia, como contrapartida régia mais imediata, regalias para os cultivadores das suas terras beirãs que, privilegiados com a isenção do pagamento de impostos ao fisco e da prestação de usuais serviços, iam engrossando o erário henriquino, ficando o Príncipe liberto de contribuir com mão de obra para outros trabalhos que não fossem os seus (37). Simultaneamente, principia o Navegador – o único entre os irmãos –, a montar indústrias pessoais, com o consentimento de seu pai e, mais tarde, dos irmãos, D. Duarte e D. Pedro e de seu sobrinho, D. Afonso V: entre outras, a pesca no rio Tejo, no passo do Ródão, proibindo que alguém fizesse canal ou colocasse estacas, onde o Infante assim procedesse para reter o peixe (38).

          A indústria da pesca que tinha a ver, de início, com o peixe de rio, levou o duque a mandar construir tanques nas suas florestas nos termos de Viseu e noutros lugares da Beira, os quais funcionariam como viveiros e onde, pagando por eles, os vizinhos e moradores das localidades poderiam estabelecer contratos, o que lhes era extremamente importante porque viviam afastados do mar e o pescado não lhes chegava nas melhores condições. Assim, viam-se mesmo compelidos ao aproveitamento das reservas senhoriais. O rei ao doar o exclusivo da pesca a seu filho, prescindia, automaticamente, daquele primeiro peixe que fosse caçado, vir a ser, como direito real, destinado à sua ucharia.

          Os direitos da pesca que viam aumentar-se de ano para ano e confirmados de rei a rei, estenderam-se, então, ao atum, pescada, corvina e sardinha no reino do Algarve (1433) (39), à dízima nova de todo o pescado nos mares de Monte Gordo (1433) (40), vendo privilegiados, a seu rogo, a 1 de Junho de 1436, até 18 homens que iriam andar na armação dos atuns e corvinas no Algarve (41) e a muito mais já por nós e por outros autores tratado e referido.

          Ainda há a somar o exclusivo da pesca do atum no Algarve, com direitos e rendimentos régios da mesma, excepto a sisa percebida da venda do peixe que ficaria ressalvada para a Coroa; a pesca no Baleal e nas ilhas Berlengas (1449), nas proximidades de Peniche. Estavam em causa a abundância da pescada e da sardinha. Zurara, na sua Crónica da Guiné, referiu-se também às tartarugas ou cágados do mar, cujas conchas eram tamanhas como escudos; a pesca nas ilhas atlânticas e na costa de África, ainda pelo Cabo de Trasfalmenar (1443) e o exclusivo da pesca do coral, a rogo do próprio Infante (42) e, até então, emprazado a Florentinos.

 
 
O Cabo de Sagres ou de Trasfalmenar, no Algarve  
 

          Com todo este suporte económico, coube ao Infante permitir que os seus viseenses tornassem, então, a sua feira numa das mais importantes e movimentadas, na encruzilhada de novas vias que faziam a necessária ligação do Norte do País com os palcos marítimos algarvios, algumas delas, cruzando a cidade e deixando umas moedas quer à entrada, fosse à saída. Estas costumagens e os géneros que correspondiam a novas “indústrias”, então, mais desenvolvidas e organizadas, vão repercutir-se num crescendo que teve a ver com o avanço das viagens marítimas (43), trazendo ao duque e a Portugal alargados dividendos. As suas indústrias pessoais mostram-se desnecessárias às despesas diárias correntes, pois para tal tinha as rendas das suas terras ditas patrimoniais. Todavia, já desses monopólios necessitaria para custear as empresas náuticas e todo o arsenal montado para poder realizar várias viagens por ano: de reconhecimento, mercantis e de guerra. Mesmo assim, à sua morte, as dívidas foram bem visíveis, o que terá feito com que o seu sucessor, D. Fernando, 2.º duque de Viseu e 1.º de Beja, senhor de Covilhã, de Serpa e Moura, administrador das Ordens Militares de Cristo e Santiago, senhor das ilhas achadas e das que viessem ainda a ser encontradas… pusesse de parte as viagens e preferisse partir para as conquistas do Norte de África, mais a gosto de seu irmão D. Afonso V.

           A propósito das escaladas do rei no Norte de África, havia um outro direito exclusivo seu – o quinto das presas.

          Também este veio a ser conferido, em regime de monopólio, a D. Henrique, dando-lhe o exercício, como duque, de funções régias nas suas terras patrimoniais. O infante empregou, desde cedo, servidores seus no corso e obrigou a vigiar, eficazmente, a cobrança do quanto lhe cabia das navegações promovidas por outrem. Era dele esse quinhão, desde 1433, quando D. Duarte lhe concedera a sua isenção (44), sendo possível que D. Henrique houvesse imposto, sob a forma de contratos de parceria, o pagamento de uma quantia mais avultada do que aquela que fixavam as cartas de concessão.

          Viu ainda o Infante, chefes de famílias de sua Casa ficarem dispensados da lei Mental, e Viseu foi um dos concelhos, que mais vivamente solicitaram o esclarecimento de dúvidas e dos que quiseram saber o porquê da interferência do comando normativo nas terras da clerezia que se achavam sob a protecção do Direito Canónico (30 de Junho de 1434). Tinha a ver com as legitimações de filhos naturais de clérigos e com a consequente indivisibilidade das terras (45).

 

          5. A correspondência de D. Henrique para o Cabido da Sé de Viseu e vice-versa era muito regular. O respeito pelas normas do Direito Canónico e pela jurisprudência e cânones, por parte do administrador-mor de uma Ordem Religiosa para uma entidade afim torna-se demoradamente dialogante, embora se simplifique, porque ambos fazem uso do mesmo falar e modo de escrita.

          O Cabido faz prazos em vidas, arrendamentos de vária natureza, contratos de liquidação de prestações em dinheiro, géneros e serviços, a terceiros, de ordinário com o Infante, como intermediário, que roga para oficiais seus, no que pode ainda ter a ver com as normas a observar na arrecadação das primícias e dízimas das miúnças. São casos exemplares, Pedro Afonso, um bordador, e sua mulher Inês Gonçalves, que arrendam uma casa-torre e outras, sitas junto dela, e no lugar do Miradouro (46). Segue-se a localização com as respectivas confrontações.

          Há ainda instrumentos notariais de escambo de casas sitas em Lisboa, dando-se, por troca e num prazo fixado, outros bens de raiz na referida cidade ou termo, que valham ou possam render mais. Esta situação benévola para a Igreja era bem vinda, à luz dos santos degredos.

          Havia também que regularizar casos pessoais. D. Henrique zelava, de amiúde, pela situação dos seus homens e pouco era quanto deixava em mãos alheias. Se não consegue obter, in loco, nem com o recurso ao arcebispado, dirige, então, carta a Roma. Assim sucedeu, desta feita para conseguir dispensa para o tesoureiro da Sé de Viseu que era filho ilegítimo, e que, por acaso, exercia as funções de seu capelão-mor, sendo comensal em sua Casa e governador de sua capela, para poder ser provido a todas as ordens sacras e usufruir dos correspondentes benefícios eclesiásticos (47). A Santa Sé respondeu afirmativamente, para um período de cinco anos (48), alargado posteriormente. O mesmo aconteceu com um prazo em três vidas feito pelo cabido da Sé a Afonso de Mansilha, escudeiro e criado henriquino, morador em Viseu, de uma leira, na rua da Regueira, “que vae da dicta cidade pêra Sam Migel [sic]” (49) e a João Gonçalves de Jugueiros, cerieiro e homem da criação do Infante, com morada na rua do Arco (50). Casos como estes repetem-se pela vida de D. Henrique, não nos cumprindo aqui arrolá-los (51).

          Moradores ou naturais de Viseu, servidores do Infante, em sua Casa e no seu feudo, em serviços pessoais ou da Coroa, também os houve: João Gonçalves, seu escudeiro, foi nomeado como juiz dos órfãos e judeus da cidade e seu termo, exactamente na maneira em que o tinha sido o seu antecessor (52). Ou Heitor Homem – irmão de Garcia Homem, um dos expedicionários à costa africana –, que ficara encarregado do ofício de vedor das obras de restauro dos castelos de todas as vilas e lugares da comarca da Beira (53). Ainda – e muitos outros poderíamos aqui referir –, dois homónimos João Martins, ambos escudeiros: um encarregado das obras de fortificação da cidade de Viseu e o outro escrivão dos referidos trabalhos (54). Mais: Afonso Eanes, almoxarife do rei em Viseu (55).

          Por todas estas razões e consentimentos por parte da Sé viseense, o Infante, muito provavelmente, autorizado pelo rei, seu pai, dado que apenas este o poderia fazer, privilegia os cónegos da poderosa instituição, com a isenção da aposentadoria, não sendo, pois, obrigados a dar, de então em diante, “suas cassas nem sua rroupa […] e suas bestas pêra jrem a nenhuu cabo com nehuas carregas, nem consentaaes que lhes tomem pam nem vinho nem palha nem çeuada nem lenha nem galinhas nem outras nehuas cousas de seu contra suas voontades” (56). Este era, por sinal, o privilégio mais apetecido de todos, porquanto o rei, a sua vasta comitiva, os Infantes e condes, os oficiais do monarca, no cumprimento dos seus ofícios, esbulhavam, frequentemente, os povos, com tudo o que necessitavam na altura e para a torna-viagem.

          Uma das melhores fontes – porque mais complexas –, que encontrámos nas chancelarias régias, data de 10 de Setembro de 1454 e trata-se de uma carta de quitação passada a Álvaro Dias, almoxarife na cidade de Viseu, de 1438 a 1449, com lançamentos vários relativos ao Infante D. Henrique, a pessoal seu e a Ceuta (57). Diz respeito à entrega, inspecção e resultado obtido, com a total discriminação das despesas e receitas referentes a Ceuta, naqueles anos, período em que o almoxarife régio na cidade de Viseu apurou relativos àquela vertente e ainda ao duque de Viseu e a pessoal deste. Quanto a nós, no presente texto, há que dar relevância a 35 homens da Casa do Infante, naturais e/ou residentes na cidade de Viseu, a saber, a um barbeiro, um cavaleiro, um homem de sua criação, um escrivão da câmara, um tesoureiro das coisas de Ceuta, um capelão, 23 escudeiros e sete cavaleiros (58). E a 275 membros da Ordem religiosa e militar de Cristo, que faziam a ligação entre o poder laico viseense, a espiritualidade do Convento em Tomar e as expectativas comerciais que os animavam, a partir de Lagos.

 

          6. Preparando a intervenção no Concílio de Basileia, já há anos, fora enviado, com uma importante comitiva, D. Afonso, 4.º conde de Ourém, filho de D. Afonso, 8.º conde de Barcelos e futuro 1.º duque de Bragança, onde se avistou primeiro com o bispo de Viseu – D. Luís do Amaral –, e com o bispo do Porto – D. Antão Martins de Chaves, do Conselho do rei –, depois com o Papa Eugénio IV e, mais tarde, intervindo na referida assembleia.

           Tendo decorrido as sessões desordenada e desordeiramente, o Conde partiu para o Reino e deixou na cidade dois representantes seus. O bispo de Viseu decidiu apoiar o antipapa e, por isso, excomungado pelo bispo de Roma, acabou por perder a dignidade, por ordem deste.

          Foi o regente D. Pedro quem o protegeu, devido à intervenção do Infante D. Henrique. O regente estaria recordado do apoio que o bispo de Viseu lhe dera, aquando do conflito de 1438-39. À morte de D. Duarte, quando tentava decidir-se acerca do titular da regência, disputada esta entre D. Pedro, duque de Coimbra e a “triste Rainha”, D. Leonor, viúva do rei de Portugal e mãe de seis filhos, todos menores de idade, entre eles D. Afonso V, o resultado foi o duque de Coimbra ter acabado por sair ganhador e, em 1439, iniciar a regência in solidum.

          Outros avisos recebera em conselho, quando participou, no sentido de reagir contra as ordens papais e fazer o bispo de Viseu reassumir o seu cargo na cidade e frente aos demais dignatários da Igreja local. Todos eram unânimes na manutenção do dito clérigo à frente da Diocese (59).

          Eugénio IV reagiu de imediato e, em 1440, escreveu ao rei de Portugal, tutelado pelo regente D. Pedro, as letras Credimus a certo e outras, certificando-o de que Luís Gonçalves do Amaral – “filho de perdição” – havia sido sempre o seu principal rebelde e da Sé Apostólica, tendo-se mantido invariavelmente à proa de quantos contribuíram para a divisão da Igreja, durante o Concílio (60)

          Acontece que D. Pedro, em resposta a diversas cartas papais neste sentido, mantinha-lhe o tratamento de bispo de Viseu, encontrando-se o mesmo excomungado e condenado por herege e cismático, acusado ainda por ter sido um dos eleitores de Amadeu VIII, o Pacífico, conde e depois duque de Sabóia para antipapa (Félix V), em 1439. Não valia de todo a pena – prosseguia Eugénio IV – voltar-se ao assunto, porque nada modificaria o que fez quanto à diocese de Viseu; que estranhava que o Regente lhe tivesse sublinhado o facto de D. Luís Coutinho ter sido provido bispo de Viseu, em substituição do primeiro, sem o consentimento do rei de Portugal, o que era exigido quer pela lei canónica, como pela lei civil, dado que cumpria, pelas duas, a Roma a livre disposição de todas as igrejas, sem que se exigisse o consentimento dos reis. Assim, a atitude do soberano em demitir D. Luís Coutinho de bispo de Viseu revelou imaturidade, devendo o rei de Portugal, porque adolescente, rodear-se de homens tementes a Deus, católicos e devotos.

          O que se achava por detrás desta dissidência entre o Regente e Eugénio IV era o facto de, por um lado, o bispo D. Luís ser um homem de sua confiança e D. Luís Coutinho, irmão do marechal do reino e depois 1.º conde de Marialva, Vasco Fernandes Coutinho, um dos principais partidários da rainha D. Leonor, afastada da regência e da tutela dos filhos e amigo íntimo de D. Afonso, conde de Barcelos e permanente rival do Regente D. Pedro.

          O certo é que vencia o Papa mais esta querela – o papa, o futuro duque, o conde de Marialva e o recém designado bispo de Viseu. Em 1439, iniciava-se o governo de D. Luís Coutinho, terminando em 1444 e sendo substituído por D. João Vicente de 1444 a 1463, como tivemos já ocasião de nos referirmos num artigo recente da revista Beira Alta (61). Ao bispo D. João, de Viseu, deve-se a reformulação dos Estatutos da Ordem Militar de Jesus Cristo, com autorização de Eugénio IV, a pedido do Infante, pelo facto de os antigos Estatutos da Ordem conterem disposições prejudiciais, gravosas e, por isso, pouco abonatórias, e ser necessário actualizá-los (62).

          D. Henrique não se intrometeu mais na difícil querela, porque as resoluções do rei de Portugal não eram responsabilidade sua e ainda porque ser duque de Viseu não lhe dava qualquer autoridade sobre a diocese. Para mais, o duque e administrador-mor da Ordem de Cristo andou sempre de boas relações com a Igreja e estava certo de que muito havia a esperar dela para a confirmação, a nível internacional, de políticas de seu interesse e do Reino, no que importava à configuração dos novos espaços ultramarinos e à final obtenção do exclusivo da navegação e consequente apropriação.

          O cenário que poderá parecer um tanto surrealista, não o era de facto: Castela estava empenhada na conclusão da Reconquista e na solução de problemas com repúblicas italianas; a França e a Inglaterra iam-se “entretendo”, como sempre, aliás, com as suas habituais questiúnculas políticas e não tinham saído ainda do rescaldo da interminável guerra.

          Logo depois, tivemos conhecimento de que o papa Eugénio IV satisfazia um pedido do Infante no sentido de Martim Pais, reitor da igreja paroquial de S. Julião de Cambra, na diocese de Viseu, dispensado do defeito de nascimento e ordenado sacerdote: o de lhe conceder benefícios eclesiásticos, com cura de almas ou sem ela. Martim Pais era capelão do Navegador (63).

          Nesta mesma linha, o Infante solicitara ao mesmo pontífice, a 26 de Setembro de 1446, que Pedro Martins, deão da Sé de Viseu, pudesse ter outros benefícios, tendo, de facto, sido concedidos por três anos (64), o que levou o Infante a solicitar, a 22 de Outubro seguinte, que os mesmos se convertessem em vitalícios, o que também lhe foi deferido (65).

 

          7. Ficou a cidade de Viseu, na prática, entregue à sua gente com um conselho no seu concelho, o qual lhe dava poder de decisão em muitas matérias do foro governativo interno, devidamente organizado e superintendido pela Casa do Navegador, nas suas vertentes ligadas à Administração. Viseu era e foi sempre o núcleo do património henriquino, não devendo este intrometer-se no poder político circunscricional, sem que fosse chamado a isso, nem nos negócios da Sé, a cuja esfera espiritual se achava bem entregue. Nem nas cartas de perdão que poderemos retirar das Chancelarias Régias, nem nas Actas de Cortes, até 1460, ano do seu falecimento. Na verdade, não houve nunca indícios, por ínfimos que fossem, da intromissão do seu imperium no dos homens governantes da localidade em si e do seu vastíssimo e irregular termo, nem em contra-ordenações do soberano.

          O facto também pode ser explicado por mais uma razão para além da boa política que descrevemos acima. Quando o rei, a pedido do Infante, perdoa e privilegia homens e mulheres das terras deste, está, pois, a beneficiar o próprio. Quando o monarca nomeia oficiais da Casa henriquina para funções do “Estado” ou mesmo de menor importância, para terras da jurisdição daquele, está, veladamente, a permitir que o Navegador se intrometa na vida política da cidade, em seu nome, ou mesmo em representação da Coroa. 

          É, assim, que vemos gente da Casa de D. Henrique na Administração do aparelho do Estado e na viseense: João de Évora, criado do Infante, era tabelião na cidade de Viseu (66). Este apenas um exemplo. Com efeito, muita gente daqui, entre vizinhos e moradores, era funcionária na Casa henriquina: Afonso Eanes fora seu cirurgião (67) e tinha o ofício de tabelião dos órfãos; Rui Gomes, seu escudeiro, era seu tabelião geral (68); João da Costa, filho de Pêro da Costa, era seu escudeiro (69) e, agora, vedor das obras… e quantos mais.

          Outra muita, junta num alargado grupo de viseenses, pedia, em nome da cidade a D. Afonso V, em Dezembro de 1439, pelo facto desta estar devassada e sem as muralhas ainda concluídas, uma verba que chegasse para a sua defesa contra qualquer possível reacção ao afastamento para Toledo – onde veio a falecer –, em Castela, da rainha viúva, D. Leonor, irmã dos Infantes de Aragão, e que o monarca e seu conselho aprovassem providências que os cidadãos pretendiam tomar e para as quais tinham já a aprovação do senhor da cidade, o Infante D. Henrique. Tudo isto se resumiria aos munícipes, designadamente privilegiados e clérigos, para que contribuíssem com seus corpos e haveres, para murar algumas travessas em torno da Sé, fortificada pelas suas quatro torres, e ainda com vista à colocação de portas fortes, janelas e postigos nas ruas principais e edificação de cadeias, noutras (70).

          Eram muitos deles alvo de perdão, como, a título de exemplo, citamos Luís Afonso, natural de Viseu, cuja pena foi comutada, com a redução de metade do tempo, por serviço em Ceuta (71).

 

          8. Quando Afonso V recebeu do papa Nicolau V a bula Romanus Pontifex, datada de 8 de Janeiro de 1455, informou, de pronto, seu tio, o Infante, pois a matéria aí constante, embora fosse de interesse nacional, dizia directamente respeito a este e à política que estava a ser desenvolvida sob a sua direcção.

          De que fala, concretamente, o diploma papal?

         Evoca a funcionalidade apostólica de D. Henrique, em termos naturalmente elogiosos, aduz toda uma série de acções levadas a bom termo pelo Navegador, desde o descobrimento e colonização dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, a tentativa de evangelização das ilhas Canárias e o plano de circum-navegação da África, para contacto directo com os Índios, cujo chefe, ao que parecia, honrava o nome de Cristo e, como tal, podia auxiliar Portugal na luta contra os Sarracenos. A estes trabalhos se atribuiu a duração de vinte e cinco anos de realizações henriquinas, tendo as suas caravelas chegado à Guiné e descoberto o Senegal. Os indígenas, em número considerável, haviam aderido à fé cristã (72).

          Consequentemente, a bula concedia, em regime de monopólio e exclusividade, os direitos de conquista, ocupação e apropriação de todas as terras, portos, ilhas, lagos, rios, montes, abras e mares de África, já conquistados e ainda a tomar, desde os cabos Bojador e Não até à Guiné e desta ad ultram. Tudo era dos Portugueses. Ainda o direito de impor leis, tributos e castigos, edificar mosteiros e casas religiosas, cujos padroados lhes passariam a pertencer… (73). Esta bula encontra-se inserida numa outra, já do papa Calisto III, de 13 de Março do ano seguinte (a Inter coetera), sendo esta última dirigida a D. Henrique e à Ordem de Cristo, a doar o exclusivo da espiritualidade em África (74).

          Estes diplomas romanos, de teor importantíssimo para Portugal e para o Navegador, – uma vez que, nos mares africanos, era useiro verificar-se a existência de navios estrangeiros que, aproveitando-se do conhecimento das nossas rotas, técnicas e mercados, se iam antecipando no cruzamento das suas águas –, deixavam, a partir de então, de limitar a nossa acção a mero carácter de pioneirismo.

          A partir de 1455, tudo se tornava diferente e ninguém ousaria fazer o mesmo, sob pena da perda dos bens, dos vasos de mar e dos homens que se transportavam nas empresas. Ambos os documentos gizavam ainda um complexo e curioso triângulo de interesses que, partindo da Casa do Infante D. Henrique, se bifurcava para a Ordem de Cristo de que ele era Administrador e para o Bispado de Viseu, que se localizava na cidade do duque e por ele era defendida.

          Se assim não fosse e se, acaso, estranharmos ter-se, alguma vez, posto em prática, em África, um verdadeiro espírito de missionação e mandado aí edificar igrejas e demais edifícios religiosos, basta atendermos ao facto de as bulas datarem de 1455/56, o Infante ter falecido em 1460 e questionarmo-nos: para quê legar, nas suas cartas de capelania, do seu último testamento, verbas para sufrágios? Com que finalidade D. Henrique se preocupara, em documento de 30 de Setembro de 1460, em encarregar Fr. Antão Gonçalves, seu cavaleiro, escrivão da puridade, alcaide-mor e comendador do castelo de Tomar, natural de Vila Nova, lugar de Viseu, e seus sucessores nos cargos, de fiscalizar a execução dos sufrágios ordenados por sua alma, pelos defuntos da Ordem de Cristo e por quantos se sentia obrigado a rogar?

          Vejamos os locais onde refere que pretende a realização das missas: em Santa Maria de África, em Ceuta e Santa Maria da Misericórdia, em Alcácer Ceguer; nas ilhas açorianas e da Madeira e Porto Santo; em Santa Maria de Belém; em Santa Maria da Graça e no Salvador; em Tomar, no convento de Cristo; em Viseu, na Sé, e em São Jorge, na Cava, onde se faz feira; e no mosteiro de Santa Maria da Vitória da Batalha… e sobre as partes fora do Reino, quer nas ilhas, quer nos lugares em África. E toda a espiritualidade da Guiné fosse outorgada à Ordem de Cristo, “pello quall, eu encomendo e mando a quallquer que for vigairo ou prior ou capellam soldado per a dicta hordem em cadahuu jgreiairo daquellas teras, que lhe praza, cada somana ao sábado, por sempre em mjnha vida e depois de minha morte, dizer huua mjsa de Sancta Maria. E a comemoraçom seja de Santo Spritu, com seu rresponsso, e a oraçom de Fidelium Deus”.

          Ordenava D. Henrique que dissessem a missa de Sancta Maria in sabbato com a comemoração do Espírito Santo, então obrigatória, aliás, nessa missa votiva, e que, ao final desta, rezassem responso de defuntos por sua alma, sendo a oração dele a que principia pela expressão Fidelium Deus omnium conditor et redemptor, ainda hoje usada nas missas quotidianas de defuntos (75).

 

          9. Conclusão

 

“resulta do conhecimento de uma adaptação
do ser ao meio, mas adaptação em que o in-
divíduo é, essencialmente, activo, tomando
a iniciativa da pergunta, e a iniciativa da res
posta”.

(António Sérgio)

 

       Cremos não ser possível terminar de forma mais simples e, simultaneamente, mais apropriada do que com mais esta citação de António Sérgio. Para este autor, a História tem de mostrar erros e virtudes, pois ela é feita à volta de mulheres e homens que são falíveis, que erram e que constroem para que fiquem na memória seus actos inteligentes. Não se estratificava, de um modo menos impiedoso, a sociedade nem o espelho reflector de um País, que não fosse fazer cada vez melhor, para legar mais valias a quem nos sucedesse.

          Ao estudarmos o Infante D. Henrique – o Homem e o “Estado” –, embora na edificação da sua Casa senhorial que publicámos em 1991, não tivemos a preocupação de deixar mais uma biografia entre tantas outras que já se haviam feito sobre ele.

          Mas, sem dúvida, foi nossa intenção mostrá-lo como uma pessoa comum, alegre, bem disposta, sempre de boas relações com a família, cheia de servidores, porque múltiplos eram os seus afazeres.

          Homem religioso, sem dúvida. Mas temperado com o mundano político multifacetado, técnico, científico e prático.

            Só assim poderia dedicar a sua vida à superior administração da Ordem de Cristo, ter tido o ensejo de encarregar-se da frontaria-mor da comarca da Beira e da alcaidaria-mor da cidade de Viseu. Só desta forma, transfere larga percentagem do seu poder local, para a organização das empresas marítimas que zarpavam, semanalmente de Lagos. Só desta maneira, poderia estabelecer uma forte ligação entre o rei de Portugal e todo o seu imperium que passaria pelas relações do País com a Santa Sé e o aconselhamento pelos cónegos de Viseu, quando necessário, nas suas investidas políticas de maior nomeada e na projecção internacional. Foi deveras grande o protagonismo de Lagos e do Algarve como o foi de Viseu, das suas terras na Comarca e de toda a Beira na empresa expansionista. Das descobertas de novas técnicas, do desenvolvimento de diferentes ramos científicos, na ligação pessoal com mulheres e homens que, com o afinco que a sua administração exigia, fizeram de Portugal o pioneiro nos movimentos ultramarinos e gizaram também a primeira etapa de um longo percurso até Tordesilhas, e à conquista de novos mercados na Índia [1498], na China [1513-1514], no Indostão [1533] e no Japão [1543] que se conquistariam quarenta anos e alguns outros pouco mais, depois que falecera. O Brasil foi um deles [1500]. Com a Índia, tornaram-se os objectivos de D. João II, concretizáveis por D. Manuel I, seu sobrinho-neto.

   
 

 

(1) Cf. Carta de 16 de Fevereiro de 1416, confirmado por uma da regência, de 8 de Abril de 1439. IAN/TT, Chanc. de D. Afonso V, liv. 19, fl. 36v.

(2) Ver Ordenações Afonsinas, liv. I, títs. 5 e 116 e liv. II, tít. 40. Casos houve denunciadores de funções judiciais privativas do ducado de Viseu. E, nos anos de 1453 a 1456, Lopo de Parada que era ouvidor do Infante D. Henrique, em Viseu, achou-se enredado em casos sintomáticos. Vide A.D.V., Pergaminhos do Cabido, maço 46, n.º 14, publ. in Monumenta Henricina, Vol. IV, pp. 59-60; IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, l. 20, fl. 10. Ver nossa nota [3] do nosso livro A Casa Senhorial do Infante D. Henrique, p. 238.

(3) Veja-se A Casa Senhorial…, cit., p. 190, nota [4].

(4) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 15, fl. 134 ; Beira, liv. 2, fl. 65v..

(5) Vide n/ nota [9], p. 191, da n/ obra A Casa Senhorial…., cit..

(6) IAN/TT., Chanc. de D. João I, liv. 4, fl. 38. Acerca dos monopólios do Infante, veja-se o n/ estudo intitulado A Casa Senhorial do Infante D. Henrique, Lisboa, Livros Horizonte, 1991.

(7) Cf. Gomes Eanes de Zurara, Crónica da tomada de Ceuta por el-rei D. João I, ed. de Francisco M. de Esteves Pereira, Lisboa, 1915, cap. 23.

(8) IAN/TT, Chanc. de D. João I, liv. 3, fl. 198.

(9) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 5, fl. 18.

(10) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 20, fl. 38v ; Mestrados, fl. 154v.

(11) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 13, fl. 9.

(12)IAN/TT., ibid., liv. 13, fl. 90.

(13) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. XVI, fl. 121v, publ por Virgínia Rau, Feiras Medievais Portuguesas. Subsídios para o seu estudo, Lisboa, Editorial Presença, 1982, pp. 137-137 e doc. XVI, p. 190.

(14) IAN/TT., Chanc. de D. João I, liv. 4, fl. 11v, publ por Virgínia Rau, Feiras Medievais Portuguesas. Subsídios para o seu estudo,  pp. 141-143 e doc. XIV, pp. 187-188. Efectivamente, a 13 de Abril de 1421, D. João I, expediu uma carta a autorizar o Infante D. Henrique a mandar fazer feira franca anual, na sua vila de Tomar, de 16 de Julho a 1 de Agosto, com os privilégios para os feirantes que fez constar do diploma. IANTT., Pergaminhos do Convento de Cristo de Tomar, caixa 2, maço 2, doc. 17.

(15)  A.V., Regestum Supplicationum, vols. 143, fl. 2v, vol. 208, fls. 199 v, 200; Regestum Lateranense, vols. 208, fl. 198v., 218, fl. 27; P.e António Brásio, A Acção Missionária no Período Henriquino, Colecção Henriquina, Lisboa, 1958, pp. 61 e ss,

(16)  IANTT., Chanc. de D. Duarte, liv. 1, fl. 162v e Místicos, liv. 4, fl. 44v.

(17) MRGV-Viseu, Pergaminho 35; Místicos, liv. 2, fl. 35. Ver Maximiano de Aragão, Viseu (Apontamentos Históricos), tomo 2, pp. 178-180 (a publ., em breve, uma 2.ª ed., crítica e revista).

(18) Cfr. João Silva de Sousa, A Casa Senhorial do Infante D. Henrique, cit., pp.192 a 195.

(19) Gomes Eanes de Zurara, Crónica da tomada de Ceuta por el-rei D. João I, Lisboa, Academia das Ciências, Coimbra, 1915, cap. 32.

(20) Ver Monumenta Henricina, Vol. III, Coimbra, 1961, doc. 36, pp. 57-58 e doc. 37, pp. 58-69.

(21) Crónica de Don Juan II, año II, 1431, cap. 26, p. 501; IAN/TT., Livro das Demarcações e Pazes, fls. 142 e ss., 163v,

(22) AGS, Patronato Real, Legajo 49-21.

(23) IANTT., Chanc. de D. Duarte, liv. 2, fl. 43v.

(24) Gomes Eanes de Zurara, Crón. cit., ., cap. 35.

(25) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 19, fl. 74.

(26) IAN/TT., ibid., liv. 19, fl. 74.

(27) Ruy de Pina, Chronica do Senhor Rey D. Duarte, in Crónicas de Rui de Pina, introd. e revisão de M. Lopes de Almeida, in Tesouros da Literatura e da História, Porto, Lello e Irmão – Editores, 1977, cap. 15.

(28) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 19, fl. 36v, inserta na de confirmação de 8 de Abril de 1439. Ver António Joaquim Dias Dinis, Estudos Henriquinos, Vol. I [e único], Coimbra, 1960, doc. 12.

(29) “Começando na Porta do Soar (1), a muralha seguia encostada à Rua do Soar de Cima, (depois Rua Cónego Martins), em direcção ao actual edifício do Grémio, onde inflectia, passando ao lado da Rua Formosa. Na sua passagem sobre a Rua Direita, ficava a Porta de São José (2), ou de cimo da Vila. Cortava, depois, em direcção à esquina da casa da família Lemos e Sousa, na Rua da Árvore (3 – Porta de S. Cristina). Daí para baixo, a cerca continuava pelo Quintal da Prebenda até à Porta de S. Miguel (4), ou da Regueira, que dava entrada para a Rua do Gonçalinho, seguindo, depois, encostada à Rua 31 de Janeiro, até ao Largo de Mouzinho de Albuquerque, mas pelo lado de dentro. Nesta altura, abria-se outra porta, a Porta de S. Sebastião (5), ultrapassada a qual, a cortina descrevia um grande arco de círculo, abrangendo o Terreiro das Freiras (onde se realizavam as touradas) e a casa dos Arco, até à Porta dos Cavaleiros (6), ou do Arco, assim chamada, por ficar à entrada da antiga Rua dos Cavaleiros (hoje do Arco). Trepava em seguida a ladeira, encostando-se à Rua dos Loureiros, até ao cimo da calçada de São Mateus, onde se abria a Porta da Senhora do Postigo (7), ou da Senhora das Angústias, de que ainda há vestígios. Desse ponto, a cerca continuava, vencendo a rampa até ao cimo da calçada de Viriato. Umas casas altas da Rua de Silva Gaio (antiga rua Detrás-dos-Currais), devem assentar sobre os muros antigos e é nesse percurso que se encontra o troço mais bem conservado da circunvalação quatrocentista; uma das portas do muro, apresenta ainda umas esculturas com a forma vaga de uma arma. Seguia depois encostada à mesma Rua de Silva Gaio, tendo por vezes, por alicerce, grandes penedos com a disjunção esferoidal, até fechar o circuito na Porta do Soar" (Amorim Girão, in Viseu, um futuro com passado, Lisboa, Néstia Editores, s.d.). porviseu.blogs.sapo.pt/arquivo/2006.

(30) Durante as guerras fernandinas e as joaninas, sobretudo, após Aljubarrota, na retirada precipitada dos Castelhanos, Viseu foi saqueada e incendiada por estes à sua passagem. Foi, então, que D. João I fez iniciar a construção de uma muralha para defesa da cidade, a qual só veio a findar durante o reinado de D. Afonso V [1438-1481], de onde lhe adveio o nome de Muralha Afonsina. Restam hoje alguns panos e duas portas mais evidentes: a do Soar e a dos Cavaleiros.

(31) IAN/TT., ibid., liv. 20, fl. 127v; Místicos, liv. 3, fl. 181. António Joaquim Dias Dinis, Estudos Henriquinos, pp. 418 e ss..

(32) IAN/TT. Chanc. de D. Afonso V., liv. 13, fl. 42.

(33) AHCML, Provimento dos Ofícios, liv. 1, fl. 15, publ. in Monumenta Henricina, Vol. II, Coimbra, 1960, doc. 112, pp. 234-235. Ver mais bibliografia aduzida nesta colectânea documental.

(34) IAN/TT., Colegiada de Santo Estêvão de Alfama, maço 18, n.º 343, publ. in Monumenta Henricina, Vol. II, doc. 131, pp. 258-259.

(35) ADV., Pergaminhos do Cabido, maço 35, n.º 45.

(36) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 19, fl. 42v..

(37) IAN/TT., Chanc. de D. João I, liv. 4, fl. 44; Chanc. de D. Afonso V, liv. 19, fl. 19 e liv. 29, fl. 40; Mestrados, fls. 132 e 154; Ordem de Cristo, cód. 234, parte 2, fl. 68.

(38) Ver António Joaquim Dias Dinis, O Infante e a indústria da pesca, in Estudos Henriquinos, cits., pp. 74 e ss.

(39) Confirmada a 20 de Maio de 1439 pelo regente D. Pedro em nome de D. Afonso V. IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 19, fl. 18v e Místicos, liv. 3, fl. 216

(40) Carta de 25 de Setembro de 1433 e confirmada pelo regente, a 20 de Maio de 1439. IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 19, fl. 38 e Místicos, liv. 1, fl. 411.

(41) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 19, fl. 19v e liv. 20, fl. 39v. e confirmada a 12 de Abril de 1439. Ver João Silva de Sousa, A Casa Senhorial do Infante D. Henrique, cit..

(42) Ver João Silva de Sousa, Ob. Cit., pp. 203 e ss.

(43) IAN/TT., Chanc. de D. João I, liv. 4, fl. 78.

(44) Ver João Silva de Sousa, Obr. Cit., pp. 217-223.

(45) Ver Ordenações Manuelinas, liv. 2, tít. 17 e Ordenações Filipinas, liv. 2, tít. 35. IAN/TT, Fundo Antigo, n.º 15, fls. 86 a 92.

(46) ADV., Pergaminhos do Cabido, maço 35, n.º 46.

(47) AV., Regestum Supplicationum, vol. 199, fl. 99v.

(48) Através das letras Vitae ac morum honestas de Martinho V, de 9 de Junho de 1426. AV, Regestum Lateranense, vol. 263, fl. 241.

(49) ADV., ibid., maço 39, nº 24.

(50) ADV., ibid, maço 36, n. º 11.

(51) ADV., ibid., maço 16, n.º 50; maço 23, doc. 65; maço 26, n.º 36; maço 32, n.º 6; maço 33, n.º 19 e 32; maço 39, n.º 10; maço 42, n.º 19; maço 44, n.º 29; maço 46, n.º 14; IAN/TT., Beira, liv. 2, fl. 32; Chanc. de D. Afonso V, liv. 4, fl. 57v; liv. 5, fl. 12; liv. 8, fl. 43v; AV., Regestum Lateranense, Vol. 545, fl. 28.

(52) IANTT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 34, fl. 208v.

(53) 27 de Junho de 1450. IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 11, fl. 112v.

(54) 27 de Junho de 1450. IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 11, fl. 112v.

(55)16 de Julho de 1450. IAN/TT., ibid., liv. 34, fl. 126.

(56) IAN/TT., Ordem de Avis, n.º 694. Para outros casos, ver IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 36, fl. 45.

(57) Carta de 3 de Março de 1427. ADV., Pergaminhos do cabido, maço 13, doc. 95.

(58) IAN/TT, Chanc. de D. Afonso V, liv. 13, fl. 163v ; Beira, liv. 2, fl. 49. In Monumenta Henricina, Vol. XII, Coimbra, 1971, pp. 27-55.

(59) Outros havia com importantes funções dentro do próprio bispado, como, por exemplo, Rui Vaz, criado de João Moniz, fidalgo da casa do Infante D. Henrique, no exercício de tabelião geral. IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 36, fl. 73v.

(60) AV., Regestum Vaticanum, vol. 359, fl. 123v, 125, 127v, 129. Ver Monumenta Henricina, Vol. VII, pp. 117 a 131 e bibliografia citada e João Silva de Sousa, ob.  cit.

(61) Ver, no caso, “D. Luís do Amaral, de Viseu e Lamego. Um bispo dissidente”, in Beira Alta, 2008 (no prelo). Ver João Silva de Sousa, D. Afonso, 4.º Conde de Ourém, Ourém, Câmara Municipal, 2005, pp. 65-68.

(62) IAN/TT., Colecção Especial, parte 1, caixa 27; Pergaminhos das Ordens do Templo e de Cristo, Régios, maço 1, n.º 25; Ordem de Cristo, cód. 234, parte 1, fls 52v e ss; BNL, Fundo Geral, cód. 735, tomo 1, pp. 94 e ss; ibid., caixa 28, H. 5. 47, n.º 19. Monumenta Henricina, Vol. X, 1969, pp. 125-137.

(63) AV., Regestum Lateranense, vol. 372, fl. 128v.

(64) AV., Regestum Supplicationum, vol. 413, fl. 131.

(65) AV., ibid., Vol. 413, fl. 278v..

(66) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V. liv. 5 fl. 78.

(67) IAN/TT., ibid., liv. 25, fl. 24v.

(68) IAN/TT., Chanc. de D. Afonso V, liv. 13, fl. 15v.

(69) IAN/TT., ibid., liv. 13, fl. 30v.

(70) IAN/TT., ibid., liv. 2, fl. 22v.

(71) IAN/TT, ibid., liv. 20, fl. 10.

(72) Cf. João Silva de Sousa, A Casa Senhorial, cit., p. 222.

(73) IAN/TT, Bulas, maço 7, n.º 29; Gaveta 7, maço 13, n.º 7

(74) IANTT, Bulas, maço 32, n.º 10 e maço 33, n.º 14. Ver Livro dos Mestrados, vol. 159 e 165 e ss.; Ordem de Cristo, cód. 235, fls. 13 e ss; AV, Regestum Vaticanum, vol. 402, fls. 410-413 e vol. 405, fls. 71-75.

(75) IAN/TT., Livraria, cód. 516, fls. 2, 3, 11v., 12, 13, 16, 16v, 17, 18; Ordem de Cristo, cód. 233, fls. 167, 168, 170, 172; cód. 235, fls. 22, 23, 23v, 24, 29, 38; Colecção Especial, parte 1, caixa 72; ADV., Pergaminhos do Cabido de Viseu, maço (f); AUC., Gaveta 2, maço 3, n.º 46, BNL., Fundo Geral, cód. 737, fls. 35v, 36v, 38, 40, 41, 42 . Ver Monumenta Henricina, Vol. XIV, Coimbra, 1973, pp. 1-36 e João Silva de Sousa. A Casa Senhorial, cit..

 

 

JOÃO SILVA DE SOUSA
Prof. do Departamento de História da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Membro Correspondente da Acade4mia Portuguesa da História, Membro da Sociedade de Genealogia

 

 

© Maria Estela Guedes
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