REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências


Nova Série | Número 27 | Maio | 2012

 
 

 

 

ELAINE GUEDES

Para pintar um quadro vivo

                                                                  
 

EDITOR | TRIPLOV

 
ISSN 2182-147X  
Contacto: revista@triplov.com  
Dir. Maria Estela Guedes  
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1. 

What a wonderful world

a mesa pálida e as cadeiras me olhando um olhar morto

em minha volta as coisas what a wonderful world

os porcos gostam da solidão

e posso me lambuzar sozinha

enquanto as paredes aguardam meu movimento

eu em meu canto vazio

what a wonderful world

se é amargo meu gosto ninguem vê,

what a wonderful world

então me lambuzo e limpo as mãos no avental

os olhos estão no centro da mesa

e não me importo com a comida

sem trocas, nessa manhã cinzenta

what a wonderful world

 

2. 

Coloco uma música e deixo as ondas irem onde não vou

meu corpo preso ao lugarejo eu

minha música vagando e eu engordo o espaço meu

 

pela boca uma mosca entra e eu cuspo e olho o chão

enquanto a música voa

 

3.  

Maria cerrou os portões não foge mais

corre!! corre que as galinhas bicam por demais

Maria comeu palavras e plantou manjericão

Maria em silêncio ouve pássaros e os muros não tem pintura!

 

4

lembro da primeira primavera na calçada de mãos dadas com meu pai

lembro de uma rua com portas e janelas fechadas

do silêncio, me lembro

me lembro de não ir além em passo lento,

do vestido branco e dos cabelos escorridos

nem vento

nem mesmo o pisar nos gravetos

não lembro

nem mesmo uma palavra, não lembro

lembro das mãos dadas

e da rua sem esquina

 

5. 

Porém me voltei

lembro dos olhos rastreadores

ainda escondidos

e o sol me lembro

dos meus olhos puxados,/

de me ver do lado de fora de mim

eu era um ponto de interrogação/

/por detrás das portas e janelas,

era a esquina e a outra rua do bairro encantado

meus olhos tinham cabos que se enveredavam

e ninguém via não via eu via

tudo além do silêncio e de uma rua vazia

Em mim

 

6.  

a cozinha pequena me inferniza

o pó não abandona nunca e se junta em times escuros como pernas de aranhas emaranhadas

eles frequentam a cozinha a sala os cantos dos quartos

e todos os dias eu volto

 

a cozinha se fosse grande eu não via

eu abria os braços e eu abria as pernas sentava pensava

eu esperava e olhava e não veria

a cozinha pequena todos os dias me agoniza

 

7. 

Olho as marcas no assoalho e meu vestido na cadeira escorrega

porque nunca ninguém em volta?

Porque nunca muitos barulhos e risadas?

Porque eu e meu silêncio profundo ainda de mãos dadas

 

voos voos voos me aguardam amanhã sempre e sempre

não vou cortar os pulsos a não ser para ver a cor acordar com a cor e pintar um quadro vivo

 

8.  

O quadro valia quantos quintais? Quantas galinhas? Quantas esquinas

percorri para pintá-lo

agora está na galeria dos que aguardam

o quadro que escorrega as cores que vão e voltam

para cima e para baixo

para cima e para baixo

para cima e para baixo

novo tédio

novo nada

novo feito

passou e amanhã aguarda.... 

 

9. 

Ah meu olhar desperto para nada

meu corpo inerte no sofá

o teto nada me diz e eu o atravesso

minhas mãos jogadas seguras pelos meus braços

não morro disso

nenhuma hemorragia porque caí me fez cair mais ainda

eu estou de olhos pregados no teto

 

parei de usar a palavra não

sim para não te atendo

sim para não quero

sim para mim sim

 

sim para comer demasiado as palavras

eu estou em silêncio e algumas delas fazem sentido sozinhas

a mortadela tem saber de morte embutida

 
 

 

1.

What a wonderful world

la mesa pálida y las sillas mirándome con una mirada muerta

a mi regreso las cosas what a wonderful world

a los cerdos les gusta la soledad

y puedo ensuciarme sola

mientras las paredes aguardan mi movimiento

yo en mi rincón vacío

sé que es amargo mi gusto que nadie ve,

what a wonderful world

entonces me ensucio y limpio las manos en el delantal

los ojos están en el centro de la mesa

y no me preocupa la comida

sin trueque, en esa mañana cenicienta

what a wonderful world

 

2. 

Coloco una música y dejo las ondas ir a donde no voy

mi cuerpo preso en el lugar yo

mi música vagando y yo engordo el espacio mío

 

por la boca una mosca entra y yo escupo y miro al piso

mientras la música vuela

 

3. 

María cerró los portones no huye más

¡corre! corre que las gallinas pican mucho

María comió palabras y plantó albahaca

¡María en silencio oye pájaros y los muros no tienen pintura!

 

4. 

Recuerdo la primera primavera en la calle tomada de manos con mi padre

recuerdo una calle con puertas y ventanas cerradas

del silencio, me recuerdo

me recuerdo de no ir más allá muy lento,

del vestido blanco y de los cabellos lisos

ni viento

ni siquiera pisaditas

no recuerdo

un siquiera una palabra, no recuerdo

recuerdo las manos tomadas

y de la calle sin esquina

 

5. 

Pero volteé

recuerdo los ojos rastreadores

aun escondidos

y el sol

recuerdo

mis ojos cansados,/

de verme del lado de fuera de mí

yo era un punto de interrogación/

 

/por detrás de las puertas y ventanas,

era la esquina y la otra calle del barrio encantado

mis ojos tenían cabos que se encaminaban

y nadie veía no veía yo veía

todo más allá del silencio y de una calle vacía

En mí

 

6. 

la cocina pequeña me infierna

el polvo no se va nunca y se junta en lugares oscuros como piernas de arañas enmarañadas

ellos frecuentan la cocina la sala los rincones de los cuartos

y todos los días yo vuelvo

 

la cocina si era grande no la veía

yo abría los brazos y yo abría las piernas sentaba pensaba

yo esperaba y miraba y no vería

la cocina pequeña todos los día me agoniza

 

7. 

Miro las marcas en el parqué y mi vestido en la silla se resbala

¿por qué nunca nadie vuelve?

¿por qué nunca tantos barullos y risas?

¿por qué yo y mi silencio profundo aun tomados de las manos?

 

vuelos vuelos vuelos me esperan mañana siempre y siempre

no me voy a cortar las muñecas a no ser para ver el color despertar con el color y pintar un cuadro vivo

  

8. 

¿El cuadro valía cuántos huertos? ¿Cuántas gallinas? ¿Cuántas esquinas

recorrí para pintarlo?

ahora está en la galería de los que esperan

el cuadro que chorrea los colores que van y vuelven

para arriba y para abajo

para arriba y para abajo

para arriba y para abajo

nuevo tedio

nueva nada

nuevo hecho

pasó y mañana espera…

 

9. 

Ah mi mirada despierta para nada

mi cuerpo inerte en el sofá

el techo no me dice nada y lo atravieso

mis manos tiradas sujetas por mis brazos

no muero de eso

ninguna hemorragia porque caí me volví a caer más

yo estoy con los ojos clavados en el techo

 

paré de usar la palabra no

sí para no te sigo

sí para no quiero

sí para mí sí

 

sí para comer demasiado las palabras

yo estoy en silencio y algunas de ellas tienen sentido solas

la  mortadela tiene que saber de muerte embutida

 
 

 

Elaine Guedes (Brasil, 1963). Poeta, letrista y cantora. Grabó el disco Comer (2009) y publicó el libro O amor nu (2011). Contacto: elamusica@ig.com.br. Traducción de Gladis Mendía.

 

 

 

Elaine Guedes (Brasil, 1963). Poeta, letrista de canção e cantora. Gravou o disco Comer (2009) e o publicou o livro O amor nu (2011). Contato: elamusica@ig.com.br.

 

 

© Maria Estela Guedes
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