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REVISTA TRIPLOV
de Artes, Religiões e Ciências
Nova Série | Número 27 | Maio | 2012
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ADELTO GONÇALVES
Ungulani Ba Ka Khosa:
a África que o Brasil não conhece |
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EMERGING PERSPECTIVES ON UNGULANI BA KA KHOSA: PROPHET, TRICKSTER, AND
PROVACATEUR,
de Niyi Afolabi (editor).Trenton, New Jersey/Asmara, Eritrea, Africa
World Press, Inc.,458 págs. , 2011, US$ 39,95. Site:
www.africaworldpressbooks.com
E-mail:
customerservice@africaworldpressbooks.com
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EDITOR |
TRIPLOV |
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ISSN 2182-147X |
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Contacto: revista@triplov.com |
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Dir. Maria Estela Guedes |
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I |
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Enquanto as universidades e editoras portuguesas e brasileiras,
praticamente, só estudam e publicam autores africanos lusodescendentes –
com as exceções de praxe, na área editorial, como a Editorial Caminho,
de Lisboa, que tem tradição na área –, pouco se lê sobre romancistas,
contistas e poetas africanos autóctones ou mestiços que utilizam a
Língua Portuguesa como meio de expressão. E, no entanto, em poucos anos,
se a Língua Portuguesa – a língua do invasor e do colonizador – quiser
sobreviver no continente africano – e com ela todo o legado lusófono –,
será mesmo dos autores autóctones que dependerá.
Esse incompreensível silêncio – que reflete, pelo lado
português, segundo o professor Patrick Chabal, do King´s College de
Londres, certa saudade colonialista ainda não superada e, pelo lado
brasileiro, descomunal desconhecimento em relação a assuntos africanos –
é o que explica que um livro como Emerging Perspectives on Ungulani
Ba Ka Khosa: prophet, trickster, and provacateur, preparado pelo
professor Niyi Afolabi, ainda não tenha sido editado no Brasil nem em
Portugal. E que, para lê-lo, tenhamos de recorrer à edição da Africa
Press World Pres, Inc., com sede em Trenton, New Jersey, EUA, e em
Asmara, na Eritreia, país do Nordeste da África, antiga colônia
italiana, às margens do Mar Vermelho, que se separou da Etiópia em 1991.
Pouco conhecido do público-leitor brasileiro, Khosa (1957)
não teve até hoje obra publicada no Brasil, mas esteve em São Paulo em
novembro de 2010 para participar de um encontro na Casa das Áfricas e de
um debate na Biblioteca de São Paulo sobre “O negro na literatura
internacional”, que teve a mediação de Carmen Lucia Tindó Secco, doutora
em Literatura Brasileira e professora de Literaturas Africanas na
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Trata-se de um dos mais importantes autores moçambicanos de
sua geração, ganhador do Prêmio José Caveirinha de 2007 por seu livro
Os Sobreviventes da Noite. Outro galardão que atesta a qualidade de
sua obra é o Grande Prêmio de Literatura Moçambicana de 1990 por
Ualalapi, que foi assinalado como um dos cem melhores livros
africanos do século XX. No Brasil, Khosa já havia estado em 1987 para
participar do lançamento da antologia Sonha Mamana Africa,
preparada pela professora e jornalista Cremilda Medina de Araújo, da
Universidade de São Paulo (USP).
Nascido em Inhaminga, província de Sofala, Ungulani Ba Ka
Khosa é o nome tsonga – grupo étnico do Sul de Moçambique – de Francisco
Esaú Cossa, bacharel em História e Geografia pela Faculdade de Educação
da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo, professor de carreira e
atual diretor do Instituto Nacional do Livro e do Disco, de Moçambique.
Khosa também exerceu a função de diretor-adjunto do Instituto Nacional
de Cinema e Audiovisual de Moçambique, participando na elaboração de
roteiros e jornais cinematográficos. Filho de pais enfermeiros, Khosa
completou os estudos secundários na Zambézia e tornou-se professor em
1978.
É autor de seis livros, Ualalapi (1987), Orgia dos
Loucos (1990), Histórias de Amor e Espanto (1993), No
Reino dos Abutres (2001), Os Sobreviventes da Noite (2005) e
Choriro (2009). Co-fundador da revista literária Charrua,
na década de 90, tem escrito crônicas e artigos para vários jornais
africanos. Membro da Associação dos Escritores Moçambicanos, recebeu
ainda o prêmio Gazeta de Ficção Narrativa (1988), além de ter sido
homenageado em 2003 pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
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II |
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Essa vasta obra justifica o livro que Niyi Afolabi, doutor
em Estudos Africanos e Portugueses pela Universidade de
Wisconsin-Madison e professor de Literaturas Brasileira, Ioruba e de
Estudos da Diáspora Africana da Universidade do Texas, de Austin, EUA,
preparou, reunindo quinze ensaios escritos por estudiosos de várias
partes do mundo, além de entrevistas e excertos de textos do autor. Na
maioria, os textos estão em inglês – inclusive, excertos dos livros –,
mas há seis ensaios em português.
Entre esses, destacam-se “Transculturação e
representatividade lingüística em Ungulani Ba Ka Khosa: um
comparatismo da solidariedade”, de Nataniel Ngomane, professor do
Departamento de Lingüística e Literatura da Universidade Eduardo
Mondlane, de Maputo, doutor em Letras pela Universidade de São Paulo
(USP), e “O outro na representação da identidade nacional nas obras de
Mia Couto, Suleiman Cassamo e Ungulani Ba Ka Khosa”, de Christoph
Oesters, doutor pela Universidade de Utrecht, Holanda, com a tese
“Figuras do Outro: identidades pós-coloniais no romance moçambicano
contemporâneo” (2005).
Os demais ensaios são de Ana Mafalda Leite, professora de
Literatura Africana Lusófona da Universidade de Lisboa, António Belchior
Vaz Martins, autor de Teoria e Práticas de Análise da Narrativa: as
mitologias apocalípticas e Ualalapi de Ungulani Ba Ka Khosa (2004),
Daniela Neves Lima, professora da Pontifícia Universidade Católica
(PUC), de Belo Horizonte, e Ebenezer Adedeji Omoteso, coordenador de
Estudos Portugueses no Departamento de Línguas Estrangeiras da
Universidade Obafemi Awolowo, da Nigéria.
Além da introdução “Quem tem medo de Ungulani Ba Ka Khosa?”,
de Niyi Afolabi, igualmente traduzida para o português, há estudos de
Jared Banks, doutor em Línguas e Literaturas Africanas pela Universidade
de Wisconsin-Madison, Gilberto Matusse, professor do Departamento de
Lingüística e Literatura da Universidade Eduardo Mondlane, de Maputo,
Anne Sletsjoe, professora de Literatura Portuguesa da Universidade de
Oslo, Noruega, Sophia Beal, doutoranda em Estudos Portugueses e
Brasileiros pela Universidade Brown, EUA, Sunday Bamisile, doutorando em
Literatura Comparada pela Universidade de Lisboa, e do próprio
organizador do volume.
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III |
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Como se vê por aqui, Khosa é um autor já largamente estudado
por críticos de outras línguas. E que há muito já deveria ter sido
editado no Brasil. Aliás, desde o seu primeiro livro, Ualalapi,
romance histórico e primeira obra de ficção que se dedica exclusivamente
ao passado colonial de Moçambique e conta a ascensão de Ngungunhane,
imperador de Gaza, famoso pela resistência que opôs aos portugueses ao
final do século XIX, até o fim de seu império.
Como observa Oesters, o livro é construído a partir de
fragmentos históricos, comentários de oficiais portugueses envolvidos na
campanha contra o líder africano. São seis contos que acabam por
reconstituir na imaginação episódios daquele período, formando um
romance. O importante, porém, é que, ao contrário do que comumente se
pode imaginar, o livro não apresenta Ngungunhane como um “grande líder”
nem se preocupa em relatar seus possíveis feitos históricos contra a
violência do domínio colonial, como foi feito no período
pós-independência (1975). “Em vez disso, dedica-se muito mais a uma
representação de Ngungunhane que corresponde à realidade histórica,
mostrando a imagem de um tirano cruel em relação a outros povos
africanos, mas também para com seu próprio povo”, diz Oesters.
Oesters observa que o “Outro” na obra de Khosa aparece na
forma dos “brancos, do outro lado do mar”, mas em breves referências.
Numa delas, refere-se à morte de Ngungunhane no exílio “em roupas que
sempre rejeitara e no meio da gente da cor do cabrito esfolado que muito
se espantara por ver um preto”.
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IV |
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Já Nataniel Ngomane, em seu ensaio, faz um paralelo entre a
obra de Khosa e a dos autores latino-americanos do boom, a partir
da constatação de que as culturas de ambos os lados são historicamente
mestiças, “como produto do contato entre elementos indígenas – em si já
bastante diversificados –, africanos e aluviões imigratórios europeus e
asiáticos, na América Latina, e de elementos indígenas – não menos
diversificados que aqueles –, árabes, asiáticos e europeus em
Moçambique”.
Ngomane ressalta que essa situação vem sendo explorada por
narrativas como as de Khosa e de Mia Couto que, “no intuito de
representar a conjugação dos imaginários e atitudes aí presentes, acabam
por configurar processos culturais diversos”. Para tanto, vale-se da já
clássica obra Contrapunteo cubano del tabaco y el azúcar (Havana:
Letras Cubanas, 1991), de Fernando Ortiz (1881-1969), publicada pela
primeira vez em 1940, tão estudada no Departamento de Letras Modernas da
USP, mas que, incompreensivelmente, ainda está à espera de publicação
por editora brasileira.
Ngomane ressalta que, além de utilizar termos de origem
bantu, “desconhecidos da maioria dos leitores em português, Khosa
incorpora em sua linguagem a descrição de universos culturais a que
esses termos se vinculam”. Ou seja, Khosa salpica seu texto com
expressões verbais de origem bantu, mas o faz de uma maneira mais
palatável ao leitor, explicando os termos no próprio texto, sem recorrer
a um glossário no final do livro ou a notas de rodapé.
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V |
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Obviamente, ninguém é contra que professores de outros
mundos não lusófonos se preocupem em estudar as literaturas africanas de
expressão portuguesa. Pelo contrário. O que se lamenta é que tanto em
Portugal como no Brasil se dê tão pouco espaço aos escritores africanos
autóctones que se utilizam da língua portuguesa. Até porque, como
observa Perpétua Gonçalves em Português de Moçambique: uma variedade
em formação (Maputo: Livraria Universitária e Faculdade de Letras da
UEM, 1996), citada por Nataniel Ngomane, só uma minoria em Moçambique
que teve acesso à escola (25%) e que habita nos centros urbanos (17%)
fala português.
Como o país é formado por muitas nações e 95% da população
tem como língua materna uma língua bantu, por enquanto, o Português
serve como uma espécie de tertius (neutro) para a língua oficial,
já que, se um grupo étnico local quiser impor a sua língua como a
predominante, com certeza, irá causar insatisfação entre os demais. Mas,
se Portugal e Brasil continuarem de costas viradas para a África, não
será difícil que Camões (c.1524-1580) seja substituído por Shakespeare
(1564-1616) em pouco tempo. Até porque a África do Sul é logo ali.
Depois, não digam que ninguém avisou.
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Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de
São Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999) |
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© Maria Estela Guedes
estela@triplov.com
PORTUGAL |
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